Sinopse: Vidigal compositor, cantor e performer, vivia entre as ruas do baixo centro belorizontino, onde faleceu após uma crise convulsiva e pela falta de atendimento. As filmagens interrompidas pela distância geográfica, pretendiam retrata-lo apenas em condições de sobriedade, valorizando sua inteligência criativa.
Direção: Cris Ventura
Título Original: Amador (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 20min
País: Brasil
O Peso da Vida
“Amador“, parte da programação da Mostra Olhos Livres da 24ª Mostra de Cinema de Tiradentes, marca o retorno ao evento da cineasta Cris Ventura – que em 2013 apresentou no festival o longa-metragem “Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos” (disponível no canal da cineasta no Vimeo nesse link). É mais uma obra em que a documentarista é responsável por quase todos os elementos e processos, da produção à montagem.
Aqui ela traz um documentário de acompanhamento, tendo como protagonista o finado performer e poeta Jonatas Vidigal Amador, que faleceu em novembro de 2019. A concepção da obra não encerrou seu ciclo, visto que a diretora não completou a produção das imagens que julgava necessária do artista marginal. O longa-metragem completa alguns espaços com falas em off de familiares e amigos de Vidigal.
Há certa semelhança com a produção que abriu a Mostra Tiradentes, “Ostinato” (2021). A grande âncora do filme é uma longa sequência, direcionada pela montagem para a parte final, expediente também usado por Paula Gaitán. É quando Jonatas se debruça em suas próprias reflexões, que vão do preconceito com pessoas em situação de rua até a existência de motivos para se manter vivo – com uma teoria nietzschiana atravessada.
Curioso que o artista era marcado por ter a rua como grande (senão único) cenário de suas criações e representações. Todavia, é no sofá de casa que ele expõe suas falas mais contundentes. O preenchimento prévio a esse ponto alia algumas performances com conversas mais soltas. Não há uma preocupação em caracterizar o biografado, até porque isso demandaria uma rotulação de si. Os elementos que compõem Vidigal surgem sutilmente em suas falas, como, por exemplo, a inspiração no corte de cabelo de Elis Regina como decisão para se aproximar de uma representação andrógina.
“Amador” é um documentário que nos lembra a todo instante do peso da vida. Saber previamente o destino de seu personagem potencializa suas manifestações. Acaba que suas provocações soam mais sérias a partir do momento em que sabemos de seu martírio. Isso endurece a experiência de forma diferente e do originalmente pensado. A destruição de tudo com o chamado terrorismo erótico é uma das instigações de Vidigal que, no ritmo pesado imposto por Cris Ventura, se torna mais sisudo do que de verdade é. Não há demérito e sim uma flagrante relação sentimental com o material produzido.
A decadência de Belo Horizonte enquanto espaço urbano – seguindo a tendência das capitais vizinhas, é pouco explorada. Jonatas é da rua, mas pouca rua se vê. Além disso, o resgate do flaneurismo gestado por Walter Benjamin soa como um didatismo deslocado. Uma obra que flerta com o marginal, mas não aposta nele enquanto linguagem. Mesmo assim, é um ótimo registro de uma figura importante na cena artística daquele território, que desenvolveu sua criatividade internamente.
“Amador” é sobre alguém que, observando o que tornaria sua vida mais difícil, gerou em si empatia por aqueles que possuem obstáculos ainda maiores. Tratou de criar vínculos, afetos, de socializar através da arte. Uma arte transgressora, que nos faz tratar do que precisamos articular dentro de nós. Precocemente as provocações de Jonatas Vidigal Amador se esvaíram. Fica essa leitura sensível e de pouco distanciamento de Cris Ventura – brilhando agora em outros palcos mineiros.
Clique aqui e acesse os filmes da Mostra Tiradentes (até 30.01)