A Cisterna

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Sinopse: Jornalista de sucesso é sequestrada e mantida em uma cisterna. Ela tem que lutar contra seus medos para sobreviver, enquanto o sequestrador luta contra seus demônios para terminar o que começou.
Direção: Cristiano Vieira
Título Original: A Cisterna (2021)
Gênero: Thriller
Duração: 1h 38min
País: Brasil

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Além da Notícia

Mais do que o papel da imprensa televisiva nos desdobramentos da sociedade brasileiras nas últimas décadas, há um espaço dedicado ao debate sobre programas híbridos, que misturam jornalismo e algo próximo do entretenimento, sob o manto de opinião. O thrillerA Cisterna“, que estreia amanhã em plataformas digitais de locação (a princípio: iTunes, Claro Now, Google, Vivo e Oi), usa este argumento, a partir da protagonista Lorena Ribeiro (Fernanda Vasconcellos) para nos levar aos limites das consequências de um veículo que deseja projetar julgamentos ao seu público.

No prólogo, sabemos que a personagem será sequestrada e mantida em cárcere privado dentro de um reservatório de água. O diretor e roteirista Cristiano Vieira, então, nos desloca três meses no tempo para trazer o que poderia ser a origem da maldade imposta à jornalista – que não deverá ser gratuita e imotivada. Não há como acompanhar a primeira metade do filme sem lembrar de âncoras da vida real, alçados à fama de formadores de opinião em produtos televisivos parecidos com o que ela apresenta em um canal de Brasília.

Ali, Lorena aparece como uma popular frontwoman – por sinal, em um ambiente ainda dominado por homens, tais como Datena, Luiz Bacci, Geraldo Luís e até Dudu Camargo e Sikera Jr. (para mencionar os que estão em atividade no momento desta publicação). Entre uma notícia sobre um escândalo de corrupção e a exploração de um fato de grande violência física ou psicológica, ela diverte com danças, memes e a espirituosidade que faz o público rir – a ponto de naturalizar os informes graves ou grotescos que tomam conta da tela. Um expediente que o Brasil acompanha há muito tempo – e com um sucesso que parece à prova de decadência.

Porém, em “A Cisterna“, a protagonista vai um pouco além dessa união entre Jornalismo e Circo. Em momentos de seriedade, ela coloca sua opinião ao espectador, induzindo julgamentos e condenações. Assim como o fato que alçou Rachel Sherazade ao estrelato, quando ela defendeu o direito de amarrar um jovem a um posto e linchá-lo – com a agravante dela se colocar em uma bancada, na estética clássica de um produto apenas informativo. As consequências para Lorena vão de acusados (e condenados) que se entendem como vítimas de uma espécie de linchamento social e a indignação de empresários envolvidos em esquemas desbaratados pelas reportagens. Afinal, eles são também anunciantes do canal, que opta por uma produção híbrida e o torna ainda mais dependente deste tipo de financiamento.

A forma como o longa-metragem explora essa premissa torna a parte conjuntural da obra mais interessante do que o thriller propriamente dito. O cineasta foge da narrativa um pouco esgotada de manter a personagem apenas no cárcere e enche o público de argumentos. Cria uma expectativa acerca da identidade de Julian Ortega (Cristobal Tapia Montt), o chileno que a mantém viva na cisterna e usa apenas Lucas (Juan Alba) como representante do ambiente tóxico das redações. Lorena ainda vive um drama pessoal ao ser muito dedicada ao trabalho, o que a faz correr risco de perder a guarda da filha, quase sempre sob cuidados da avó.

Ela também será vítima da boa receptividade do telespectador e não consegue ascender na carreira com a tão sonhada transferência para São Paulo, a maior praça do país. Com uma construção de personagem completa, o desenvolvimento do longa-metragem brasileiro é fluido, o que o torna independente do evento-limite que já sabemos que presenciaríamos na parte final. Provoca ao tratar da liberdade editorial mitigada em programas e apresentadores marcados pelos diversos tons de discurso – e não há como lembrar de Sherazade novamente, que não teve seu contrato renovado com o SBT ao ser boicotada pelo patrão ao não se alinhar com o atual governo.

Ou seja, “A Cisterna” pode até não trazer grandes elementos ou gatilhos de emoção em seu suspense, mas é um tiro certeiro ao trazer o comportamento de uma parte da imprensa diretamente responsável pela situação atual do país: aquela que transforma em pauta não só a notícia, mas que também age para julgar e condenar pessoas como se fossem personagens. Lorena terá sua lição na virada de tabuleiro do confronto agressor x vítima da pior maneira possível.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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