O Pai da Rita

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Assista entrevista exclusiva com Joel Zito Araújo, diretor de “O Pai da Rita”.

Assista à entrevista com Joel Zito Araújo:


Sinopse: Roque e Pudim, compositores da velha guarda da Vai-Vai, partilham uma quitinete, décadas de amizade, o amor pela escola de samba e uma dúvida do passado: o que aconteceu com a passista Rita, paixão de ambos. O surgimento de Ritinha, filha da dançarina, e as sombras do compositor Chico Buarque, ameaçam desmoronar essa grande amizade.
Direção: Joel Zito Araújo
Título Original: O Pai da Rita (2022)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 37min
País: Brasil

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Com Açúcar, Com Afeto(s)

O filme que encerra a edição online e televisiva do Festival do Rio, em parceria com o Telecine, no ano de 2022, coloca o cinema negro brasileiro em lugar de destaque. “O Pai da Rita“, mais recente longa-metragem de ficção do mestre Joel Zito Araújo, é uma comédia que fala da paternidade, a partir da união entre resistências culturais clássicas e modernas na paulicéia desvairada. A São Paulo que é de Mario de Andrade, assim como de Arnaldo Xavier. E também é de Joel, que escreveu parte de sua história e, por consequência, do audiovisual negro do nosso país, sob forte influência deste território.

Sobre estas relações, deixemos que o próprio realizador se manifeste. Ao final desse texto você tem acesso a uma conversa muito especial da Apostila de Cinema com Joel Zito Araújo. A ambientação no bairro do Bixiga, sob o risco de perder parte de sua identidade com o despejo da quadra da escola Vai-Vai, traz o grande aspecto da obra. Aquela que o diretor aponta como um dos objetivos. Por trás da história da jovem vivida por Jéssica Barbosa e a busca pela identidade do pai, permanecendo a dúvida entre o Roque de Ailton Graça e o Pudim de Wilson Rabelo, há uma cápsula do tempo.

Esta cápsula existe de forma restrita, dentro da narrativa de “O Pai da Rita”. Podemos absorver os espaços de afetos e sociabilidade negra do centro nervoso de São Paulo, como aponta o realizador. Mas há uma cápsula que ultrapassa a trama, que viaja pela filmografia de Joel Zito e vai se mostrando partículas de uma gênese (ou um big bang) que ultrapassa a História do Cinema Brasileiro. Quando coexistem em um set de filmagem a Deputada Estadual e criadora do espaço cultural Quilombo Urbano Aparelha Luiza, Erica Malunguinho, e parte da realeza da dramaturgia nacional Léa Garcia, há espaço para festa (definição dada por Araújo em sua fala) e, também, para construção (e reconstrução) de memórias.

Há dois diálogos interessantes do filme com outras obras lançadas nos últimos anos. Em relação à temática, a paternidade negra (ou melhor, as consequências de uma eventual ausência) havia sido objeto de “O Novelo” (2021), um dos destaques da última edição do Festival de Gramado. Ali pela leitura focada nos filhos e como a relação entre irmãos sobre influência do pai e suas escolhas. A forma como Roque e Pudim tratam a dúvida sobre o vínculo biológico com Ritinha é uma forma do roteiro trazer uma visão tradicional – e até um pouco “envelhecida” para mentes progressistas – sem deixar de atualizar e tecer uma história com o brio da contemporaneidade.

Ao ponto de, para alguns espectadores, a mensagem que fica em “O Pai da Rita” é de que não faz muita diferença a origem do vinculo de paternidade – e sim o qual valioso é a sua existência. Ritinha surge na história como um elemento estranho àquele espaço. O prólogo traz uma roda de samba animada, com a Velha Guarda da Vai-Vai, a divina Léa, a espetacular Elisa Lucinda e Ailton e Wilson fazendo as vezes de compositores. Ao fundo, a moça registra em fotografias aquele território. Isso para, ao final, Joel Zito voltar à mesma roda de samba para transformar o clímax em epílogo. Afinal, a vida não é tão pragmática quanto aqueles programas de TV que mantinham a audiência presa na poltrona para revelar quem é o “verdadeiro” pai. Definir auge ou clímax em uma trajetória real pode ser um exercício de frustração.

Para além dos conceitos de verdade e de paternidade, há as associações e afetos que fazemos e trocamos pelo caminho. A história se dá por contada no momento em que Ritinha, Roque e Pudim se transformaram. Eles não conseguiram emplacar o samba da Vai-Vai porque talvez lhes falte um toque de modernidade. Mas no tradicionalismo que lhes é peculiar, entenderam suas missões. Quase que a amizade restou contaminada, é verdade. Porém, concluíram que só há conflito para aqueles que se armam ou são atacados. O passado de ausência ou negligência não pode ser desculpa para perpetuar a fuga da paternidade ou a masculinidade tóxica. O longa-metragem costura sua comédia cotidiana a partir de embates que, a grosso modo, existem de cada personagem em face dele mesmo.

O segundo diálogo é territorial e mencionamos na entrevista o documentário “Chico Rei Entre Nós“, da diretora Joyce Prado. A paulistana fez em seu filme caminho parecido com o de Araújo na vida real. Sai de Minas Gerais e chega em São Paulo para traçar parte da historiografia negra em um país aos quais chegaram às custas de séculos de sofrimento e crueldade. Neste ponto, “O Pai da Rita” é quase um primo da obra citada. Consegue incluir em sua ficcionalidade um mosaico cultural, artístico, religioso e político pela ótica da resistência e da subversão do passado de lutas e sofrimentos. Erguem-se novas memórias, em um set de filmagem de vitória e festa.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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