A Távola de Rocha

A Távola de Rocha Documentário Crítica Filme Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: Um reencontro espaço-temporal de todas as investigações estéticas propostas pelos filmes de Paulo Rocha (1935-2012). Uma pesquisa a partir de pessoas, personagens, lugares, cenários, artes e artistas que, em forma de testemunho, propõem uma reflexão sobre a interação do cineasta com eles.
Direção: Samuel Barbosa
Título Original: A Távola de Rocha (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 34min
País: Portugal

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Pedra da Amargura

Para quem não pode (ou não se sentiu à vontade de) acompanhar a retrospectiva do cineasta português Paulo Rocha nas sessões presenciais da 45ª Mostra SP, a primeira janela de exibição de filmes gratuitos pela plataforma do Sesc permitiu uma ótima experiência para quem deseja saber mais sobre o legado deste realizador. O documentário “A Távola de Rocha” de Samuel Barbosa (em seu primeiro longa-metragem) consegue traçar um panorama da carreira de Paulo, ao mesmo tempo que se debruça em relações e referências mais íntimas do profissional que faleceu no ano de 2012 e é visto como um dos fundadores do Novo Cinema Português, movimento de vanguarda que surge nos anos 1960 em meio ao governo ditatorial de Salazar.

Alguns dos depoentes criam uma teia de relações bem próprias da carreira do biografado. O primeiro a falar é um assistente de direção, função que o próprio cumpriu quando abandonou o curso de Direito na França e – na volta ao seu país – iniciou a trajetória no audiovisual em “Ato de Primavera” (1963) de Manoel de Oliveira – antes foi estagiário de produção em “O Cabo Ardiloso” (1962), a última para os cinemas de Jean Renoir.

Do Japão, “A Távola de Rocha” traz o testemunho o diálogo que o cineasta permitiu sobre a presença de Wenceslau Moraes no país. Autor que fez uma leitura de uma nação revisitada pelo compatriota em 1982 em “A Ilha dos Amores“, que levou Paulo à mostra competitiva do Festival de Cannes e gerou, dois anos depois, o documentário “A Ilha de Moraes“. Um momento em que ele já voava solo, após um início de filmografia naturalmente inspirada no que vinha da própria França no período, principalmente pelas criações de Godard.

Aos poucos, Samuel vai tornando o longa-metragem mais íntimo, rompendo com uma cronologia tradicional para voltar aos primeiros anos de sua vida e sua relação com a mãe. Seu pai se estabeleceu no Brasil, onde fez fortuna e talvez Rocha tenha herdado essa tendência exploratória que o levou a se apaixonar pelo Japão. Por sinal, se pensarmos o documentário como uma estrutura em atos, seu desenvolvimento equilibra esse panorama biográfico com a manutenção de uma ponte aérea luso-nipônica, que dão dinamismo à obra até para que pouco conhece do cineasta.

A grande questão vem no ato final, denotando um realizador que viveu momentos de amargura pelas críticas ao seu trabalho. Por sinal, uma bifurcação comum a muitos que tiveram seu auge criativo nos anos 1960 e 1970. Em um período de profundas transformações audiovisuais enquanto meio e mensagem, enquanto forma e conteúdo, era natural que a apresentação das criações da época como clássicos absolutos gerasse certa resistência de gerações posteriores. Podemos dizer que tanto a nouvelle vague quando os Cinemas Novos brasileiros e portugueses podem soar datados em algumas revisitações. Em outras, suas experimentações e alegorias podem até ser percebidas como ingênuas para olhares contemporâneos.

A bifurcação se dá porque alguns seguem o caminho do afastamento, de entender seu ciclo de realizações como encerrado e outros seguem corajosamente se expondo. Muitos se reinventando. Para o bem da História, que bom que a estrada que Paulo tomou foi a da produtividade, a de não deixar essa amargura se sobrepor à sua arte. Porém, ela existiu – e pela fala do próprio nos arquivos de “A Tavola de Rocha” ele lamentou a perda de sensibilidade de uma plateia que almeja cada vez mais a agressividade e a explicitude.

Algo que fez pensar em como, uma vez, o também português José Saramago falou da morte da palavra. Da mistura de imediatismo e pragmatismo que nos torna cada vez menos escritores, depois leitores e – no futuro – falantes. Sua linha de raciocínio era a ideia de que podíamos passar uma mensagem no Twitter com 140 caracteres. Vai saber o que diria José e Paulo em um mundo no qual as redes sociais reduziu tudo a imagens e áudios por vezes bem mais divagantes do que esse texto que ninguém lerá até o fim.

O bom é que, quando chegarmos ao fim da palavra, teremos José Saramago. Assim como, quando chegarmos ao fim do Cinema, teremos Paulo Rocha.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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