Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I

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Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I

Mostra Cinemas do Brasil 2020

Todas as Formas e Vidas do Cinema

Entre Andares Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem
Entre Andares (Aline van der Linden e Marina Moura Maciel, 2016)

O Centro de Recife é habitado por fantasmas arquitetônicos. Daqueles nos quais muitos burburinhos foram escutados, muitos passos foram ouvidos e alguns flertes iniciados. As ruínas de um cinema é um desses espaços. Antes lugar para duzentas pessoas, hoje o que vemos são somente ruínas.

No curta-metragem “Entre Andares”, que abre esse recorte proposto do Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem, em cartaz na Mostra Cinemas do Brasil, há ainda uma estrutura de cinema que permanece nos lembrando de que, um dia, aquele espaço abrigou sonhos e ilusões.

Conforme as vozes de nossas personagens contam suas histórias, percebemos que a sala é mais uma das personagens, tal qual o nome do programa nos sugere, mas somente porque por entre seus halls e escadas em caracol, passaram pessoas.

Como em uma brincadeira heideggeriana podemos nos perguntar: existe sala de cinema se ninguém a frequenta? Existe?

Recife foi e ainda é uma das grandes capitais do Nordeste. Cidade que inaugurou movimentos nacionais tanto no cinema, quanto na música.

O prédio abandonado ganhou outros espaços nos três andares que restaram. A parte na qual estava instalada o cinema, revela suas partes aos poucos. Restos de películas, elevadores sem função. Mas, será mesmo que esse é um edifício sem função ou adquiriu outras funções para os que insistem em permanecer por perto?

Os olhares das reminiscências alimentam as paredes mofadas e desconstruídas desse espaço que persevera em seu trânsito. O Edifício AIP nasceu em 1961. O Cine API está há décadas fechado. Entre as poltronas comidas por cupins, o mofo e o cheiro do passado, residem a paixão manifesta e a virtual, aquela que ainda enxerga os vultos do passado e suas risadas.

A Morte do Cinema Curta-Metragem Evandro Freitas Imagem
A Morte do Cinema (Evandro Freitas, 2014)

O cinema morre? E, se tomarmos isso como um pressuposto, o que morre é a sala de cinema ou o ser cinema? Cinema é tempo ou espaço? De maneira pura, quase naïf, penso que enquanto restar a memória daquele cinema, ele estará à salvo. Talvez, procurando algum resgate.

Agora, caso estejamos falando do cinema enquanto ser, esse, posso quase afirmar – porque minha religião não me permite afirmações categóricas – não morre mesmo.

O cinema é aquilo que foi, que é ou o que poderia ter sido. Por isso, não há como capturá-lo. Nem no espaço, nem no tempo. É luz. A grafia, como fomos ensinados aqui e ali. Ou, iniciados.

A fala da candomblecista anuncia. O culto. A reverência. Sem desrespeito algum aos meus antepassados, o cinema também deve ser reverenciado. Não em suas máquinas e técnicas, mas em suas partículas de luz.

São as personagens “reais” e “ficcionais” que nos trazem de volta à sala que já foi.

Onde houve um cinema, sempre haverá. Porque o cinema não morre. E, agora, afirmo: Ainda que “A Morte do Cinema” nos mostre espaços reconfigurados, é na presença das pessoas que o filme possibilidade uma outra leitura para seu título.

Victor Vai ao Cinema Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem
Victor Vai ao Cinema (Albert Tenório, 2018)

Homenagem ao artista Victor Nogueira, que transitou por muitas artes sendo reconhecido em Pernambuco e no Brasil, o curta-metragem “Victor vai ao Cinema” era, além de tudo, dono do Cinema Olinda. A história de Victor é contada através de antigas imagens e de estudiosos das artes cênicas.

Victor, com sua pluralidade, encarna um pouco do que era o meio artística nacional no início do século XX. Fazia-se de tudo um pouco e, por amor e necessidade, tornava-se mestre.

O teatro, o cinema, a poesia, a dança. As artes se misturavam em um só corpo. É preciso estudar a vida dessas personagens das artes para que não se percam.

Assim, o Cinema Olinda foi extremamente importante para a vida cultural da cidade. Porém, Victor e seus companheiros é que alimentavam essa vida. A sinopse do filme fala em resistência. E, elas são muitas.

Levar Victor de volta ao Cinema Olinda, é uma delas.


Ficha Técnica do Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I

Entre Andares (Aline van der Linden e Marina Moura Maciel, 15′ – Brasil, 2016)
Sinopse: No centro do Recife, cinco pessoas resistem junto a um prédio em estado de degradação. Enquanto contam suas histórias pessoais, memórias do edifício e da cidade são reveladas.
A Morte do Cinema (Evandro Freitas, 20′ – Brasil, 2014)
Sinopse: Quando levantou a casa, o sonho viveu lá. Depois morreu e tudo mudou: ficou a ruína. Dizem que ruína é coisa alguma, mas não é verdade. Ruína é a casa do abandono.
Victor Vai ao Cinema (Albert Tenório, 11′ – Brasil, 2018)
Sinopse: Ir ao cinema sempre foi uma espécie de ritual que não termina quando a tela escurece e aparecem os créditos finais. As lembranças e experiências vividas em uma sala de cinema podem influenciar uma vida inteira e revelar a importância que tal hábito tem na história das pessoas. Filme de resistência que instiga o reconhecimento da trajetória e personalidade do multiartista Victor Moreira em meio a ocupação do Cine-Olinda.

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Programa Quando a Sala de Projeção Vira Personagem | Parte I

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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