24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco | Série 3
O Ser e o Nada
“Abjetas 288“, curta-metragem das realizadoras Júlia Costa e Renata Mourão que abre a última sessão da Mostra Foco na 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, já começa ironicamente como o sistema é disfuncional. Assim como outros filmes selecionados para o festival, um futuro estranho, porém, possível. Em um mundo falido e controlado, poucas são as opções para os que não seguem o padrão.
Estamos diante de uma obra que não busca se explicar muito. Por entre imagens descoloridas ou neons vemos o destino dos “despatriados”.
A truculência também se apresenta na agressividade dos vigias. Assim, os indesejáveis são ignorados, evitados reprimidos.
Parecendo vagar sem rumo, param onde conseguem e continuam a perseguir o impossível. Não há como chegar a um lugar inexistente.
Só resta o caminhar. Mesmo que seja para chegar ao nada.
Aquilo que Não se Pega com as Mãos
A sessão segue com “Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que Não Existe Mais“, dos realizadores Rafael Luan e Mike Dutra. Preso no não tempo de todos os tempos, Breno vê sua vida mudar ao ser sugado para essa realidade na qual todos os tempos vivem em um só. Sem entender do que se trata, é ajudado por pessoas que já habitam esse entrelaçamento temporal.
“Zona de Sacrifício” passa a ser a nomenclatura do lugar. Sem Cronos para devorá-los a vivência parece ser insuportável.
Ainda acreditando ter a capacidade de sair da Zona, passam o não tempo construindo objetos para se distrair e tentando decifrar mensagens que vêm de outros tempos.
Não dá para saber a intenção dos diretores Rafael Luan e também roteirista e Mike Dutra, mas o filme gestado é altamente filosófico tratando de universos paralelos, tempos transversais e a procura pelo significado disso tudo. Se é que há. Viajando pelos tempos, Breno só consegue ter uma certeza: a vida é perigosa. Morto, vivo ou viajante, Breno experimenta o início e o fim da vida.
Mar Sem Sangue
“Novo Mundo” de Natara Ney e Gilvan Barreto possui uma simularidade com o filme anterior que o acompanha nessa sessão. O que seríamos sem o tempo linear? Será que ele serve para pontuar nossas passagens ou para demarcar violências?
Em Novo Mundo a lembrança da escravatura é o eixo principal da narrativa. Mas não é de forma corriqueira ou esperada que nos faz ver. O mar torna-se mãe e morada desses corpos.
Se há chegada ao Novo Mundo ela vem acompanhada de muito sofrimento. E, assim que desembarcam, os novos habitantes não compreendem seus mapas. Descobrindo cada sensação e camadas dessa nova realidade caminham pelos percursos que lhe parecem menos pavorosos.
Fazendo da natureza seu mundo, os corpos caminham sem rumo. Parecem acreditar em um caminho aberto que nunca os é ofertado. Novo Mundo é um filme sensorial que faz da pele e das gotículas de água um lavar de espíritos. Não mais morrer, se possível.
Miseravelmente e mortalmente, as ruínas ainda permanecem. Quanto mais às destruímos, mais estaremos próximos ao mar, não àquele que matou milhares na chegada no século XVI , mas àquele que nos levará de volta à mãe. Yemanjá regerá, como uma rainha.
Sem mais pesadelos para aqueles que sofreram durante séculos. É hora de retomar a embarcação.
Ficha Técnica da Mostra Foco | Série 3
Abjetas 288 (Júlia da Costa e Renata Mourão, 20′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Em futuro distópico, Joana e Valenza fazem uma jornada à deriva por uma cidade nordestina. Através da música eletrônica e trilha ruidosa, as personagens nas andanças pelas ruas, performam o que sentem enquanto vivem nessa sociedade tentando entendê-la. Abjetas 288 trata sobre territorialidades, identidades e meritocracia, tudo com um tom irônico e se utilizando de elementos alegóricos que dialogam com a história popular de Aracaju.
Preces Precipitadas de um Lugar Sagrado que Não Existe Mais (Rafael Luan e Mike Dutra, 23′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Madrugada, voltando para casa depois de uma festa de reggae, Breno vai parar num lugar entre o presente, o passado e o futuro.
Novo Mundo (Natara Ney e Gilvan Barreto, 21′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Um paraíso para os olhos, a frase define o lugar de destino da personagem, A Terra Sem Males. Depois de caminhar por florestas e ruínas, ela percebe que aquele território foi erguido sobre o sangue de muitos povos. Esse conhecimento poderia deixa-la paralisada, criar medo, mas inspiram atos de coragem.
Assista à entrevista com Natara Ney e Gilvan Barreto:
Clique aqui e acesse os filmes da Mostra Tiradentes (até 30.01)
Clique aqui e acesse os textos de nossa cobertura especial
24ª Mostra Tiradentes | Mostra Foco | Série 3