Sinopse: O filme acompanha a vida de cinco jovens moradores da periferia de Contagem, em Minas Gerais. Os caminhos que os levam pela diversão e o trabalho, anseios e perspectivas que sofrem constantes abalos e que, apenas com a interação e ajuda entre eles, faz desafios serem vencidos.
Direção: Affonso Uchôa
Título Original: A Vizinhança do Tigre (2014)
Gênero: Drama Documental
Duração: 1h 34min
País: Brasil
Sociabilidade Indissociável
“A Vizinhança do Tigre” é mais um fruto da pulsante produção audiovisual ambientada em Contagem, município da região metropolitana de Minas Gerais – que cada vez mais se torna um capítulo a parte do Cinema Brasileiro contemporâneo. O paulista Affonso Uchôa havia lançado dois anos antes “Mulher à Tarde” (2012), mas seu segundo longa-metragem como diretor lhe rendeu a inafastável notoriedade a partir da vitória no prêmio do Júri da Mostra de Tiradentes de 2014 (feito repetido no Olhar de Cinema, meses depois).
O cineasta faz uma composição em estrutura diferente do mosaico interconectado de “No Coração do Mundo” (2019), dos diretores (esses sim contagenses) Maurílio Martins e Gabriel Martins. Aqui a sensação é de que estamos testemunhando ciclos que se entrelaçaram não pela ótica da construção narrativa, mas sim pela certeza de que determinada situação fatalmente se repetirá na realidade de outro personagem – e não ocorrer é mero acaso.
O longa-metragem nos traz cinco jovens moradores que transitam pelo bairro do Nacional, na periferia de Contagem. De início, um deles lê uma carta a ser enviada a um amigo. Nos três minutos do prólogo descobrimos que ele acaba de sair provisoriamente da prisão e aquele que receberá a correspondência lá está. Mais do que insistir na dinâmica da falta de perspectiva, Uchôa em “A Vizinhança do Tigre” quer observar aqueles meninos. Quer entender aqueles meninos. Meninos que a sociedade não quer chamar de meninos – e portanto repetimos a palavra à exaustão. Uma obra que poderia descambar para uma contemplação envelhecida de maneiras de “se perder” em uma dura realidade e que acaba por – sem se valer da violência e da verborragia habitual – construir um amplo retrato daquele grupo.
Um filme que não nos convence de sua ficcionalidade (porque assim não quer), mas quer algo além da mera documentação. Neguinho e Juninho, por exemplo, nos transportam às bobeiras de nossa adolescência de garotos que começam a se jogar no mundo. Com tudo à disposição, preferem gastar horas criando versões chulas de suas músicas preferidas, em que um zoa o máximo que pode o outro – como qualquer adolescente adora fazer. Aos poucos Uchôa nos leva aonde quer, com uma viagem que envolve o arco de referências musicais dos personagens. Aproveita todos os instantes que consegue e converte o funk, o rap e o rock em mais do que ilustrações da narrativa, materializando o que seriam as atitudes e os comportamentos provenientes dessas influências.
“A Vizinhança do Tigre” não quer rótulos comuns como: juízo de valor, ostentação, glamourização, objetificação de corpos. Não passa verniz, não excede no brilho e nem obscurece. Dá conta de um leque de possibilidades, que envolve o uso e o comércio de entorpecentes, a informalidade e o trabalho na construção civil, a familiaridade com as armas e a prisão. Tem casamento e tem família. Aliás, em uma linda sequência, a mãe de um dos personagens aparece. Ela não fala, sua participação dura pouco. Traz consigo no olhar e nos poucos gestos uma mistura de solidão e impotência. Nada mais precisa ser visto ou escutado pelo espectador.
Com a boa recepção desta obra, o cineasta se juntaria a João Dumans na direção de “Arábia” (2017), uma nova escalada em sua impressionante carreira. Ao não escancarar premissas ou pretender a exploração de mensagens, Affonso Uchôa caracteriza seu longa-metragem com a sobriedade e o naturalismo que todo o cinema genuinamente de Contagem seguia (e seguiria) pautando sua forma de pensar a linguagem audiovisual. Um cinema sem concessões. Mais do que encenar a realidade ou ficcionalizar o cotidiano, “A Vizinhança do Tigre” expurga o sensacionalismo que costumava acompanhar a representação da periferia até bem pouco tempo. Pensando em perspectiva, é uma mudança bem menos banal do que podemos imaginar.
O FILME ESTÁ DISPONÍVEL PARA LOCAÇÃO NESTE LINK: