Sinopse: Joe Gardner é um professor de música de ensino fundamental desanimado por não conseguir alcançar seu sonho de tocar no lendário clube de jazz The Blue Note, em Nova York. Quando um acidente o transporta para fora do seu corpo, fazendo com que ele exista em outra realidade na forma de sua alma, ele se vê forçado a embarcar em uma aventura ao lado da alma de uma criança que ainda está aprendendo sobre si, para aprender o que é necessário para retomar sua vida.
Direção: Pete Docter e Mike Jones
Título Original: Soul (2020)
Gênero: Animação | Aventura | Comédia
Duração: 1h 40min
País: EUA
Sobre o que Ainda Há para se Viver ou Aquilo que Perdemos no Caminho
Há alguns anos a poesia do espanhol Antonio Machado figurava por entre assinaturas de e-mail e postagens de Facebook. Não sei precisar se foi um fenômeno pontual de meu círculo de contatos, mas suas frases ecoavam em quase todas plataformas virtuais.
“Caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.”
Pura verdade que “Soul“, mais recente animação da Disney/Pixar que estreou no serviço de streaming Disney+ no dia de Natal, vem esfregar em nossas caras. E, é mais ou menos, esse o verbo mesmo. O ensinamento do desenho bate como um doloroso, mas balsâmico, tapa na cara. Traz à tona algo, em geral, muito simples de se perceber nos dois extremos da vida: a infância e a velhice. O ar batendo no rosto, a descoberta de um novo saber, um som irreproduzível. Aquelas coisas que levamos no nosso HD interno para o outro lado (se ele existir).
Tendo-a como temática (a vida após a morte), o filme chegou fazendo barulho. Joe Gadner, nosso desgostoso pianista de jazz, vem acompanhado pela voz de Jammie Foxx. Frustrado com a carreira – ou pela falta dela – Gadner vê em qualquer esperança de se apresentar em um palco de verdade a possibilidade de sair do que considera um trabalho menor na área: professor de música.
A relação com 22 (Tina Fey, sempre entre a acidez e a graça), faz com que o musicista se desafie e passe a reavaliar alguns desejos e limitações que considerava como certos. Apresentado como um quarentão que ainda vive uma relação de dependência afetiva com a mãe e não sabe muito bem como chegar aos seus objetivos, Joe precisa mesmo de um empurrão.
O convívio com a aprendiz 22 funciona, dessa forma, para os dois. Tal qual em uma boa aula. A parceria Disney/Pixar traz certeiras lições rememoradas para os maiores, como de costume. É fácil se identificar com Gadner: quase todos nós que passamos dos 30 já deixamos de lado algum destino mítico e místico. O cotidiano impõe praticidade ou urgência. Possivelmente, os dois ao mesmo tempo.
O caminhar com os pequenos passos de Antonio Machado fica, assim, cada vez mais distante. Ao olhar o objeto de desejo inalcançável, a tendência é que se foque somente nele ou enfrentemos a dolorosa separação.
E a vida se torna um desafio no qual precisamos ultrapassar cada barreira o mais rápido possível para chegar ao destino, não nos dando conta de que, metaforicamente ou não, o destino é a morte.
“Soul” traz também a figura da desesperança na própria 22 e na aluna prodigiosa de Joe. A vontade de viver é necessária para manutenção da vida e para a capacidade de encantamento. Por mais que as duas coisas não estejam mecanicamente conectadas, emocionalmente, psicologicamente – e, espiritualmente, se vocês quiserem – estão. É somente no deslumbramento pela vida que as duas jovens encontram sentido para a experiência da mesma.
Ainda que nos utilizamos de uma noção mais rígida do que é o viver, sem qualquer tipo de menção à espiritualidade, trata-se de uma experiência. Corpo e mente em conjunto, tratando de aprender a beber um copo d`água, enfrentar temporais, sentir a água gelada batendo no corpo em um dia de calor.
A metáfora da água funciona para a fluidez do aprender, do porvir e da incapacidade de compreensão da vida. Funciona também para um dia desses de calor no Rio de Janeiro. Mesmo pensando que qualquer criança carioca concordaria comigo sobre como seria prazeroso um banho de mangueira com água gelada agora, a Disney/Pixar é mais inteligente e utiliza-se de um expediente que, embora não seja novidade – podemos citar o mais recente “DivertidaMente” (2015) ou o clássico “Pinóquio” (1940), faz com que a desilusão seja personificada pela alma de 22 e, dessa maneira, mais facilmente decodificada pelos espectadores mais jovens.
Aos mais velhos e/ou céticos, sugiro apelar para Freud e encarar a experiência de perda constante como uma patologia. Nesse caso, recomendamos o clássico potente, porém possível de ser lido em apenas um dia: Luto e Melancolia. Ou uma paixão avassaladora. Depois conversamos sobre sentidos e sentimentos.
Veja o Trailer: