Alma de Cowboy

Alma de Cowboy Crítica Filme Netflix Pôster

Leia a crítica de “Alma de Cowboy”, uma das estreias da semana na Netflix.

Sinopse: Em “Alma de Cowboy”, ao passar o verão com seu pai distante, um problemático adolescente se vê dividido entre uma vida de crimes e a vibrante subcultura dos cowboys urbanos da Filadélfia.
Direção: Ricky Staub
Título Original: Concrete Cowboy (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 51min
País: EUA | Reino Unido

Alma de Cowboy Crítica Filme Netflix Imagem

Questão de Identidade

Alma de Cowboy” chegou à Netflix apostando na figura popular de Idris Elba em uma releitura das origens do povo norte-americano. Uma obra que não confia em sua própria força metafórica, trocando uma narrativa pouco envolvente por poucas cenas, estas sim, bem construídas de debates sobre a figura do vaqueiro na América. Usando como base o livro do autor de young adult Gregory Neri, poderia ser uma porta de entrada para conhecermos a resistência real de uma sociedade que tenta manter cultura em meio a todo o apagamento promovido pelo desenvolvimento dos grandes centros. Porém, não se articula para unir suas propostas de confrontar valores tradicionais e problemas modernos.

O filme conta a história de Cole (Caleb McLaughlin), um adolescente que – contra a sua vontade – vai passar uma temporada na casa do pai, Harp (Elba) na Filadélfia. Ali ele terá contato com uma comunidade que tenta preservar a cultura dos tempos das diligências, dando um toque de faroeste moderno a uma metrópole. Porém, desde logo somos confrontados com essa falta de identidade de uma produção que usa a relação com um cavalo (construção de história que repete premissas antigas) para ficar no meio do caminho entre a reprodução e a atualização. Apesar de fugir do referencial, terreno comum a produtos atuais, não se encontra criativamente em nenhum momento.

Assim que o jovem chega na região onde o pai mora, ele fica sabendo que Harp está em seu estábulo. O adolescente não acredita que, em plena cidade grande, terá que conviver com uma realidade que soa distante – e deslocada. Cole tem dificuldades em desenvolver vínculos com o progenitor desde o início, ficando sempre com a sensação de que não é bem-vindo, um incômodo aparente. Sendo assim, ele se vê convocado a ir para as ruas, onde o novo amigo, Smush (Jharrel Jerome), o levará para a realidade, nas palavras da sinopse, da “vida de crimes”. Ou seja, a partir dali ele se envolverá com a comunidade a qual se vê inserido.

Quando apontamos a falta de identidade de “Alma de Cowboy“, isso se reflete quando, assim como as percepções do protagonista, também ficamos com a impressão de que estamos entre dois territórios distintos. O diretor Ricky Staub, em sua estreia em longa-metragem, encontra dificuldades em vincular essas representações. Quando o faz, se utiliza do diálogo direto, com os personagens reunidos quase como se lecionassem ao espectador os objetivos desta releitura das bases fundantes da América. Quando não estamos dentro dessas duas ou três sequências que aproximam as tramas, assistimos a um drama familiar atravessado por uma história de descoberta. Na primeira, o cavalo, na segunda, os carros. Por sinal, se ancora de tal forma nesses momentos que são os mesmo que compõem o bonito trailer do filme.

É possível que parte do público se conecte com o ritual de amadurecimento de Cole. O encontro dos dois “mundos” – que nem ele e nem nós conseguimos relacionar – acontece quando, em volta de uma fogueira, o elenco revisita a história da população negra que chega aos Estados Unidos escravizada e tem, assim como no Brasil, suas manifestações culturais apagadas ou usurpadas pelos brancos colonizadores. Porém, o incômodo se justifica porque soa extremamente didático, quase como se toda a simbologia montada por Staub desde a chegada de Cole à Filadélfia não fosse o suficiente. O cineasta não aposta alto, demonstra que vê fragilidades em seu filme – não induz uma interpretação, impõe ao público para não correr riscos. Por mais que valha o registro de que a cena passa importantes mensagens e seja o momento em que o elenco consiga entregar um trabalho razoável.

Depois deste ponto, o longa-metragem estabelece uma forma de relacionar as tramas de forma mais uníssona, mas é tarde demais. Esta é mais uma produção estrelada por Idris Elba que foge do convencional e não surte o efeito esperado. Mesmo sem apelar para o exagero estilizante, nos conecta pouco por deixar todas as suas abordagens marinando. Tanto ele quanto McLaughlin defendem bem seus personagens e a base da narrativa do garoto – apesar de ser a mais formulaica possível – ainda é o que há de melhor. Seu questionamento ao pai sobre o carinho e a atenção dispensada é bem parecido com uma das melhores cenas de “M-8: Quando a Morte Socorre a Vida” (2019), que também chegou ao catálogo da Netflix nas últimas semanas. O filme de Jefferson De, por sinal, é uma atualização de gênero cinematográfico e de representação bem mais eficiente, porque encontra um desenvolvimento enquanto história – o grande empecilho para “Alma de Cowboy” engrenar.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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