O Menino Que Matou Meus Pais

O Menino que Matou Meus Pais Filme Crítica Poster

Sinopse: Apresenta a visão de Suzane von Richthofen sobre os acontecimentos que levaram à morte dos seus pais. Um drama de crime real sobre um dos casos de assassinato mais chocantes do Brasil.
Direção: Maurício Eça
Título Original: O Menino Que Matou Meus Pais (2021)
Gênero: Crime | Drama | Thriller
Duração: 1h 28min
País: Brasil

O Menino que Matou Meus Pais Filme Crítica Imagem

A Crítica que Matou Seu Cinema

Tempo não existe, no preparativo para as maratonas dos festivais da próximas semanas. Porém, o final de semana foi passando e ficava cada vez mais claro que “O Menino que Matou Meus Pais” (e sua outra metade, “A Menina que Matou Seus Pais“) era o acontecimento da timeline. Depois de um longo adiamento, que colocaria os longas-metragens que cuidam das versões de Suzane Von Richtofen e Daniel Cravinhos às salas de cinema na semana em que a quarentena começou no Brasil, as obras chegam direto ao Amazon Prime Video. Nesse meio tempo, a atriz Carla Diaz, um nome que trazia curiosidade pela carreira consolidada e construída desde criança, virou (também) uma ex-big brother, enquanto que o diretor Maurício Eça adiantou ainda mais seu novo projeto envolvendo a vida de Silvio Santos (que ele garantiu em entrevista esta semana que não será uma nova narrativa true crime sobre o sequestro do empresário).

Na bolha cinéfila, a sessão conjunta da reconstituição do duplo homicídio brutal em outubro de 2002 parece ter sido um fracasso. Curioso que boa parte dos argumentos que condenam a obra são a inversão de outros, comumente usados para tornar outras produções do gênero igualmente “ruins”. Afinal, vivemos um tempo em que todos buscam a valoração, a opinião é despejada com a mesma ostentação de condomínio rico lavando calçada com mangueira – e o resultado acaba encontrando generalizações e algumas unanimidades pontuais. Parece que se opor a isso é ir contra uma maré e aqui entramos na outra ponta dessa trajetória: a tréplica carregada de agressividade.

Quem vive nessa bolha, sabe o que aconteceu no Twitter nos últimos três dias. Um movimento que começou desde que a ideia de levar a história da família Richthofen para as telas começou a ocupar as manchetes. Acostumados a consumir revisitações de casos reais de grandes crimes ao redor do mundo – aguçando ainda mais o espectador com as menções sobre o roteiro ser baseado em fatos – parece que uma barreira moral foi conjurada quando essa proposta chegou ao cinema brasileiro. Quando o cineasta propôs uma ordem ideal para a experiência, começando com “O Menino que Matou Meus Pais“, outro burburinho. Daí para transformar qualquer peça da engrenagem do filme em um motivo para apedrejá-lo foi um pulo.

As duas obras se propõem a remontar as versões que Suzane e Daniel deram nos tribunais. Uma introdução de alguns minutos (duplicada no outro longa-metragem), mostra o primeiro contato da polícia e algumas manchetes de jornais do período do inquérito que culminou com a confissão. O desapego à lógica começa ali, afinal, os jovens alegaram que a chamada das autoridades se deu porque o portão da casa estava aberto – sem que eles tivessem o reflexo natural de saber se estava tudo bem com o restante da família. Parece viralatismo elencar alguns dos “problemas” como se as escolhas fossem equivocadas na origem- e talvez seja mesmo. Se não há uma crítica a ser feita dentro da proposta de Eça é de houve incoerência.

Com argumento e roteiro de Ilana Casoy, escritora e pesquisadora da área criminal, os protagonistas são, sim, colocados como objetos da narrativa. Seus discursos são reproduzidos, mas fica nítido que o espectador não deve “comprar” nenhuma história. Suzane é caracterizada pela psicopatia, o que exige de Carla Diaz uma dupla construção bem mais forte do que de Leonardo Bittencourt enquanto Daniel. Aqui ela refaz seus passos a partir da persona pela qual ela deseja ser vista no tribunal.

Sendo assim, os ombros comprimidos e o pescoço arqueado – marcas registradas das imagens que circularam pela imprensa assim que ela assumiu o crime – fazem parte de seu comportamento desde o início. Limitar a origem dos problemas à “culpabilização da maconha” denota que boa parte da massa crítica abandonou a experiência bem antes do fim. A montagem usa os vinte minutos finais para que a acusada nos convença de que mergulhou em um mundo de drogas de todos os tipos, sendo a mais sociável delas apresentada pela namorado. Em nenhum momento a coloca como causa, apenas formula a ótica do consumo para justificar uma eventual inconsciência temporária no momento do crime. Passados muitos dias, era impossível o exame toxicológico, deixando uma dúvida no júri sobre a vulnerabilidade e incapacidade naquela fatídica noite.

Como a premissa de “O Menino que Matou Meus Pais” é de estudo de personagem, deve fazer falta para aqueles que buscam verossimilhança ou motivações em cada fresta das representações audiovisuais um embate entre advogados de acusação e defesa e o juiz dando aquelas marteladas na mesa. Seria o óbvio, para amarrar as questões trazidas pelos depoimentos. Contudo, se elas fossem colocadas, os mesmos acusariam a obra de ser uma sequência de clichês. Quem não encontra elementos que ultrapassam a fase do julgamento, deve se surpreender com informações sobre a convivência de Suzane com seu irmão. Veja como ela coloca a presença de Andreas (Kauan Ceglio) como um adolescente que parece viver, junto dela e de Daniel, uma espécie de aventura pelo amor proibido.

Já na relação com a mãe, que aparece no dia em que seus futuros assassinos se conhecem como uma incentivadora da paquera, a protagonista pode remontar o caminho que quiser. Há uma diferença ao desenvolver versões sobre quem está aqui para te contradizer a apresentar contrapontos e sobre quem não está. É isso que assistiríamos no longa-metragem seguinte. Em relação à produção, a tentativa de angariar adeptos de uma sessão dupla torna os filmes bem ligeiros, tanto na duração quanto no ritmo. É uma ideia difícil de ser executada, há um desenho de produção complicado, já que cenários, figurinos e elementos se repetem, sob vários aspectos: de concordância a discordância (e em graus diversos). Algo que a outra crítica aprofundará mais.

Muitos sintetizaram as representações de “O Menino que Matou Meus Pais” a um episódio do programa de TV “Linha Direta” (linguagem abandonada pelos meios de comunicação em nosso tempo). Alegam que não trouxe nada de “novo” em relação ao caso, cujo julgamento se encerrou a pouco mais de quinze anos. Mais uma vez medem pela régua geracional ou dão a ela carga bem pesada. Ainda questionam uma pequena quebra de quarta parede, no momento-chave em que a execução do crime, momento em que o relógio da tentativa começa a parar e o da consumação começa a correr.

Claro que essa não é uma atitude generalizada. Não são poucos os que colocam seus pontos e fundamentam com brilhantismo os motivos pelo qual não gostaram da produção. Todavia, para outros, o objetivo é desqualificar a obra, ridicularizando em um tweet ou naquela frase marota no Letterboxd. Pelo visto, na era da performance, quem tem que brilhar mais é quem julga. Como só há agressor e vítima nessa história, as carapuças moralistas ou padronizantes acabaram sendo usadas pela própria crítica.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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