Alvorada

Alvorada Crítica Documentário Pôster

Sinopse: Na intimidade do Palácio da Alvorada, o cotidiano da presidente Dilma Rousseff, primeira e única mulher a governar o Brasil, durante o desenrolar dramático do impeachment que a tirou do poder. Rodado entre julho e setembro de 2016, o filme testemunha a tensão e a perplexidade que escalavam no círculo da presidente, em reuniões, telefonemas intermináveis e sussurros ouvidos da cozinha à guarda do palácio de Oscar Niemeyer. Ao mesmo tempo, revela uma personalidade surpreendente nas conversas informais em que Dilma fala de política, história, literatura – e de si própria.
Direção: Anna Muylaert e Lô Politi
Título Original: Alvorada (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 30min
País: Brasil

Alvorada Crítica Documentário Imagem

Majestoso Golpe

Apresentado na mostra competitiva de longas-metragens brasileiros do Festival É Tudo Verdade 2021, “Alvorada” não tem como não ser qualificado como uma das representações mais importantes e urgentes do golpe antidemocrático sofrido pelo Brasil em 2016. Uma ruptura institucional que só levou a resultados imprevisíveis a quem era inocente ou desinformado demais.

Dirigido por Anna Muylaert e Lô Politi, o filme acompanha os derradeiros dias da Presidenta Dilma Roussef em seu cargo. No processo de impeachment por ela sofrido, a data marcante, sem dúvida, foi 17 de abril de 2016. Ali a articulação de Michel Temer e Eduardo Cunha se aproveitou da carapuça que a imprensa serviu, cobrindo os protestos de domingo nas áreas ricas dos grandes centros urbanos. Agendado para este dia, fez do acompanhamento da votação pela abertura do procedimento na Câmara dos Deputados um feriado, uma festa nacional promovida pela elite empresária. Só faltava o pato da FIESP em cima das logomarcas de todos os canais de TV aberta que transmitiram o show de horrores – da platinada ao baú do entretenimento e da felicidade, que saca sua verve política apenas quando convém.

Ali o Brasil deu um importante passo rumo à morte da democracia. Não poderiam ser mais didáticas as manifestações pela “família” e por “Deus” a cada novo voto favorável ao golpe. Todavia, a sangria de nossa dignidade enquanto nação prosseguiu por mais alguns meses. Dilma permaneceu no Palácio da Alvorada, como uma Rainha com trono, mas sem poder. Todas as tentativas de demonstrar a falta de lisura do processo, a politização de um debate técnico e jurídico aconteceu. Encerrando um ciclo de três obras, ao lado de “O Processo” e “Democracia em Vertigem“, o longa-metragem de Anna e Lô tenta registrar as mais genuínas reações a cada derrota, que confirmava o fim do ciclo de prosperidade.

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Nesse nosso país, sem comunismo e corrupção (risos), o distanciamento histórico permite uma análise menos apaixonada de “Alvorada“. Sem a narração desoladora de Petra Costa e não se valendo de arquivos de acalorados discursos do registro analítico do processo, somos confrontados com uma mulher que não se rendeu, não se deixou abater. De forma acertada, a Presidenta compreendeu os tortuosos caminhos pelos quais estávamos adentrando e, em paralelo à sua defesa, procurou “apenas” avisar. E seguiu a vida.

Quem acompanha a política identificará nos bastidores os nomes que nunca abandonaram Dilma. Um elegante Jacques Wagner e um paciente Aloizio Mercadante, acostumados com as reuniões tensas. Além, claro, do Advogado-Geral da União à época, José Eduardo Cardozo. Pois é justo nesses caminhos pelo qual o documentário quer seguir que, por vezes, se perde. Há uma espécie de flashes de vários aspectos daqueles bastidores. Uma mistura de reuniões da equipe de defesa – totalmente técnica – com os debates sobre a melhor forma de lidar politicamente com o caso. Em paralelo, um clima de despedida daquele espaço, que nunca terá dono. Há um momento em que Roussef conta que há um apartamento padrão nos fundos do Palácio, que aquele faz-de-conta serve apenas para os propósitos institucionais. Isso dá a certeza de que não teremos a Presidenta, de fato, na intimidade.

O espectador, contudo, pode se sentir provocado por essa pluralidade de acontecimentos, que se misturaram. Chegou um ponto em que – mesmo esperançosos – o panorama materializava o golpe lento e gradual. Se isso ocorrer, “Alvorada” se ergue como um caos envolvente para o público. A câmera quase sempre precisa encontrar seu foco durante a ação, há um senso de urgência perene, que torna a experiência cansativa. É curioso ter um tipo de produção desta natureza chancelada por um nome forte como Muylaert – o que pode levar alguns puristas a finalmente entender que nem tudo é forma – e nem tudo é estilo.

Ao não adicionar elementos contextualizantes, precisamos projetar nossas vivências, experiências e – sobretudo – opiniões para unir as pontas da História ali mostrada. Dilma, por exemplo, já começava a falar dos programas Ciência Sem Fronteiras e Minha Casa, Minha Vida em um passado, que hoje soa distante – com retorno quase utópico. Ao não trazer falas de outras camadas da população, temos apenas um novo registro da crise pelos olhares da realpolitik, pela fala direta da grande vítima, que admite que nunca se sentiu confortável por estar ali.

O início do terço final, em que a câmera olha para o lado e registra a emoção da equipe da Presidenta assistindo sua fala no Congresso, é um dos grandes momentos. A chegada de Lula e Boulos, a sensação de fim de um ato, nos possibilita ler Dilma Roussef com uma mistura de serenidade e rancor. Não imaginamos ela fazendo nada diferente, mas mesmo assim há uma decepção com os rumos pelo qual o Brasil seguiu. Sem dúvida a emblemática cena de outras mulheres, funcionárias do setor de limpeza do palácio, ocupando aquela cadeira, marca. As consequências do golpe na classe trabalhadora estão aí, um rastro de morte e miséria e precisam ser discutidas.

Alvorada” parece encerrar o ciclo de obras que dimensionam o tamanho da ferida aberta a partir dos protagonistas. Estamos prontos, então, para olhar para o povo em 2016. Tentar, novamente, entender como chegamos até aqui.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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