Nomadland

Nomadland Filme Crítica Poster

“Nomadland”, grande vencedor do Oscar 2021, chegou ao Telecine. Lembre nossa crítica.

Sinopse: Após o colapso econômico de uma cidade na zona rural de Nevada, nos Estados Unidos, Fern, uma mulher de 60 anos, entra em sua van e parte para a estrada, vivendo uma vida fora da sociedade convencional como uma nômade moderna.
Direção: Chloé Zhao
Título Original: Nomadland (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 47min
País: EUA | Alemanha

Nomadland Filme Crítica Imagem

A Fria Incerteza

Nomadland” despontou há algumas semanas como grande postulante à principal categoria do Oscar – o que nem sempre é bom sinal, já que muitas vezes isso facilita a campanha de outra produção que se venderá como oposição ao concorrente (vide a força na reta final de “Parasita” junto a “1917” ano passado). Dessa vez o longa-metragem dirigido por Chloé Zhao (diretora de “Os Eternos”, uma das futuras estreias da Marvel) chega ao circuito com o Leão de Ouro do Festival de Veneza na conta e a figura da atriz Frances McDormand como destaque. De pano de fundo, importantes questões envolvendo os Estados Unidos, em crise enquanto nação – mesmo que a Era Trump tenha arrefecido a quebradeira da economia (a despeito do estrago em quase todas as outras áreas).

Baseado no livro de Jessica Bruder, voltamos um pouco no tempo – mais precisamente para 2011. Após o fechamento de uma fábrica no Estado de Nevada, onde boa parte da cidade sobrevivia tendo essa indústria como grande satélite, Fern decide não se estabelecer em lugar algum. Assim como alguns milhares de cidadãos de seu país, ela morará definitivamente em um trailer, possibilitando assim uma adequação à sazonalidade das ofertas de trabalho. Um movimento que começa na crise imobiliária do final da década de 2000, quando começaram a surgir notícias de pessoas que, sem ter condições de manter um imóvel (ou pagar as incontáveis hipotecas), passam a dormir dentro de seus carros.

O que alguns produtores de conteúdo brasileiros, os famosos youtubers, glamourizam em seus vídeos em troca de likes, é um estilo de vida que comprova a falência da sociedade meritocrática e individualista norte-americana. A narrativa é bem direta ao trazer questões periféricas importantes. O desamparo de quem perde o emprego nos Estados Unidos é ainda maior do que no Brasil, apesar do processo em curso de destruição de garantias legais para os trabalhadores. Não bastasse a ausência de serviços básicos de saúde, o seguro de um funcionário – demitido após anos em uma empresa – mal o sustenta por um mês.

Zhao transporta toda a melancolia de uma protagonista que não enxerga futuro quando olha para frente de forma exemplar em “Nomadland“. Uma leitura crítica dos cinemas do chamado Primeiro Mundo que encontra guarida em boas produções desde a vitória de “Eu, Daniel Blake” (2016) no Festival de Cannes – por sinal, quando da publicação dessa crítica, o imperdível filme de Ken Loach está disponível na plataforma Netflix. Paletas frias contrastando com a beleza estonteante da paisagem do deserto chamam a atenção e dão a potência para o longa-metragem se tornar grande. O espectador se sente um pouco anestesiado, deslumbrado e desalentado – ou seja, compartilha das sensações que McDormand tão bem imputa à sua personagem.

Ao se juntar a um grupo de nômades modernos, em seus motorhomes, Fern não deixa de cair na gostosa contradição dos descrentes: entendendo não ser mais possível uma vida estável em sociedade, ela se associa com outras pessoas que pensam igual. Ou seja, a solidão absoluta é um caminho difícil de ser seguido. A câmera de Zhao não se assume documental a todo instante, apesar dos momentos mais inspirados da obra usarem esse artifício. Consequência de um trabalho de imersão de um elenco todo composto de nômades, à exceção de Frances e David Strathairn. A atriz, por sinal, conviveu por quatro meses com aquele grupo.

Há certo exagero em uma ferramenta narrativa que surge três vezes, com a trilha de Ludovico Einaudi ganhando força em caminhadas contemplativas da protagonista. Na primeira vez que aparece essa proposta o resultado é arrebatador, comovente, mesmo significando uma pausa no andamento da trama. Nas outras já não nos surpreende tanto. O primeiro terço de “Nomadland” é mais envolvente, sustenta uma apreensão do espectador. O sonho americano se desfazendo na frente de Fern não é aceito logo de cara por ela. Sua busca por soluções a leva ao fordismo moderno, qual seja, a linha de empacotamento da Amazon e dali para outras interações que ampliar a sensação de que não há perspectiva razoável de um futuro melhor.

Aos poucos ela vai sendo tomada por uma melancolia que nos carrega junto – e acaba tornando quase todas as manifestações que se seguem repetições da ideia inaugural. O filme reforça a todo instante o beco sem saída que o individualismo, a sanha empresarial e a despreocupação do Estado levou a América. Tanto que, quando uma amiga da personagem entende que até a luta contra a morte é uma batalha particular naquele país, um momento grave surge quase que de forma acessória na narrativa.

Ao focar e reiterar a carcaça dura de Fern, “Nomadland” é de uma frieza atroz. Flerta mais com as narrativas de fora da indústria do que a média de obras que costumamos assistir no período das premiações. Ignora redenções e acaba provocando pouco. Talvez seu grande feito seja chutar para longe a ideia romântica de que permanecer mergulhado em um desalento que nunca estanca seria prova de força do indivíduo. Pelo contrário, o que leva a tal situação somente expõe a fraqueza da sociedade.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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