Time

Time Crítica Documentário Amazon Indicado ao Oscar Pôster

Sinopse: Nesta íntima e épica história de amor filmada através de duas décadas, a indomável matriarca Fox Rich batalha para criar seus seis filhos e manter junta a família, à medida que ela luta pela liberação do marido da Penitenciária Estadual de Louisiana, conhecida como Angola.
Direção: Garret Bradley
Título Original: Time (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 21min
País: EUA

Time Crítica Documentário Amazon Indicado ao Oscar Imagem

Inconformidade como Ponto de Partida

Disponível na Amazon Prime Video, o indicado ao Oscar 2021 de melhor documentário “Time” usa o elemento da temporalidade como grande diferencial em sua narrativa. A diretora Garret Bradley (que se tornou a primeira afro-americana a vencer o troféu de direção no Festival de Sundance), ao lado do montador Gabriel Rhodes nos instigam a refletir sobre a política de encarceramento em massa da população negra, um mal que atinge tanto os Estados Unidos quanto o Brasil. Faz  isso reunindo um conjunto de imagens que se confundem no espaço-tempo, pautados apenas pelas carcaça mais dura e as rugas de Fox Rich e pelo crescimento, tanto físico quanto ideológico, de seus filhos.

O longa-metragem conta a história dessa mulher, que viu seu marido Rob ser condenado na década de 1990 a sessenta anos de prisão por um assalto à mão armada. A Penitenciária Estadual de Louisiana é conhecida como Angola não à toa, sabemos que racismo estrutural age forte e se reflete em sistemas como o carcerário. Não apenas na ponta que os julga, mas também na legislação, que originalmente concede peso a certas condutas, com o claro objetivo de manter a parcela oprimida da sociedade mais tempo encarcerada. A luta pela revisão de pena liderada por uma mãe de seis crianças não é novidade – e talvez sua abordagem linear não teria o mesmo peso.

Contudo, “Time” acaba se mostrando um filme que entrega muitas pontas, todas em temas relevantes e complexos, mas não atinge o cerne de qualquer questão. Para os familiarizados com os temas, há um sentimento de resgate de vários debates que, apesar de interligados, precisam ser aprofundados. A edição, ao construir essa narrativa em redemoinho, ajuda nessa percepção. Assim, a Fox amadurecida, que se coloca como líder de uma comunidade, ciente de uma era de produção de conteúdo, divide tempo de tela com a jovem em desespero, grávida de gêmeos, esmagada por um sistema que a obriga a desistir.

Esse é o grande mote do documentário: a não desistência daquela família. Grande parte da política de encarceramento usa a tática covarde de negar tantos recursos quanto foram possíveis. O objetivo é, também, econômico, já que se defender contra o Estado tem um custo financeiro – e que muitos não conseguem pagar depois de um tempo. Só que a força daquela mulher supera essa luta em específico. Seus filhos aparecem nos primeiros minutos como aquilo que lhe dá sentido para seguir em frente. Mais adiante, eles serão parceiros de luta por justiça ao lado dela.

Sobre o festejado uso das imagens de arquivo em contraposição com captações mais recentes, não parece surtir o efeito ansiado. Há até certa incoerência na maneira como as reconstituições de espaços se dão, de forma estilizada com drones e câmeras potentes (como a Sony FS7), enquanto o senso de urgência das filmagens domésticas nos dizem muito mais. Uma produção voltada para o mercado de streaming que deseja aparar arestas onde elas não existem, ao contrário da proposta de Davy Rothbart, que mergulha na realidade pelo olhar de uma família em “17 Quadras” (2020), outro potente documentário do ano passado, que passou pelo Brasil na programação da 44ª Mostra SP.

Pensando no prêmio da Academia, leva a uma categoria importante uma voz fundamental como a de Fox Rich. Assim como “St. Louis Superman” (2019), no ano passado, tratou da trajetória do político Bruce Franks Jr., também de certa forma um pouco confusa. Ao mesmo tempo em que funciona como abordagem inicial, nos deixa carente de mais informações. A mãe de Fox, por exemplo, surge enquanto personagem fundamental da narrativa de “Time”, seu choque geracional com os netos diz muito sobre as articulações do movimento negro norte-americano. Ao mesmo tempo em que ela demonstra ser prioridade enxergar um futuro estável para sua família (e como estável entende-se, por vezes, manter-se vivo), os filhos de Rob querem muito mais do que isso – mesmo que a suposta estabilidade se torne ainda mais difícil.

Dentre as questões, a força comunitária da religião hegemônica daquele território também está presente. Como já foi dito, tudo se põe enquanto elemento complementar, quando na verdade são desdobramentos do próprio fato. Alguns depoimentos, por conta disso, parecem mais soltos do que de costume. As falas, de fato, incisivas, acontecem quando Fox discursa para mais pessoas. Por não trazer de forma aguda sua premissa, acabamos perdendo mais tempo refletindo sob os aspectos formais de “Time” – e falta espaço para trazer debates como o abolicionismo penal, por exemplo. Já a simbologia de lideranças negras em vários aspectos da sociedade também se mostra um acessório, a partir da gravação do potente discurso de Mary J. Blidge no histórico Grammy de 2007, quando ela foi oito vezes indicadas e ganhou três troféus.

Isso não desabona dois grandes momentos expostos na linguagem do filme. O primeiro é entender as escolhas daquelas pessoas em relação ao momento em que ligaram a câmera, exercício bem parecido com o filme de Rothbart. A segunda – e talvez seja onde a potência do longa-metragem resta mitigada – são as escolhas da montagem, que tenta abarcar todos os aspectos fundamentais que o material bruto havia trazido. Parte da resistência e da não desistência daquela mulher se forjou nas vezes em que a sensação de impotência pela ausência de mudanças lhe tomava conta. Ter tudo isso em imagens é enriquecedor, mas não poderíamos deixar de refletir sobre como ela chega enquanto produto final.

Em certo momento, o filho de Fox diz que “na nossa sociedade, imagem é tudo“. Ele o faz para contrapor a demonstração de força na figura da mãe, enquanto o que aquela família sente por dentro é muita mágoa. “Time“, então, é uma maneira de encontrar uma narrativa para as imagens que sua protagonista nos forneceu. Porém, ao achar que elas precisavam de complementos, acabou fazendo de suas cenas um índice. Por mais que nele esteja uma das listas mais urgentes dos debates que a sociedade precisa ter.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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