A Língua das Mariposas

A Língua das Mariposas Filme Crítica Pôster

Sinopse: “A Língua das Mariposas” mostra a relação de um menino com seu professor, alterada pelo início da guerra civil espanhola. Para o pequeno Poncho (Manuel Lozano), a vida está apenas começando. Ele entrou na escola, caiu nas graças do professor Dom Gregório (Fernando F.Gomes), fez amizade com Roque (Tamar Novas), e, melhor ainda, poderá excursionar com a banda de seu irmão mais velho, um saxofonista. Mas nem tudo são flores. O pai do garoto e seu querido professor se envolvem na Guerra Civil Espanhola, transformando em tristeza a alegria do menino.
Direção: José Luís Cuerda
Título Original: La lengua de las mariposas (1999)
Gênero: Drama | Guerra
Duração: 1h 36min
País: Espanha

A Língua das Mariposas Filme Crítica Imagem

A Dor do Olhar

Parte de uma impressionante seleção de longas-metragens espanhóis, “A Língua das Mariposas” faz parte da segunda edição do festival Volta ao Mundo, organizado pelo serviço de streaming Petra Belas Artes à La Carte, desta vez em parceria com o Escritório Cultural da Embaixada da Espanha no Brasil. Dirigido por José Luis Cuerda, que nos deixou em 2020 aos 72 anos, o filme venceu o Goya de 2000 na categoria melhor roteiro adaptado. Unindo três contos do escritor da Galícia, Manuel Rivas, a obra toca fundo ao mostrar o processo de desumanização que a guerra, principalmente aquelas que envolvem rupturas sociais, provoca.

Na década de 1930, Moncho (Manuel Lozano) é um menino com medo de se aventurar na vida escolar. Acreditando nos boatos de que seu professor, Don Gregorio (Fernando Fernán Gómez), além de enérgico, bate naqueles que não vão bem nas aulas, ele supera o medo de apanhar e acaba se apaixonando por aquele espaço. Cuerda constrói um protagonista marcado pela fragilidade. Sofrendo de asma, de pai ateu e (talvez por isso) com pouca interação social, para ele o ambiente de ensino será mais do que aprender o básico de anatomia ou exercitar escrita e leitura.

Ainda impactado em uma sessão caseira dupla que contou com o belíssimo “O Espírito da Colméia“, aqui o deslumbramento de Víctor Erice é substituído por uma transformação velada de uma sociedade que vive em uma harmonia forçada e aparente. A Guerra Civil Espanhola, onde seremos levados na parte final, ficou marcada pela complexidade de alianças e que deixaram um saldo de mortos de todos os espectros políticos. A Galícia foi um dos territórios que mais sofreu com a intervenção que levou Francisco Franco ao poder. Conhecida como “retaguarda fascista“, foi lá que boa parte dos campos de concentração do país foram ativados.

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Pelo olhar de Moncho algumas lições são compartilhadas com o público de “A Língua das Mariposas“. O cineasta usa, de certa maneira, parte da inocência do personagem como desculpa para tornar a exploração das imagens algo mais perto da contemplação, deixando a trama histórica como ferramenta auxiliar. Elas surgem em diálogos sobre o republicanismo democrático e o entendimento sobre o sufrágio feminino, por exemplo. A sala de aula parece um laboratório, onde toda a tensão das ruas ficam de fora. Já a família soa cada vez mais incompreensível para Moncho, que deverá lidar com a covardia e a hipocrisia diante de seus olhos em um final que deposita toda a carga dramática.

De fato, uma análise mais fria concluirá que a tática é esvaziar o viés documental para obter do público uma comoção mais pura – e quase tão inocente quando a de seu protagonista. Lançado pouco depois de “A Vida é Bela” (1997), corações endurecidos dirão que é mais um filme sobre a maturidade precoce, as primeiras experiências envolvendo amizade, amor e outras maneiras de tornar poético o desenvolvimento padronizado, interrompido somente quando o trauma da guerra começa a despontar. É neste momento que “A Língua das Mariposas” para. Nos deixa em compasso de espera para consolidar uma situação que provoca nossos sentimentos mas, dentre eles, a curiosidade.

Vale destacar a trilha sonora de Alejandro Amenábar, na época já conhecido na direção por “Preso na Escuridão” (versão original de “Vanilla Sky“) e prestes a ser cooptado pelo mercado para dirigir “Os Outros“. Vendido como “o novo Shyamalan, que era o novo Hitchcock” – e todos deixaram de ser. Aqui boa parte dos sentimentos são conduzidos por seu bonito e marcante trabalho – uma forma de explorar a emoção bem parecida com as críticas que fizemos a algumas produções recentes, mas que, pelo olhar experiente de José Luis Cuerda, torna mais aceitável a inescapável sina de nos deixar levar pela narrativa.

O saxofone do irmão de Moncho, parte da trama, também contribuem para esse vínculo se formar. Há também questões envolvendo identidade, parte delas usurpadas pelo governo franquista, que promoveu não  apenas uma caça aos republicanos (principalmente socialistas). Levou a frente um dos mais relevantes processos de apagamento cultural de toda a Europa, envolvendo todas as línguas sufocadas pela determinação de ser o espanhol o idioma oficial e único, naquela que é a metáfora mais destacada e que foge da excessividade poética do restante da obra.

Mais básico e simplista do que dramas de guerra que deixam marcas no espectador e ainda assim longe da descartabilidade de um melodrama que não sabe onde parar na extração de lágrimas. “A Língua das Mariposas” diz muito sobre a figura de respeito por trás dos nossos mestres e nossos parentes. Reverências e referências. Quando novos, nunca sabemos o que sai de nossa cabeça ou o que é reprodução de atitudes. O clímax, como um baque que leva ao fim da projeção, torna inconclusivo para nós representações e motivações por trás de Moncho. E nos deixa com o olhar de Don Gregorio. Compreensível ou não, realizado ou frustrado? Não sabemos. A única certeza que temos é que começava ali um período de muita dor, de uma sociedade que aceitou se partir e encontrou mais adiante um futuro tenebroso.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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