A Trilha dos Ratos

A Trilha dos Ratos Documentário Brasileiro 2021 Crítica Imagem

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Sinopse: Antes de terminar a segunda guerra mundial, a Alemanha Nazista percebendo que iria perder a guerra, planejou uma rota de fuga para que os seus oficias de alta patente não fossem condenados. Milhares de nazistas fugiram por essas rotas, com a ajuda da IGREJA CATÓLICA e da CRUZ VERMELHA para a América. Passaportes foram expedidos e muitos criminosos escaparam e viveram prosaicamente em toda a América em troca de dinheiro e tecnologia alemã. Essas trilhas se chamavam-se: RATILINES ou TRILHA DOS RATOS. O cineasta MARCELO FELIPE SAMPAIO e o historiador e escritor PEDRO BURINI foram atrás dessa historia, que segundo documentos e relatos passou pela cidade de Serra Negra no interior de São Paulo.
Direção: Marcelo Felipe Sampaio
Título Original: A Trilha dos Ratos (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 11min
País: Brasil

A Trilha dos Ratos Documentário Brasileiro 2021 Crítica Imagem

Bichos Escrotos

Iniciando nossa intensa maratona de produções da 16ª Cine OP – Mostra de Cinema de Ouro Preto, o documentário “A Trilha dos Ratos” revisita a vexaminosa histórica de convivência do núcleo duro do nazismo na América Latina durante as décadas de 1950 e 1960. Parte da programação de longas-metragens contemporâneos, no recorte “Passado em Investigação”, o filme de Marcelo Felipe Sampaio prima por uma documentação que resgata o didatismo necessário para um tempo em que os esgotos estão reabertos.

De início, há algo na montagem que lembra “Golpe de Ouro“, outra produção do mesmo recorte. Uma narração de estúdio, limpa, é acompanhada de ilustrações a partir de foto – em uma edição pouco desafiadora. Contudo, essa sensação inicial acaba influenciando menos na sessão do que a obra de Chaim Litewski (e que já tínhamos assistido na cobertura do É Tudo Verdade deste ano). Sampaio precisa desobstruir o grande obstáculo que surgiu nos últimos meses com o isolamento causado pela pandemia, demandando a finalização da produção e toda a pós-produção já de maneira remota.

Por isso, há um aviso inaugural sobre essa característica, mencionando o período entre março de 2020 e fevereiro de 2021, considerável para uma criação audiovisual. Essa exploração da arquivologia, representando todos os agentes – muitos deles perenes no imaginário e na memória do espectador – auxilia na fuga por uma lógica de testemunhos sequencias, as tais “cabeças falantes”, que se potencializou (e nos cansou) desde que passamos a conviver com as telas em chamadas via Zoom e derivados. Sem o distanciamento da realidade da construção do documentário, podemos perceber que “A Trilha dos Ratos” se sai bem – e o didatismo acaba se tornando uma ferramenta importante para isso.

O conteúdo não poderia deixar de ser mais relevante – e dizer o quanto o fascismo foi relativizado e seu combate vilipendiado ao longo do século XX. Após a contextualização nos primeiros minutos, capaz de apresentar não apenas Goebels e Hitler, mas também Marx e Evita, o filme se desloca rapidamente da Europa (onde os membros da SS contaram com o apoio logístico italiano) e mostra como Josef Mengele, Martin Bormann e provavelmente o próprio führer se estabeleceram em nosso território. De Buenos Aires à Serra Negra, cidade no interior de São Paulo. Movimentações possíveis pela receptividade dos líderes locais, tanto Perón e Vargas quanto Truman no eixo norte do continente. A desculpa, como não poderia deixar de ser, era a contribuição que os ratos poderiam dar no novo combate criado pelo Ocidente: a luta contra o comunismo.

Sendo assim, a América Latina trocou a ideia de que importava conhecimento técnico e científico pela renovação de seu portfólio de assassinos e torturadores – em uma terra marcada por tanto sangue que chega a ser vermelha. A analogia se confirma quando “A Trilha dos Ratos” volta de forma rápida à Europa, para mostrar que a Alemanha quis alterar a verdade e criar provas materiais de que matou e prendeu os nazistas mais célebres ao término da Segunda Guerra Mundial. Uma vergonha para o mundo o fato de que essas pessoas andaram livremente até o fim da vida – e, sem dúvida, influenciaram uma nova geração de protofascistas nos grotões da América, que precisará conviver com eternos conflitos movidos por intolerância e ódio, típicos do fascismo.

Ainda que Marcelo Felipe Sampaio consiga promover essa fuga representada por Mengele, é inegável que houve uso político e diplomático, em depoimentos que mostram como a icônica Primeira Dama da Argentina realizou uma turnê europeia e a forma como a Igreja Católica demonstrou ocupar posição de auxílio. Já a relação econômica de forja no apoio da Bayern ao médico nazista no município de Poços de Caldas diz muito sobre esta convivência do capital. Algo sempre inerente e objeto de nossa crítica ao documentário “Responsabilidade Empresarial” (2019), que trata do vínculo desta parcela elite com os regimes militares no território.

Depois de tanto arsenal expositivo e de uma abordagem clássica dentro da temática histórica, a montagem de “A Trilha dos Ratos” nos deixa ao final com outro exercício, talvez o mais importante da sessão. Apresenta as motivações, também políticas e diplomáticas, para o Mossad, exército do recém-criado Estado de Israel, não perseguir e prender os nazistas estabelecidos na América e passa seus derradeiros minutos dimensionando a crueldade a partir da imagem de Mengele. Faz uma oposição ao “cidadão Pedro” e sua relação com a cidade paulista onde passou parte de sua temporada brasileira com fortes imagens do Holocausto. As mesmas imagens que precisam ser revistas para nunca repetirmos nem as práticas genocidas e nem as consequências anistiantes e de promoção de uma impunidade – algo que diminui ainda mais o valor das vidas perdidas pelo fascismo através dos tempos.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

2 Comments

  1. Gostei muito da crítica, esse trabalho foi desafiador e essas histórias devem ser sempre lembradas.
    Marcelo Felipe Sampaio

    1. Muito obrigado, Marcelo! Uma honra saber que chegou a você!

      Estamos torcendo para que o filme chegue cada vez a mais pessoas, são histórias que devem, sim, serem lembradas para que não se repitam. Agradeço muito pelo comentário!

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