Sinopse: O documentário faz uma viagem para apresentar as ex-jogadoras da seleção de vôlei feminino japonesa. Agora já na casa dos 70 anos de idade, elas eram conhecidas como As Bruxas do Oriente, por causa de seus poderes aparentemente sobrenaturais nas quadras. Da formação do time no final da década de 1950 como uma equipe de trabalhadoras de uma fábrica têxtil até o triunfo nos Jogos Olímpicos de 1964, em Tóquio, as memórias das ex-atletas se transformam em uma narrativa em que fatos e imaginação caminham juntos.
Direção: Julien Faraut
Título Original: Les Sorcières de L’Orient (2021)
Gênero: Documentário | Esporte
Duração: 1h 40min
País: França
O Ataque da Máquina
Se alguém me falasse que um dos destaques até agora da 45ª Mostra SP reuniria um revolucionário time de vôlei dos anos 1960, animes e um clássico do Portishead, eu diria que a pessoa estava viajando em sua própria imaginação. Mas, o poder do audiovisual permite que essas ideais se conectem no documentário “As Bruxas do Oriente“, presente na mostra Perspectiva Internacional. Dirigido por Julien Faraut, é mais uma obra do Mestre em História pela Universidade de Paris que coloca o esporte como centro da narrativa. Confesso que não assisti às outras produções do cineastas, sobre rúgbi, o tenista John McEnroe, dentre outros. Porém, se algo que podemos confirmar é que ele sabe conectar saberes e romper com a ideia de que essas atividades pouco influenciam na cultura ao redor do mundo.
Além disso, adiciona mais uma história na trajetória de resgate de apagamentos de mulheres nas últimas décadas. Aqui há um diálogo com outro documentário interessante de 2021, “Glória à Rainha” (2020), que Tatia Skhirtladze apresentou no último Festival É Tudo Verdade e que fala de quadro enxadristas lendárias da Geórgia. O vôlei, entretanto, é um esporte coletivo e teve na seleção feminina do Japão um ponto de virada importante para sua população e promoção a esporte olímpico.
Apesar de começar a ser praticado no país no início do século XX, apenas em 1955 sua federação se sujeitou às normas internacionais. Até que 1962 o mundo entra em choque quando um grupo de mulheres, em um time formado em uma fábrica, derrota a poderosa União Soviética no campeonato mundial. Ali começava a derrocada da escola dominante, baseada na força dos ataques e tem início uma outra forma de prática, que prioriza a velocidade dos ataques e a elasticidade dos movimentos. Um exemplo japonês de como se adaptar aos desafios de uma atividade na qual encontramos limitações.
Dois anos depois, em 1964, os Jogos Olímpicos de Tóquio estreariam o vôlei no rol de seus esportes – com a conquista da medalha de ouro pelo Japão no dia em que o judô – que também começava sua jornada olímpica – trouxe decepção para o país. Poderíamos falar muito mais das transformações nessa atividade que se originaram no árduo treinamento das personagens de “As Bruxas do Oriente“. De tão impactante a qualidade de seu jogo, elas caíram na cansada estereotipização da sociedade que atribui feitos extraordinários das mulheres a algo místico – ou pactos com o diabo. Bruxa, em uma época em que estávamos começando a romper barreiras culturais, era um termo ainda muito ofensivo para as japonesas.
O cineasta traz elementos visuais dos mangás desde o início do filme. Na apresentação das atletas, em seu reencontro, até a utilização das imagens do anime “Attack No. 1“, baseado na trajetória do time e considerado um dos pioneiros do shōjo, direcionado ao público adolescente e levado com sucesso de audiência na TV ainda nos anos 1960. O arco inicial da narrativa traz alguns dos traumas daquelas jogadoras, refletindo uma nação que tentava superar a destruição econômica e moral com o término da II Guerra Mundial (evento que fez com que os primeiros Jogos no país fossem cancelados na década de 1940). Uma delas nasceu em um abrigo antiaéreo, outra teve o pai morto durante uma batalha, dentre outros exemplos.
Entre elas, trocaram apelidos de acordo com suas personalidades. Já o treinador é alguém que traz as bases disciplinares típicas daquela comunidade com um raro afeto que supre um pouco a ausência de algumas figuras paternas. Imagens de arquivo revelam alguns segredos em “As Bruxas do Oriente”. As atletas mais jovens e reservas chegavam antes nos espaços e preparam a quadra e o material para as titulares. Uma forma de construir uma hierarquia baseada no respeito e de criar motivações para alcançar o grande objetivo: entrar em quadra.
Dedicando muito das imagens ao esporte em si, os fãs do gênero levarão com carinho a experiência dessa sessão. Destaque para a reconstituição da derradeira partida contra a União Soviética, em uma montagem que reúne as fitas da equipe e o anime – e as cenas dos treinamentos que mostravam a destreza impressionante das jogadoras ao com de “Machine Gun” do Portishead. Consolidando a cultura pop também como personagem do documentário.
A forma como aquela seleção de vôlei se apresentou não apenas impactou a cultura de seu país, mas foi impactada em sua origem. Um elo de ligação de um treinador que queria fazer das atletas novas bonecas daruma (que ficam rolando quando empurramos e nunca caem) e se transformou em personagem do mangá de origem criado por Chikako Urano, além de outro anime mais recente, “Haikyuu!!“.
Ainda sobra espaço para que “As Bruxas do Oriente” crie elos com o time da fábrica em transições para apresentar o desenvolvimento industrial do Japão e encerrar concentrando seu ato final no olhar de legado esportivo. Se para cada vitória consecutiva daquele time uma edição das emblemáticas revistas japonesas fossem lançadas, teríamos uma série em mangá de 259 edições. Ou seja, o melhor ao final do filme é saber que há muito mais a ser contado e descoberto além do panorama ali apresentado.
Veja o Trailer: