Sinopse: “A Era das Consequências” traz uma investigação sobre os impactos das mudanças climáticas em conflitos ao redor do mundo, pelas lentes da Segurança Nacional dos EUA. O filme revela como a escassez de água e alimentos, a seca, as condições climáticas extremas e a elevação do nível do mar funcionam como “catalisadores de conflitos”. Oficiais militares fazem análises para além das manchetes das crises de refugiados, da Primavera Árabe, dos conflitos na Síria e até mesmo do surgimento de grupos radicais como o Estado Islâmico, e revelam como os fenômenos decorrentes das mudanças climáticas interagem com as tensões sociais.
Direção: Jared P. Scott
Título Original: The Age of Consequences (2016)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 21min
País: EUA | Alemanha | Espanha | Jordânia
Marcha para a Extinção
Apesar de documentários como “A Era das Consequências“, lançado em 2016, envelhecerem rápido (reflexo da dinâmica de mudanças na sociedade), sua presença na 9ª Mostra Ecofalante de Cinema é fundamental para se alinhar com outras obras mais recentes do festival. Foi escrito e dirigido por Jared P. Scott (também responsável por “A Grande Muralha Verde“, obra mais recente e que também estará na Ecofalante, aguardada com muita expectativa). Traz uma perspectiva bem interessante sobre a nova realidade, em que as alterações climáticas começam a cobrar o preço que ambientalistas antecipam há décadas.
A proposta é simples: chegará um momento em que apenas intervenções militares conseguirão dar conta do caos que será o planeta Terra. O documentário começa traçando paralelos de potencialidade de uma guerra nuclear e do impacto do aquecimento global na segurança pública. Isso faz rapidamente o espectador mergulhar no objetivo principal de Scott nesta produção: provar como todos os outros problemas graves de comunidades espalhadas pelo globo só existem pela influência do clima. Crises econômicas, conflitos sociais, ascensão do Estado Islâmico e do Boko Haram são apenas alguns exemplos.
Acertadamente, um dos entrevistados de “A Era das Consequências“, define a questão climática como um “acelerador de instabilidade”. A Síria, antes da convulsão social que a afetou fortemente, bateu um recorde antes inimaginável de três anos de seca. Vivemos em um território onde tudo se tornou imprevisível, tanto em frequência quanto em volume. Isso me fez lembrar de uma sequência de dias sem chover no Rio de Janeiro no início dos anos 2000. Uma professora de Biologia na escola, talvez na emoção dos debates sobre o medo do terrorismo inaugurado nos ataques com aviões ao World Trade Center, nos questionou se estávamos preparados caso nunca mais chovesse.
Qualquer impossibilidade de organização e planejamento já me provoca medo, mas imaginar que os elementos que suprem necessidades básicas de sobrevivência passarão em pouco tempo para este lado é assustador. De forma segmentada, o longa-metragem traz em nove partes como a militarização será ampliada, em virtude do aumento dos fenômenos antes tido como excepcionais. Exemplos e imagens dos quatro cantos do mundo não faltam e o cineasta equilibra bem as explicações conteudistas sobre o tema com o choque do caos climático – antes pensado como futuro, mas que já chegou. Desta forma, apesar sabermos que esta militarização é uma projeção dos Estados Unidos desde o governo de George W. Bush, somos levados à Somália, Suão, China, Indonésia e Bangladesh.
Neste último, “A Era das Consequências” dialoga muito com “A Nova Era do Petróleo” (2018), principalmente no que diz respeito aos chamados refugiados do clima, fenômenos que tem em Bangladesh uma espécie de “marco zero”. Contrariando sutilmente as representações do documentário de Zach Toombs, o que Jared P. Scott faz é nos levar ao entendimento de que essa divisão em grupos de refugiados não faz muito sentido. Coerente com a construção de raciocínio do seu documentário e bem mais razoável, se refletirmos por um instante. Pensar que todos os fatores e indicadores se conectam é o primeiro passo para encontrar soluções mais eficientes para os problemas.
Todavia, os filmes concordam que o planeta está muito longe de chegar a essas soluções. A própria ideia de que Exércitos institucionalizados liderarão os esforços é acelerar o passo em nossa marcha para a extinção. Dificilmente a atuação de uma força militar na sociedade civil rende bons resultados. Aqui no Brasil somos a prova viva (ou morta, geralmente assassinada) de que o poder de polícia nas mãos de quem acha que a vida é uma guerra gera uma ampliação da catástrofe. Temos a polícia que mais mata e mais morre no mundo – e sua militarização não é um mero detalhe.
Mais grave ainda, é comungar com os entrevistados no entendimento de que o autoritarismo dos governos será o caminho natural daqui em diante. Não apenas pela simultaneidade de eventos climáticos devastadores (o que tornará impossível qualquer prevenção ou auxílio imediato). Também porque pagaremos o preço do negacionismo e das da falta de políticas de conscientização da população sobre consumo consciente e preocupação com o meio ambiente. Em 2020, ouso dizer que vivemos o auge desta consequência e no conforto de nossas casas não nos demos conta disto.
Quase cinco anos depois da estreia do longa-metragem, a pandemia de covid-19 poderá ser fundamental para essa escalada autoritária – por culpa maior dos governantes. Brasil e Estados Unidos não conseguem achatar suas curvas de mortes por coronavírus há meses. Seus Presidentes insistem que a vida deve seguir para a economia não ser abalada. Uma parte do povo ouve e concorda. A sociedade se mostra incapaz de se organizar civilmente, terceirizando aos políticos as escolhas de como viver. Pode não ser dessa vez, mas teremos outras crises (inauguradas por doenças ou fenômenos climáticos) em que a saída será obrigar, de forma autoritária, a Humanidade a respeitar os desígnios da Natureza. Quando isso acontecer, lembre-se de quem disse que você podia ir à praia, ao bar ou ao cinema, enquanto milhares de pessoas morriam diariamente. Lembre-se também de e “A Era das Consequências“, que antecipou a tendência de que a aludida marcha para a extinção estaria apenas começando.