Sinopse: Em “Atlântida”, Daniele é um jovem de Sant’Erasmo, uma ilha às margens da Lagoa de Veneza. Ele vive à sua própria maneira, isolado até mesmo dos amigos, que estão constantemente ocupados em uma existência que busca prazer por meio do culto aos barchinos, nome dos barcos a motor da região. Essa obsessão ganha forma na construção de motores cada vez mais potentes para transformar as pequenas lanchas da lagoa em barcos de corrida tão rápidos quanto perigosos. Daniele também sonha em construir o barchino mais veloz, mas tudo o que ele faz para realizar esse desejo e ganhar o respeito dos outros parece dar errado.
Direção: Yuri Ancarani
Título Original: Atlantide (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 40min
País: Itália | França | EUA | Catar
Exploratório
“Atlântida“, parte da Competição Novos Diretores da 45ª Mostra SP, teve sua première internacional no Festival de Veneza deste ano. Lá, ele foi exibido na seção Horizontes, uma das paralelas à competitiva e trouxe, para o público local, as cercanias de um território vendido há décadas como um espaço mágico, daqueles que a Humanidade elege em seus intentos econômicos de vez em quando. O diretor Yuri Ancarani, entretanto, nasceu na comuna de Ravena, na região de Emília-Romanha, pouco mais de duas horas de Veneza. Em seu segundo longa-metragem ele cria uma viagem sensorial sobre um jovem que vai da periferia da cidade para seu centro turístico, em forma de ocupação.
Daniele (Daniele Barison) vive em Sant’Erasmo, uma ilha que a grande maioria dos milhões de turistas que viajam para aquela área italiana todos os anos sequer tomarão conhecimento. Ali ele vive o início de fase adulta marcada pela ausência de perspectiva. Dedica parte de seu tempo a andar de lancha pela célebre lagoa e observa a composição visual das dinâmicas sociais em curso. Mesmo na solidão com a qual navega, em torno dele representantes de altas classes sociais ostentam os seus barcos mais luxuosos, potentes e recheado de amigos.
A juventude de “Atlântida” é a do apego pela imagem, das selfies e stories que se sobrepõem à experiência. Para grande parte dos homens e mulheres ali o que vale é a demonstração e não a sensação. O cineasta, então, usa sons que para muitos de seus personagens são recebidos com indiferença. Da música eletrônica de fundo, que não é percebida como um convite à dança, às badaladas dos sinos de uma cidade com suas tradições cristãs bem distantes para as novas gerações. O protagonista, porém, se mantém fixo em seu objetivo de viver a solidão. Ao final do dia, pesca as centenas de garrafas de vidro e plástico espalhadas pelas águas, prática destruidora que demonstra o desapego pelo lugar que aqueles jovens deveriam preservar. No detalhe da direção, uma mancha de óleo na água.
Veneza, Cannes, Miami, Dubai, Barra da Tijuca. Ao redor do mundo é comum que os países e cidades criem espaços segregadores e deixe os habitantes do entorno às margens. E aqui, literalmente. No processo de observação de Daniele, um transatlântico surge no horizonte trazendo uma nova leva de turistas que viverá a Veneza que a ele não é permitida. Parece ser o convite para que ele ocupe o território. Ancarani flerta com o audiovisual de dispositivo, ao mostrar o protagonista em uma caminhada acompanhada por uma trilha daquelas genéricas de vídeos esportivos ou feitos para o YouTube. Depois, a câmera lenta.
Ao chegar em Veneza, “Atlântida” ganha a formatação da narrativa marginalizada. Explora a falta de perspectiva, usa o rap como fio condutor e a música eletrônica ganha outros objetivos. Na luz de LED que sai da lancha à posição da câmera, tudo conflui para deixar Daniele com a cidade em suas mãos. Uma virada de trama até tenta dar um ritmo mais tradicional ao filme, mas seu ato final mergulha na exploração de um dos locais mais famosos da Europa. A exploração de alguém que é visto pelo outros como alguém a ser explorado.
Veja o Trailer: