Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I
Todas as Formas e Vidas do Cinema
O Centro de Recife é habitado por fantasmas arquitetônicos. Daqueles nos quais muitos burburinhos foram escutados, muitos passos foram ouvidos e alguns flertes iniciados. As ruínas de um cinema é um desses espaços. Antes lugar para duzentas pessoas, hoje o que vemos são somente ruínas.
No curta-metragem “Entre Andares”, que abre esse recorte proposto do Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem, em cartaz na Mostra Cinemas do Brasil, há ainda uma estrutura de cinema que permanece nos lembrando de que, um dia, aquele espaço abrigou sonhos e ilusões.
Conforme as vozes de nossas personagens contam suas histórias, percebemos que a sala é mais uma das personagens, tal qual o nome do programa nos sugere, mas somente porque por entre seus halls e escadas em caracol, passaram pessoas.
Como em uma brincadeira heideggeriana podemos nos perguntar: existe sala de cinema se ninguém a frequenta? Existe?
Recife foi e ainda é uma das grandes capitais do Nordeste. Cidade que inaugurou movimentos nacionais tanto no cinema, quanto na música.
O prédio abandonado ganhou outros espaços nos três andares que restaram. A parte na qual estava instalada o cinema, revela suas partes aos poucos. Restos de películas, elevadores sem função. Mas, será mesmo que esse é um edifício sem função ou adquiriu outras funções para os que insistem em permanecer por perto?
Os olhares das reminiscências alimentam as paredes mofadas e desconstruídas desse espaço que persevera em seu trânsito. O Edifício AIP nasceu em 1961. O Cine API está há décadas fechado. Entre as poltronas comidas por cupins, o mofo e o cheiro do passado, residem a paixão manifesta e a virtual, aquela que ainda enxerga os vultos do passado e suas risadas.
O cinema morre? E, se tomarmos isso como um pressuposto, o que morre é a sala de cinema ou o ser cinema? Cinema é tempo ou espaço? De maneira pura, quase naïf, penso que enquanto restar a memória daquele cinema, ele estará à salvo. Talvez, procurando algum resgate.
Agora, caso estejamos falando do cinema enquanto ser, esse, posso quase afirmar – porque minha religião não me permite afirmações categóricas – não morre mesmo.
O cinema é aquilo que foi, que é ou o que poderia ter sido. Por isso, não há como capturá-lo. Nem no espaço, nem no tempo. É luz. A grafia, como fomos ensinados aqui e ali. Ou, iniciados.
A fala da candomblecista anuncia. O culto. A reverência. Sem desrespeito algum aos meus antepassados, o cinema também deve ser reverenciado. Não em suas máquinas e técnicas, mas em suas partículas de luz.
São as personagens “reais” e “ficcionais” que nos trazem de volta à sala que já foi.
Onde houve um cinema, sempre haverá. Porque o cinema não morre. E, agora, afirmo: Ainda que “A Morte do Cinema” nos mostre espaços reconfigurados, é na presença das pessoas que o filme possibilidade uma outra leitura para seu título.
Homenagem ao artista Victor Nogueira, que transitou por muitas artes sendo reconhecido em Pernambuco e no Brasil, o curta-metragem “Victor vai ao Cinema” era, além de tudo, dono do Cinema Olinda. A história de Victor é contada através de antigas imagens e de estudiosos das artes cênicas.
Victor, com sua pluralidade, encarna um pouco do que era o meio artística nacional no início do século XX. Fazia-se de tudo um pouco e, por amor e necessidade, tornava-se mestre.
O teatro, o cinema, a poesia, a dança. As artes se misturavam em um só corpo. É preciso estudar a vida dessas personagens das artes para que não se percam.
Assim, o Cinema Olinda foi extremamente importante para a vida cultural da cidade. Porém, Victor e seus companheiros é que alimentavam essa vida. A sinopse do filme fala em resistência. E, elas são muitas.
Levar Victor de volta ao Cinema Olinda, é uma delas.
Ficha Técnica do Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I
Entre Andares (Aline van der Linden e Marina Moura Maciel, 15′ – Brasil, 2016)
Sinopse: No centro do Recife, cinco pessoas resistem junto a um prédio em estado de degradação. Enquanto contam suas histórias pessoais, memórias do edifício e da cidade são reveladas.
A Morte do Cinema (Evandro Freitas, 20′ – Brasil, 2014)
Sinopse: Quando levantou a casa, o sonho viveu lá. Depois morreu e tudo mudou: ficou a ruína. Dizem que ruína é coisa alguma, mas não é verdade. Ruína é a casa do abandono.
Victor Vai ao Cinema (Albert Tenório, 11′ – Brasil, 2018)
Sinopse: Ir ao cinema sempre foi uma espécie de ritual que não termina quando a tela escurece e aparecem os créditos finais. As lembranças e experiências vividas em uma sala de cinema podem influenciar uma vida inteira e revelar a importância que tal hábito tem na história das pessoas. Filme de resistência que instiga o reconhecimento da trajetória e personalidade do multiartista Victor Moreira em meio a ocupação do Cine-Olinda.
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Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I