24ª Mostra Tiradentes | Mostra Formação | Série 1

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Curta Pátria Mostra Tiradentes Formação | Série 1
Pátria (Lívia Costa e Sunny Maia, 2020)

Ensinamentos

Abrindo a Mostra Formação da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, “Pátria” foi realizado dentro da Escola Pública de Audiovisual de Vila das Artes, em Fortaleza. Uma prova de que a classe aprendeu não apenas sobre o cinema enquanto possibilidade de discurso – mas também o discurso em si. Usando imagens de arquivo, em uma edição simulando a qualidade de um VHS, o experimentalismo da narrativa vem acompanhado de uma forte carga política.

O deboche com o atual Presidente do Brasil – e o incidente da posse, quando outro animal tentou roubar a cena – é o ponto inicial para que os conceitos de patriotismo e nacionalismo se desenvolva. Contudo, Lívia Costa e Sunny Maia aos poucos vão ampliando seu foco para a relação fálica dessas expressões, dessa brasilidade tacanha e brega que se impõe com forte apoio da classe média branca vez em sempre.

A Constituição de 1967, que endureceu o regime civil-militar que deu um golpe democrático três anos antes, aborda as reponsabilidades do carga que hoje o capitão ocupa. Não um dos cinco capitães que levantaram a taça da Copa do Mundo de futebol para o país (e que provavelmente fariam um governo menos catastrófico que o mito). Aliás, as imagens que, sequencialmente apresentam todas as fotografias de ex-presidentes comprovam que militares, empresários e burocratas se reveza, em regimes e títulos com falso ar de um republicanismo que ouve as massas.

A natureza fálica dessa lógica resta comprovada quando a única mulher que governo o país ali não está. Com o patriarcado e o machismo escancarado no filme, não é exagero imaginar que arranjarão um jeito de tirar o nome dela dos livros de História daqui a algumas décadas. “Pátria” é uma curiosa forma de falar de apagamento mostrando apenas o que há de oficial.

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Curta Caminhos na Noite Douglas Oliveira
Caminhos na Noite (Douglas Oliveira, 2020)

Caminhos da Noite” foi realizada na Universidade Federal de Sergipe. Dirigida por Douglas Oliveira, é uma obra que acompanha dois jovens andando pela noite de Aracaju. A câmera na mão, sem preocupar-se com as trepidações da ânsia de não perder nada, faz a simulação de realidade bem eficiente. Por vezes, nos parece que a linguagem do videogame em primeira pessoa é uma influência, aliada a clássicas narrativas que tenta desnudar a realidade do jovem a partir da observação.

Com isso, questões como a ausência de perspectiva e a sensação de ser o estudo formal inútil ao verem o anúncio sobre o Enem perpassam o curta-metragem. Todavia, Douglas insere provocações aos seus personagens, como uma performance de dança contemporânea que acontece no meio de uma das esquinas que eles passam. Por sinal, isso nos remete ao próprio entendimento sobre o que é arte e o que é cultura, uma missão por vezes difícil de levar àqueles que vivem a realidade em núcleos conservadores da sociedade.

Isso dá uma sensação de que os protagonistas de “Caminhos da Noite” parecem estar, sem saber, em uma criação artística, como dois Trumans que desistem de compreender a integralidade das representações. Por outro lado, a realidade de um jovem negro periférico também é assunto, quando a PM, claro, vem dar um esculacho nos adolescentes. O cineasta reserva para os minutos finais a provocação de que a cidade é um organismo partido a partir de uma imagem. Monta de forma a, estranhamento, nos depararmos com a orla da cidade, com suas ruas limpas e iluminadas para turistas e burgueses locais.

Corta para as mesmas esquinas que passamos todo o tempo. É quase como se “Depois de Horas” (1985) não fosse uma aventura cheia de surpresas de Scorsese – e sim um grande flerte com a realidade. Entre SoHo e a periferia de Aracaju há uma distância que o milionário norte-americano e os jovens graduandos de Sergipe não enxergam mais.

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Curta O Filho do Homem Fillipe Rodrigues
O Filho do Homem (Fillipe Rodrigues, 2020)

“O Filho do Homem” chegou a nós em uma época onde achávamos que os limites humanos (como fome e sono) nos permitira assistir a todos os filmes de todos os festivais online de 2020. Dentro do 15º Festival Taguatinga de Cinema, o curta-metragem de Fillipe Rodrigues fez parte da Seleção Popular, que reunia quase 500 produções de todos os Estados brasileiros. Deixamos aqui o link de acesso ao texto sobre os filmes da Região Norte, onde desenvolvemos a forma como o ator Leoci Medeiros nos deixa perdidos em sentimentos.

Ele retorna na Mostra Formação com seu filme, que foi trabalho de conclusão de sua graduação em Cinema pela Universidade Federal do Pará. É a produção mais experimental, em que é possível identificar uma pluralidade de exercícios do realizador. Toda essa destreza se consolida em uma narrativa bem pontuada, em várias oposições se revelam. De idade e de forma de vida. O fogo enquanto elemento que nos dá visão, que nos aquece e que nos mata.

Naquela ocasião em Taguatinga falamos do alívio da morte, do longo processo de velar um corpo. Parece tão distante imaginar que se passaram seis meses de um período em que a banalização da morte, em que a impossibilidade de nos despedirmos dignamente dos nossos, não foram o suficiente para gerar a empatia que ajudasse no combate à pandemia pela qual passamos. Se “O Filho do Homem” parecia insólito na primeira experiência, agora ele parece fragmentos do impossível.

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Curta Ela Viu Aranhas Larissa Muniz Mostra Formação | Série 1
Ela Viu Aranhas (Larissa Muniz, 2020)

Encerramos a primeira sessão da Mostra Formação com “Ela Viu Aranhas“, uma composição coletiva de coletivos. Larissa Muniz dirige, em parceria no roteiro com o Fancheléticas (que já passou aqui na cobertura dessa Mostra Tiradentes com o obra “Sapatão: Uma Racha/Dura no Sistema”, em texto de Roberta Mathias sobre a Mostra Foco Minas), além de Plataforma Doras, Teatro entre Elas, Cia Espaço Preto, Coletiva Manas, Cio da Terra e Aisha Brunno.

O filme é um mosaico de questões e atravessamentos envolvendo as diversas formas de expressão do feminino enquanto gênero. Esses recortes são introduzidos em uma interessante cena em que uma mulher, deitada na cama, assiste a uma experimentação de fragmentos de filmes clássicos sobrepostos. Essa é apenas a primeira das várias formas pelas quais Larissa criará seus diálogos. O processo de fazer arte enquanto busca por autoconhecimento e as criações artísticas que se sobrepõem traz um bom dinamismo à obra. Tanto que, apesar de longa para os padrões do formato (quase trinta minutos), a sensação de vários filmes dentro de um é constante.

Com isso, a multi cooperação é a marca de “Ela Viu Aranhas”. Não há limites para as abordagens, que vão da auto afirmação sobre o corpo ao conflito geracional. Todavia, o curta-metragem ainda toca em uma questão que merece ser um pouco mais trabalhada nesse audiovisual que busca os atravessamentos. A xenofobia, com a forte marca da reprodução de estereótipos em vários idiomas é apenas mais um elemento dessa grande comunidade que precisa tecer cada vez mais.


Ficha Técnica Mostra Formação | Série 1

Pátria (Lívia Costa e Sunny Maia, 8′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Em uma fita VHS são narrados pensamentos sobre Pátria, nacionalismo e poder.
Caminhos na Noite (Douglas Oliveira, 19′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Arthur e Davi são dois jovens que perdem o ultimo ônibus da noite e precisam encarar o que a madrugada os reserva em meio a acontecimentos inesperados.
O Filho do Homem (Fillipe Rodrigues, 10′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Um homem e um velho vivem juntos em uma antiga casa. Ambos são partes opostas que se sucedem enquanto o fogo renova continuamente a natureza.
Ela Viu Aranhas (Larissa Muniz, 27′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Quatro jovens mulheres vagam por um pequeno apartamento. Elas se olham.

Clique aqui e acesse os filmes da Mostra Tiradentes (até 30.01)

Clique aqui e acesse os textos de nossa cobertura especial

 

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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