Sinopse: Arthur Rambo é um pseudônimo de alguém que espalha mensagens de ódio nas redes sociais. Mas, quem ele seria na verdade? Talvez um jovem e inconsequente escritor frustrado, empenhado em fazer sucesso? Quando a verdade vem à tona, a vida e a carreira de um jovem escritor descendente de imigrantes é colocada duramente em xeque.
Direção: Laurent Cantet
Título Original: Arthur Rambo (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 27min
País: França
Na Real
Exibido na programação do Festival do Rio dentro do serviço de streaming do Telecine, a produção francesa “Arthur Rambo – Ódio nas Redes“, começa com uma fala importante de seu protagonista e narrador, refletindo a escalada de xenofobia na Europa. O ator Rabah Nait Oufella começa a se apresentar como Karim D., jovem escritor que atinge sucesso meteórico com uma obra carregada de humanidade, a partir da palavra. De descendência argelina, ele diz que sua mãe escolheu a França, mas a França não escolheu sua mãe.
Não é surpresa para todos aqueles que convivem (por obrigação ou não) com o ambiente das redes sociais, a reviravolta narrativa que acontece no filme em sua primeira metade. O longa-metragem dirigido por Laurent Cantet se constrói em uma grande onda de engajamento positivo. O estrelato de Karim é destrinchado em uma noite. Sempre favorável, o rapaz sai de uma entrevista bem-sucedida para a televisão direto para uma festa da editora, que comemora o recente best-seller.
Dali em diante “Arthur Rambo – Ódio nas Redes” revelará outra face do prodigioso autor. Em poucas horas, o horizonte de grandes feitos e estabilidade vira um linchamento virtual. Descobrem que Karim também é Arthur Rambo, dono de um perfil que dissemina discurso de ódio no Twitter – o ambiente mais tóxico de todos dentre aqueles que trabalham com as palavras e sabe o quando elas machucam o outro. Aqui podemos pensar e refletir em duas motivações para as escolhas da criação digital do protagonista.
A primeira é que o habitat digital vem exigindo cada vez mais daqueles que querem se destacar um comportamento agressivo. A verborragia, por sinal, foi alçada como método de sucesso por aqueles que disseminam tanto o ódio quanto o amor. Uma tática que nos coloca no fio de uma navalha, na corda-bamba de um precipício o qual não conseguimos enxergar seu fundo. Essa leitura generalista não apenas explica certas presenças nas redes, mas também muitas ausências. Não postar, sair dessa ciranda de engajamento, pode ser fundamental para manter a saúde da mente em dia.
A segunda parece ser mais centrada na realidade daqueles tratados com alta dose de discriminação e xenofobia na sociedade. Karim, francês filho de argelinos, não consegue se sentir acolhido no próprio país. Visto como um imigrante, como alguém que lá está para tomar empregos e oportunidades dos “franceses”, seu alter ego virtual parece buscar o pertencimento. Ao assistir de forma hegemônica um ataque aos grupos minoritários, ele traça esta personalidade quase como um mecanismo de defesa. Será pego no contrapé da hipocrisia.
Arthur Rambo é fruto de uma realidade que confunde a liberdade de expressão como premissa, permitindo e aceitando (por parte de alguns) o discurso de ódio. Como mencionamos, eleger a agressividade como método tem encontrado um público muito maior do que se imaginava quando a internet e as redes sociais ganharam forma no mundo. Esperávamos transmissão de conhecimento e democratização do poder de fala. Ganhamos o puro chorume de discursos fascistas, ganhando capilaridade endêmica entre um povo combalido pelas mentiras do passado que a mídia nos empurrou.
Diante do linchamento virtual, Karim apelará para o argumento de que seu Arthur Rambo é uma faceta performática, que seria a subversão da ideia de ovo da serpente e que ele, na verdade, presta um serviço ao desmascarar racistas e intolerantes nas redes. Cantet, vencedor da Palma de Ouro de Cannes em 2008 e indicado ao Oscar de melhor filme internacional por “Entre os Muros da Escola” (2008), sabe como aplicar uma leitura da sociedade francesa a partir de um personagem paradigmático. Aqui ele opta por inverter a narrativa tradicional, sendo mais divagante na segunda metade, quando o público tem quase todas as informações que precisa.
Nessa imersão narrativa, na qual o protagonista parece finalmente sentir o peso das palavras que evocou para agredir de forma gratuita alguns grupos, parece residir certo didatismo na atual confusão entre real e virtual – ou entre realidade e ficção. Não conseguimos suprir o descrédito junto àqueles que formavam a opinião pública com uma pauta positiva. Deixamos extremistas cooptarem e usurparem as redes a seu favor, pelo viés da desinformação.
Em “Arthur Rambo – Ódio nas Redes” parecemos condenados a vivermos perdidos. Não conseguimos mais diferenciar a violência da ironia, a performance da agressão. Quando tudo ganha o mundo pelos mesmos meios, consumidos no meio de rotinas exaustivas e insanas, qualquer leitura que problematiza ou relativiza demais é possível. O que está por trás das intenções de Karim ou de Cantet, pouco importa. A arte já é vista na sociedade como ininteligível e hipócrita, em um mundo em que virtualizamos as relações para nos esconder do que chamávamos de realidade.
Veja o Trailer: