A Árvore da Vida

A Árvore da Vida 2011 Terrence Malick Filme Crítica Pôster

Sinopse: “A Árvore da Vida” é uma fabulosa viagem pela história da vida e seus mistérios, que culmina na busca pelo amor altruísta e o perdão. Com foco na relação entre pai e filho de uma família comum, expande a ótica desta relação ao longo dos séculos, desde o Big Bang até o fim dos tempos.
Direção: Terrence Malick
Título Original: The Tree of Life (2011)
Gênero: Drama | Fantasia
Duração: 2h 19min
País: EUA

A Árvore da Vida 2011 Terrence Malick Filme Crítica Imagem

Deus, Pátria e Família

Quando pensamos na Apostila de Cinema em revisitar vencedores de grandes festivais e prêmios ao longo das décadas, a primeira parada seria no ano de 2011. Bater os olhos em “A Árvore da Vida” (disponível tanto no Telecine Play quanto no Amazon Prime Video) foi como um convite a uma revisitação. Dez anos depois de receber a Palma de Ouro do Festival de Cannes, a obra de Terrence Malick se vincula a um tipo de cinema que se desdobrou a partir de olhares como o dele – e que atingiu uma popularidade incomum nos últimos anos. Todavia, há um sentimento dúbio em relação às obras recentes do cineasta. O primeiro, que se estabelece como relação pessoal do espectador, vem a partir da projeção de experiências. Uma arte que o cineasta domina, usando as referências certas quando necessária. O segundo, mais polêmico e não necessariamente correto, é a de que costumamos valorizar certas representações baseadas em suas origens, esquecendo de outras, menos celebradas por não ter um grande nome por trás.

Neste segundo aspecto, “A Árvore da Vida” é um marco. Talvez seja mais interessante ser pernicioso de início, para espalhar amor mais adiante. Só que há algo no longa-metragem que nos exige a reflexão sobre a maneira como realizadores como Malick tomam de assalto espaços vistos como especiais dentro da indústria e do circuito de festivais, sem que haja um encantamento proporcional aos seus títulos. Devemos concordar que ele soube bem inventar uma persona por trás de suas criações. Após se destacar em duas produções na década de 1970, Terrence permaneceu vinte anos sumido. Reaparece em 1998 com “Além da Linha Vermelha“, em uma coincidência que fez com que parte dos merecidos holofotes sobre seu retorno fossem divididos com “O Resgate do Soldado Ryan” (1998), outro bom filme de guerra que Steven Spielberg lançou no mesmo ano.

Menos de uma década depois, com “Novo Mundo” (2005) reimagina a história de Pocahontas e também é bem recebido, permitindo que ganhasse vida o projeto mais ousada até então. Ele repete aqui os dogmas criados ao lado do diretor de fotografia Emmanuel Lubezki. Com Brad Pitt, Sean Penn e Jessica Chastain no elenco, Malick consegue colocar em uma caixa de seu cinema imune a rótulos algo que vai de “2001: Uma Odisseia no Espaço” (1968) a “Boyhood: Da Infância à Juventude” (2014). Aliás, o medo da menção a Stanley Kubrick soar heresia se dissipou quando os créditos revelam o trabalho de efeitos visuais de Douglas Trumbull, o mesmo da ficção mencionada, que saiu da aposentadoria, onde estava desde “Blade Runner: O Caçador de Andróides” (1982).

Não é o único elemento que nos remonta à filmografia de Kubrick. Algumas sequências ganham o tom épico a partir do uso de enquadramentos panorâmicos, aliados a uma trilha sonora de música clássica – jogando fora boa parte do trabalho do grande Alexander Desplat, creditado mas pouco utilizado. Mas, não se trata apenas emulações. Com sua steadycam e uso de filtros que simulam gravações caseiras, Malick usa como premissa o acompanhamento de uma família norte-americana no Texas de meados dos anos 1950. O casal O’Brien (Pitt e Chastain) seguirão a trajetória harmônica e esperada de ter filhos e plantar árvores, mas um acontecimento trágico reverbera no futuro de uma das crianças, Jack – no “futuro” vivida por Penn. O cineasta confirmou que as iniciais JO fazem referência a história bíblica de Jó, que prefere amaldiçoar a si mesmo do que a Deus quando perde sua riqueza. Há um forte tom autobiográfico, já que Malick teve um irmão que se suicidou com 19 anos e outro que faleceu com sessenta em um acidente de carro, vinculando diretamente à perda que se transforma em um fato gerador de uma das linhas narrativas da trama.

O grande ponto de ruptura entre leituras de filmes como a “A Árvore da Vida” está nessa forma que parece sempre querer gerar uma perspectiva filosófica sobre qualquer elemento de sua construção. Não apenas na estética, mas na colocação do trio de protagonistas enquanto narradores e também nas escolhas das palavras. Quase sempre manifestações sobre o amor, aprofundando elementos do cotidiano em montagem paralela com grandes acontecimentos do planeta, do Big Bang a algum dos eventos de extinção dos dinossauros como o Episódio Pluvial Carniano. Cria relação como se todas as existências possíveis formassem um sistema de dependência. Se estende de forma a emocionar ou cansar. Da mesma maneira que depende do receptor dessas mensagens, não deixa de ser uma forma de realizar que existe para além de Malick (ou Aronofsky, Shyamalan, Nolan – cada um no seu quadrado e em menor e maior grau).

Essa ideia de que só é possível atingir esse resultado na mãe de cineastas dotados de um talento besta ou bestial acaba valorizando de forma excessiva certos espaços. Revistar Cannes de 2011 sem mencionar isto seria não tocar em um dos princípios de quem defende o Cinema para além dessas representações. Por sinal, a seleção daquele ano trouxe uma tendência desse existencialismo poético, para além do gênero-base do filme. Terrence concorreu com “Drive” de Nicolas Winding Refn e “Melancolia“, de Lars von Trier, por exemplo. Gostamos deste modus operandi? Sim, claro – mas parece que por outras bandas há adoração demais. Soa mais equilibrada e dosada a forma como outros participantes, como “A Pele que Habito” de Pedro Almodóvar e “Precisamos Falar Sobre o Kevin” de Lynne Ramsay metaforizam essas relações humanas.

A Árvore da Vida 2011 Terrence Malick Filme Crítica Imagem

A este cinema estilizado, “A Árvore da Vida” traz o pilar Deus, pátria e família. A aceitação do luto e o consolo a partir do poder do Criador de dar e tirar de todos nós se reflete em uma base que dialoga forte com o documental. Já a América, a que está por trás do foco naqueles rostos em constante crise através dos tempos, é vendida como una, do subúrbio dos Anos Dourados no Texas de 1956 ao centro urbano, corporativo de arquitetura pragmática dos tempos atuais. Um encontro de tempos que tende a fazer um caminho de perda de inocência. O Big Bang surge enquanto evento quase como a libertação de uma culpa cristã que atravessa toda a narrativa. Da estrutura celular e do ecossistema marinho aos primeiros passos de Jack, Malick quer nos fazer contemplar as primeiras infâncias do mundo e de um indivíduo. Por mais que a dualidade (e a coexistência) de fé e ciência se pautem, os O’Brien enquanto pais parecem sempre se erguer como figuras a serem admiradas, reiterando a ideia de que há características e comportamentos que precisam se materializar para suprir as expectativas da sociedade.

Na segunda metade, o longa-metragem traz um pouco mais de sensibilidade e é aqui que essa revisão entende que deva assoprar. Aplica um pouco de suspense envolvendo crianças que, até pela figura de Sean Penn (mesmo que em outro espaço-tempo) nos faz criar uma referência com um outro drama que nos provoca reflexão de forma mais tradicional, “Sobre Meninos e Lobos” (2003). É marcante as tentativas do cineasta procurar algo mais próximo do sensorial, experiências mais concretas que vinculem o espectador a algum passado remoto ou presente incômodo. É quando uma obra como esta passa a ter uma vida única de acordo com cada um de nós. De intensidades variadas, mas com uma força para alguns que jamais uma narrativa clássica alcançaria. O próprio Sean Penn não concorda com isso. Ele já disse em entrevistas que este foi o roteiro mais espetacular que ele já leu e que o resultado final, pelo excesso de impressionismo, não consegue materializar tudo o que se propõe. Ele, por sinal, não vê muita função no próprio personagem.

Histórias sobre a passagem da produção pelo circuito comercial não faltam. Nos Estados Unidos, alguns exibidores decidiram “alertar” o público sobre a ausência de linearidade e a proposta enigmática do filme após um excesso de pedido de devolução dos ingressos com o abandono da sessão em alguns minutos. Na Itália, uma sala exibiu os dois primeiros rolos invertidos por alguns e os espectadores nunca reclamaram, mesmo com os logotipos e créditos surgindo no meio da projeção – acreditando ser mais uma provocação na forma como o filme foi editado.

Por isso a dualidade nunca se afasta na experiência de rever o filme Há quem se veja ou projete a paternidade como uma constante releitura de si e que nos faz mergulhar no medo do fracasso. Jack chorar pela perda do emprego do pai pode soar um exagero, mas há ali o senso de responsabilidade imposta por uma comunidade que, além de meritocrática, entende que dividir funções pautadas em gêneros e classes sociais é um indicativo de sucesso. É provável que aqueles que não se conectam de nenhuma forma com as representações de Malick fiquem apenas com a alegoria filosófica que, depois de tantos anos de exploração pelo audiovisual art house, hoje soa a parte menos interessante.

Até porque o clímax do longa-metragem parece um comercial de banco ou de empresa de telefonia. Da captação das imagens, ao subtexto, passando pela mensagem de amor, bondade e esperança. O diretor pode dizer que não, mas muita coisa de “Lost” o incentivou a levar adiante uma pretensão deste tamanho. E muito da conclusão do longa-metragem pautou o que seria o episódio piloto de “Under the Dome” dois anos depois. Diálogos audiovisuais de uma linguagem sempre em movimento – e sempre muito dinâmica. A construção edificante de 2011 é a peça de publicidade do intervalo do jogo de futebol dez anos depois. O que faz de “A Árvore da Vida” ainda emocionante é o que há de vida dentro dele. Até quem se apaixonou perdidamente na década passada é capaz de apontar o que não lhe toca mais no mundo devastado por uma brisa que Terrence Malick não consegue mais provocar.

Veja o Trailer de “A Árvore da Vida”:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *