Diário de Sintra

Diário de Sintra Filme Paula Gaitán Crítica

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Sinopse: Em que se diferem o viajante e o exilado? Como pensar a memória criada no exílio? Esses são os eixos pelos quais gira Diário de Sintra. O filme é um relato poético do exílio de Glauber Rocha nesta cidade, em que as fotografias servem de guia mnemônico para a busca de vestígios da passagem do cineasta por Sintra. O filme se constrói na fronteira de uma memória fragmentada, involuntária, inconclusa e precária.
Direção: Paula Gaitán
Título Original: Diário de Sintra (2007)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Brasil

Diário de Sintra Filme Paula Gaitán Crítica

Sob o Mesmo Olhar

Diário de Sintra” de Paula Gaitán reconstitui os passos de Glauber Rocha em seu exílio por terras lusitanas. Reapresentado na Mostra Homenagem da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, estamos diante de mais uma obra dessa artista (transeunte em meio a tantas linguagens dentro das artes) onde há muito de si. Não somente pelo caráter autobiográfico, mas por fazer com que o objeto de seu documentário experimental se adapte à forma que ela entende ser a melhor para contar aquela história.

Há uma constante no retorno a Glauber Rocha enquanto objeto de algumas produções. Ele, inegavelmente fundamental na formação e desenvolvimento da cinematografia crítica do país, segue alinhado com o que há de efervescente na sociedade. Somente no ano passado assistimos no 9º Olhar de Cinema “Antena da Raça” e na Mostra SP “Glauber, Claro“. Os dois documentários partiam de recortes da vida do cineasta para apresentá-lo ou mergulhar um pouco mais a funda nos seus discursos.

Em “Diário de Sintra“, Paula Gaitán faz um caminho parecido – mas deixa Glauber enquanto sombra ou uma ausência que parece ser indiferente para aquela região. Ela, enquanto narradora visual, avisa que estamos indo para um lugar de estranheza e vazio. A leitura da diretora sobre aquela fase da vida do baiano parece consciente de que a busca é, na verdade, um reencontro consigo. Um diário sentimental, em que fotografias de Glauber surgem nas árvores ou atiradas ao chão.

A primeira parte do longa-metragem traz essa ideia de jornada. Como se seguisse os passos do exilado, as viagens de trem quase sempre captam imagens muito próximas às janelas sujas e arranhadas. Chama a atenção a quantidade de vezes em que a lente se opõe ao sol, quase como um enfrentamento. Ao chegar no local do exílio, as imagens ganham nitidez. É aqui que Paula buscará a Sintra de Glauber, que só resiste em sua mente – e em seus arquivos.

Quase como um processo de tentativas de encontrar o melhor caminho para gerar uma narrativa, o filme chega a procurar em um mercado de peixes alguma  pessoa que se lembre do brasileiro. Pensando na montagem de “Diário de Sintra”, há algo que parece nos levar para as profundezas da memória. Os registros em áudio e vídeo do período só surgem quando Gaitán entende necessário. Julga pertinente esgotar as outras possibilidades. Tanto que o diretor aparece rapidamente e apenas nas já citadas fotografias quase até o final do segundo terço do longa-metragem.

Porém, não há história sobre Glauber sem Glauber. Parecendo prever que assistiríamos obras que resgatam discursos e entrevistas do realizador, Paula se antecipa e faz em 2007 uma releitura moderada, segurando o ímpeto de fazer o biografado, mesmo no arquivo, ditar as regras do jogo. Chega a deixar para trás essas releituras e aposta na chegada do inverno para voltar às suas experimentações visuais – para transformar os minutos finais em um sonho, carregado de surrealismo nas montagens do vanguardismo que a moldou enquanto artista.

Não se ancorar na presença de Glauber, valorizar tanto sua ausência quanto sua busca é o grande acerto de “Diário de Sintra”. Isso porque as hipnóticas e contundentes falas do finado realizador muitas das vezes rivalizam com a potência das imagens. E não há Paula Gaitán sem potência.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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