24ª Mostra Tiradentes | Mostra Praça | Série 3

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Curta 5 Fitas Heraldo de Deus e Vilma Martins Praça | Série 3
5 Fitas (Heraldo de Deus e Vilma Martins, 2020)

Sem Perder a Ternura

A Mostra Praça da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes encerra com mais quatro produções – duas que assistimos pela primeira vez e outras duas velhas conhecidas de 2020. A série 3 tem uma curiosa linha que vai da ficção à animação quase experimental, passando pelo documentário – porém, em uma lógica que migra quase que da inocência pura ao alto teor crítico – uma interessante programação que trata de manifestações culturais populares, principalmente com a música como elo, com um tom lúdico acima do padrão visto ultimamente.

5 Fitas“, dirigido por Heraldo de Deus e Vilma Martins, começa com a família dos dois protagonistas, os meninos Pedro e Gabriel, assistindo ao clássico BaVi. No coração de Salvador, o curta-metragem é uma bonita narrativa de duas crianças que, para fugir da lavagem da escadaria do Senhor do Bonfim, acabam participando de uma aventura cheia de aprendizado.

Além de falar da ausência da figura paterna, já informada na própria sinopse, o filme resgata o sonho do futebol como possibilidade de ascensão social. Todavia, os cineastas transformam a segunda metade da obra em um registro mais próximo do didático (veja, não há crítica a essa opção). Uma maneira de apresentar parte das tradições locais pelo olhar daquelas crianças, que aprendem sobre as origens da festa e o sincretismo religioso, enquanto a vida ainda pode ser, pelo menos um pouco, uma grande brincadeira.

Curta Rádio Capital Alvorada Rafael Stadniki Praça | Série 3
Rádio Capital Alvorada (Rafael Stadniki, 2020)

Já “Rádio Capital Alvorada” toca fundo naqueles que amam essa forma de comunicação. Substituído de certa forma pelo podcast como companheiro dos ouvidos, o curta-metragem de Rafael Stadniki parte de uma história verdadeira para fazer os espectadores projetarem uma situação que muitos passaram: o fim de sua estação preferida sem que isso fosse avisado.

Os fins repentinos foram aumentando conforme a crise no setor. Aliás, nos setores, já que mercado fonográfico, jornalismo e o próprio negócio que fluía pelas ondas AM e FM estão em declínio há algum tempo. O cineasta, então, faz uma reconstituição de um fim – dá uma oportunidade de participarmos de intruso daquele momento. Os ouvintes-personagens, tal qual um bom filme de suspense, não têm ciência do que os espera. Rafael encena o documental, mas não se limita ao destino da rádio, incluindo no seu mosaico outras histórias curiosas.

Com isso, ficamos sabendo de programas como o maravilhoso Cochilo Musical (que se assume enquanto objetivo) e o fato de que o dono da rádio, também radialista, teve seus programas reprisados até o final – mesmo após anos de seu falecimento. Apesar de soar quase folclórico, não deixa de ser reflexos da crise mencionada. A narrativa tradicional se vale para entregar um filme muito envolvente, com toques de tramas do cotidiano.

Curta Noite de Seresta Sávio Fernandes e Muniz Filho
Noite de Seresta (Sávio Fernandes e Muniz Filho, 2020)

Seguindo na programação, o encontro, pela terceira vez, com Kátia Blander. Em “Noite de Seresta” os cineastas Sávio Fernandes e Muniz Filho também tecem uma trama do cotidiano, mas sob o olhar de uma personagem. Se assumindo enquanto documentário, com quebras narrativas performáticas, conta a história de uma mulher que encontra na música uma mistura de ajuda, sentido e objetivo para sua vida.

Assistimos pela primeira vez ao filme em setembro de 2020, no 9º Olhar de Cinema, em estreia mundial. Momento em que gravamos uma entrevista com os dois diretores e a biografada, que muito nos honrou (leia aqui o texto original de Roberta Mathias). Depois, em dezembro do mesmo ano, eles participaram da mostra regional do 30º Cine Ceará (leia aqui nossa revisitação). Aqui há um importante registro da potência do cinema do Estado, que tem em Sávio e Muniz mais dois representantes de um processo coletivo de construção das obras.

Não apenas a direção em dupla, mas as experiências anteriores deles contaram para a formatação do documentário fugisse do óbvio – não se tornasse um festejo gratuito embalado em música ou um drama sobre o que há por trás de Katia Blander enquanto diva. Essa forma coletiva de pensar apara arestas, leva filmes como “Noite de Seresta” a caminhos que faz com que o Ceará, com toda a sua pluralidade de vozes, entregue um audiovisual de grande qualidade nos últimos anos. Como disse Pedro Diógenes, diretor de “Pajeú” (2020), em sua entrevista para a Apostila de Cinema: “vive um momento mágico“.

Curta Magnética Marco Arruda
Magnética (Marco Arruda, 2020)

Encerrando a Mostra Praça, outra produção que sai do recorte regional do Festival de Gramado e chega à Tiradentes (assim como “Construção”, de Leonardo da Rosa). Se até aqui essas relações humanas e fluxos culturais da sociedade foram tratados nos curtas-metragens anteriores, a animação “Magnética“, do cineasta Marco Arruda, é uma explosão de referências e símbolos, quase como se liquidificasse todas as representações que os filmes da programação da Praça se detém isoladamente.

A música também age como fio condutor, mas é nesse conflito do clássico com o moderno, do tradicional com o tecnológico, que tanto a experiência original quanto a revisitação nos desperta (e deixamos aqui o texto publicado em setembro de 2020, na cobertura do festival gaúcho).

Porém, fica a sensação de que há uma tentativa final de interação entre supostos dissidentes, entre polos que precisam convergir em uma sociedade maltratada por conflitos pautados por extremistas. Quase como uma versão lisérgica do documentário histórico “José Aparecido de Oliveira – O Maior Mineiro do Mundo” (2019), esperamos que a obra seja uma homenagem ao porvir: um tempo em que a gente atinja lugares-comuns como aquela noite em “Magnética” para que possamos, respeitosamente, avançar em demandas que farão bem à coletividade.


Ficha Técnica Mostra Praça | Série 3

5 Fitas (Heraldo de Deus e Vilma Martins, 15′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Em Salvador (Brasil), todo ano acontece a grande e tradicional festa para Senhor do Bonfim, onde fiéis, turistas e foliões, peregrinam até a famosa igreja para amarrar fitas e fazer pedidos. Dois irmãos, Pedro e Gabriel, ouvem desde de cedo as histórias e rezas de sua avó ao Senhor do Bonfim e decidem fugir no dia da lavagem, se aventurar entre a multidão, para tentar pedir por uma bola de futebol, já que cresceram sem uma figura paterna. Lá confrontam as narrativas de sua avó, com a lavagem atual, trazendo questões sobre religiosidade, sincretismo, manifestação popular, e importância da família.
Rádio Capital Alvorada (Rafael Stadniki, 20′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Por décadas, Brasília foi palco de uma emblemática rádio que transmitia apenas músicas orquestradas na programação. Em seu último dia de funcionamento, os poucos mas cativos ouvintes não sabem que ela está acabando. Inspirado nos relatos das pessoas que gostariam de ter vivenciado aqueles acontecimento mas não conseguiram.
Noite de Seresta (Sávio Fernandes e Muniz Filho, 19′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Hoje é sexta-feira, final de semana vou sair para cantar.
Magnética (Marco Arruda, 16′ – Brasil, 2020)
Sinopse: Em uma cidade habitada por seres desenhados, um jovem indígena testemunha uma aparição holográfica. É a chegada de uma entidade de materialidade desconhecida. Com uma presença misteriosa e alegorias exóticas, ela passa a encantar os moradores, despertando os seus sentidos mais insanos.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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