Sinopse: “Acampamento do Pecado” se passa nos anos 2000, quando Alice é uma adolescente do meio-oeste dos EUA devota ao catolicismo. Quando um chat online faz com que descubra a masturbação, ela passa a ser consumida por culpa e procurar desesperadamente por redenção divina.
Direção: Karen Maine
Título Original: Yes, God, Yes (2019)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 18min
País: EUA
Com Fama, Sem Cama
Com a agenda de lançamentos bagunçada há quase dois anos pelas tentativas de isolamento social e retomada econômica ao redor do mundo, a chegada de algumas produções – que já demoravam a ver a luz do dia no Brasil – surgem por aqui com o hype tão ultrapassado que é possível que o público-alvo de “Acampamento do Pecado” já tenha recorrido a meios alternativos de assisti-lo. Porém, assim como Olivia Wilde em “Fora de Série” (2019), há boas chances da cineasta Karen Maine angariar um espectador afastado ou pouco interessado em teens movies nesse longa-metragem disponível desde a semana passada no Telecine.
Aqui ela retorna ao início dos anos 2000, um período em que o cinema norte-americano, quando se propunha a representar os adolescentes pela descoberta da sexualidade, o fazia quase sempre pelo protagonismo masculino e usando a objetificação como ferramenta narrativa. Aos poucos essas criações foram se pluralizando e encontrando outras, que também fazem sucesso desde os anos 1970 e 80 e tem como mote expor a hipocrisia da sociedade estadunidense. Não que a obra aqui rompa barreira de gênero ou subverta qualquer ordem imposta. Pelo contrário, ela é até bem limitada para os voos possíveis, porque deseja ser sintética.
A realizadora repete a história de seu curta-metragem de estreia, “Yes, God, Yes“, lançado em 2017 também estrelado por Natalia Dyer. Ela é Alice, uma adolescente consumida pela culpa cristã que terá que lidar com seus instintos e dúvidas relacionadas ao sexo. Bem recebido no SXSW de 2019, “Acampamento do Pecado” nos lembra de uma época em que a internet escancarava uma janela de informações e possibilidades nunca vista. Um meio absorvido pelas gerações mais novas, que atropelaram o planejamento de sociedade de seus pais por esse instrumento. Mais do que isso, aos sites de busca se somaram os aplicativos de trocas de mensagens instantâneas, em que chats com pessoas de qualquer parte do mundo seria possível a qualquer hora do dia. Com elas, o espaço para a disseminação de pornografia.
A protagonista, então, é fruto desse anacronismo, dessa desconexão com as estruturas de poder consolidadas e o horizonte de representações e formas possíveis que a tecnologia começavam a permitir. Maine parece não querer “engrossar” o texto do curta de onze minutos. Ela desenvolve os ideais do retiro Kirkos, onde se localiza o acampamento, após nos mostrar de maneira breve como o ensinamento sexual de uma instituição católica soa carregada de culpa (e misoginia). A masturbação, sobretudo feminina, é apresentada enquanto pecado, contrariando o aconselhamento de autoconhecimento capaz de transformar vidas.
Claro que os adolescentes com seus atos inconsequentes e por vezes motivados pelo desejo acabam criando vias alternativas. Entretanto, sem a informação correta, isso pode gerar uma opressão ainda maior. No caso de Alice, mesmo perdida em seus questionamentos, uma fofoca dá a ela fama de pervertida junto aos colegas. O retiro, então, seria parte da solução – ou da ampliação dos problemas. Organizado na ficção pelo Padre Murphy (Timothy Simons), o acampamento existe na vida real e uso os mesmos quatro pilares apresentados na obra: questionamento, choro, aceitação e vida. Porém, só aqueles que já participaram pode dimensionar isso, em uma espécie de sigilo que impede que o compartilhamento das experiências cheguem ao lado de fora.
Enquanto produto do tempo, “Acampamento do Pecado” evita ao máximo o saudosismo. Usa “Shine”, canção do Collective Soul como gatilho para o tesão reprimido da personagem e as expressões de um mundo online ainda em formação como mola propulsora da narrativa. Parece mais preocupado em deixar como legado a mensagem de rompimento da culpa na jornada de descoberta do próprio corpo. Isso afetará a veia cômica ou a conexão com o espectador? Certamente que sim. Por um objetivo maior? Isso fica a carga de cada um com seus próprios questionamentos.
Veja o Trailer: