Sinopse: Apresenta a visão de Daniel Cravinhos sobre os acontecimentos que levaram à morte do casal Richthofen, pais da sua então namorada Suzane von Richthofen. Um drama de crime real sobre um dos casos de assassinato mais chocantes do Brasil.
Direção: Maurício Eça
Título Original: A Menina que Matou os Pais (2021)
Gênero: Crime | Drama | Thriller
Duração: 1h 26min
País: Brasil
Linha Dois
Seguindo a sugestão de experiência do cineasta Maurício Eça, “A Menina que Matou os Pais” foi o filme de fundo da sessão dupla sobre os longas-metragens que trazem as duas versões dos assassinatos de Manfred e Marísia Richthofen por sua filha Suzane, seu namorado Daniel e o cunhado Cristian Cravinhos. Disponível no Amazon Prime Video após mais de um ano e meio de adiamentos, a tentativa de levar a complexa produção às salas de cinema, com uma gravação expressa em pouco mais de trinta dias, naufragou. Todavia, sua repercussão no primeiro final de semana no streaming parece ter justificado essa mudança de planos.
Boa parte do desabafo sobre leituras atravessadas – que se tornam frágeis quando pouco fundamentadas – se deram na crítica de “O Menino que Matou Meus Pais” (que você lê clicando aqui). Aqui, a montagem replica o prólogo, mostrando as primeiras ações da polícia na cena do crime, com os créditos fornecendo informações da mídia da época sobre a investigação até a confissão. Dessa vez o espectador mais jovem ou esquecido já tem nas mãos algumas referências, principalmente envolvendo a diferença de classe social entre Suzane e Daniel, a resistência dos pais da primeira ao relacionamento e a aposta dos pais do segundo em garantir estabilidade ao filho.
Percepções que parecem ser convergentes, a chamada parcela incontroversa da trajetória dos dois no período de três anos entre a data em que eles se conheceram e o assassinato de Manfred e Marísia. Quando mencionei no texto anterior sobre o desenho de produção difícil, é que algumas das propostas dos filmes são colocadas de forma arriscada. Uma delas é a de tornar o flashback quase a totalidade da narrativa, fugindo do drama de tribunal, marcado por um ritmo mais cadenciado e que materializa algumas das intenções. Ao invés de um embate entre versões, nas acareações e oitivas das sessões do júri de 2006, as obras mergulham na reconstituição dos fatos.
Todavia, limitam as representações a maneira como Suzane (no outro) e Daniel (aqui) as formalizam. Se a atriz Carla Diaz precisava dominar duas formas de construção da protagonista no primeiro longa-metragem, aqui ela tem que ser uma terceira pessoa. Vale reparar que a sua versão precisa tornar crível uma jovem insegura, introspectiva, salientando que esses comportamentos eram frutos da idade – e que o namorado a levaria por caminhos que ela não queria (ou, pelo menos, não controlava). A Suzane de “A Menina que Matou os Pais” é fisicamente diferente, sem os ombros arqueados, experiente sexualmente e mostrada como alguém que investe no relacionamento, “comprando” a fidelidade de Daniel com presentes desde o primeiro instante – ao invés de usar esse expediente pelo viés da culpa pela perseguição dos pais.
Ao mesmo tempo, o protagonista vivido por Leonardo Bittencourt nos reserva um passado bem mais sombrio para sua namorada. Com isso, os traços de psicopatia costurados pelo argumento e roteiro de Ilana Casoy ganham outra ótica. É recomendável que as experiências sejam conjuntas, porque há espelhamento de cenas e passagens da vida do jovem casal que chamam a atenção. A começar pelo dia em que eles se conhecem. À distância, a conversa de Daniel e Andreas (Kauan Ceglio) é observada por Suzane e Marísia (Vera Zimmerman) no outro filme. Aqui, a montagem inverte e reutiliza as imagens para mostrar outro ponto de vista.
Acaba se tornando um destaque a consciência da equipe de produção na captação das imagens. É uma obra enxuta, que usa a repetição de uma cena de forma flagrante e objetiva e nos coloca em situações idênticas sobre outros enquadramentos, com falas invertidas e entonações variadas. É um estudo de caso bifurcado em dois personagens e até agora, passadas algumas horas da dupla sessão, ainda me parece exagerada a condenação da obra. Como já foi dito, atiraram os longas-metragens na fogueira sob percepções pouco desenvolvidas e frágeis. Ao mesmo tempo em que o espectador-médio deve estar consumindo “A Menina que Matou os Pais” e o transformando no assunto da semana de maneira avassaladora.
Há uma demanda por drama maior na obra de fundo, enquanto assistimos as falas de Daniel levar a usurpação do discurso de que o outro (no caso, a outra) do relacionamento que o desvirtuou. Como tática processual, fica nítido que o jovem não relativiza os problemas familiares entre os seus pais e o irmão Cristian (Allan Souza Lima) e traz elementos que dão conta de que houve uma tentativa de integração familiar, que não se consolidou pela diferença de interesses e preconceito dos ricos Richthofen. Talvez o único momento em que tenha sentido falta de uma materialização dessas narrativas é quando Suzane tira uma foto de seus pais e os de Daniel. É uma camada de história que ela reputa inexistente, mas que parece fundamental para o desenrolar dos acontecimento nos meses seguintes.
Ao trazer um histórico de agressões e abusos, a obra fica um pouco mais perturbadora. No final, as duas versões objetivam criar motivações para o outro, algo curioso para depoimentos de réus que confessaram o crime. Até para supostos psicopatas a ideia de ser o responsável pela morte dos pais soa assombrosa. Como já tratamos na crítica anterior, não há nenhuma meta de se encontrar verdades ou dirimir dúvidas em “A Menina que Matou os Pais“. É uma revisitação na mente de alguém que sabe ter feito o indefensável. Quanto a buscar em uma produção aquilo que ela nunca prometeu… Bom, se a crítica quer fazer isso, estará se condenando a uma vida de frustração.
Veja o Trailer:
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