Sr. Bachmann e Seus Alunos

Sr. Bachmann e Seus Alunos Documentário Crítica Filme Poster

45ª Mostra SP LogoSinopse: “Sr. Bachmann e Seus Alunos” é um documentário intimista que retrata o vínculo entre um professor do Ensino Fundamental e seus alunos. Seus métodos não convencionais entram em conflito com as complexas realidades sociais e culturais da cidade operária e provinciana alemã de Stadtallendorf, onde vivem.
Direção: Maria Speth
Título Original: Herr Bachmann und seine Klasse (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 3h 37min
País: Alemanha

Sr. Bachmann e Seus Alunos Documentário Crítica Filme Imagem

Um Conjunto de Lições

É bem provável que, na fluidez de um festival online, com o público criando suas próprias métricas para escolher a sessão de um filme dentro de sua rotina, o documentário “Sr. Bachmann e Seus Alunos“, de mais de três horas e meia de duração, seja um dos primeiros a ser riscado da lista. Quem fizer isso perderá um excelente longa-metragem de observação de um professor e seu grupo de alunos no último ano do ensino fundamental, dentro do sistema educacional alemão.

Mais do que isso, a obra de Maria Speth, parte da seção Perspectiva Internacional da 45ª Mostra SP, também nos provê duas aulas sobre montagem. A primeira cumpre a desafiante missão de tornar seus mais de duzentos minutos em uma experiência nada cansativa. Sem apelar para longos testemunhos, que apenas reproduziriam o que já estamos vendo na tela, o público é convidado a assistir ao desempenho de diversas funções de um mestre junto a seus pupilos. Mais do que isso, o protagonista vai também se transformando ao longo do filme, demonstrando a necessidade de se atualizar para uma geração que vê na sala de aula um espaço ainda mais limitante e pouco desafiador.

Só que a cineasta induz uma cronologia e é interessante acompanhar como ela pode não refletir uma linha temporal definida. “Sr. Bachmann e Seus Alunos” é uma obra sobre um homem em transição e não uma jornada na qual ele se recicla enquanto professor. Porém, ao escolher ancorar algumas passagens com momentos marcantes de um ano letivo, como o primeiro dia, as avaliações e o encontro de formatura, o documentário se serve a essa leitura, promove essa ideia de que indivíduos que ensinam precisam se adaptar e alterar sua forma de agir conforme aquele grupo apresenta suas demandas.

Se pensarmos nas conexões com a realidade brasileira, chama a atenção uma turma bem menor do que  o tradicional nas salas de aula do país. Com cerca de quinze alunos, o professor experimenta todo o tipo de abordagem. Muda a configuração do espaço pra que o encontro seja visto mais como uma conversa, depois vira um contador de histórias, deixando os adolescentes tirarem conclusões, mensagens e conhecimentos nos debates. Por mais que seja um método utilizado há um tempo, o fato de não ser vanguardista não tira parte da representação não ortodoxa como algo, ainda, estranho para parte do público.

Um mestre que instiga os alunos a se manifestar, mas que parece menos conectado com eles do que imagina. Acreditando ser moderno com sua camisa do AC/DC, ele sabe que hoje precisa muito mais do que humanismo e respeito às individualidades dos discentes para que seu trabalho seja bem-sucedido. Na Era da Informação, em que a “utilidade” de um território como a escola é ainda mais questionado, Bachmann precisa estar presente além daqueles limites. O curioso é que ele parece escolher o melhor caminho para quebrar o desinteresse dos jovens ao virar uma espécie de tutor e guia dos planos imediatos de futuro de todos que quiserem. A educação parece encontrar sua função enquanto facilitadora – em paralelo à possibilidade de autonomia.

Sem criar regressões e digressões que nos fariam perder o foco da narrativa, vamos participando de orientações de alguns alunos que desejam ingressar no ensino técnico – e seu professor acaba virando um guru. Já a delicada relação que objetiva quebrar a reprodução de xenofobia vem pelo olhar de uma migrante turca na classe. Eles vivem um momento importante, uma virada de chave do Fundamental para o Médio que (não deveria ser, mas) é encarado com medo por boa parte deles. As perspectivas de um período que se concluirá com a escolha da carreira e que o o cineasta João Jardim trouxe em outro ótimo documentário, “Atravessa a Vida” (2020).

Como se quisesse criar uma barreira que evita o constrangimento de ter a autoridade questionada, Bachmann parece ter se adaptado bem aos novos tempos. Os aparelhos de telefone celular são recolhidos em determinado momento, mas parece que a disciplina não é o fraco naquela classe. Não há como não conectar a obra com “High School” (1968), clássico do cinema vérité dirigido por Frederick Wiseman. Novas dinâmicas exigem novas leituras e Speth parece disposta a marcar seu tempo. Sem eventos catárticos, como outro grande filme do ano passado que se passa em ambiente escolar pelo viés da ficcionalidade em “Cabeça de Nêgo” (2020). Aqui há a exploração da mais pura rotina de uma instituição.

Apenas na segunda hora de “Sr. Bachmann e Seus Alunos” nós saímos do ambiente escolar. O professor se mistura com a comunidade pela música, pela religião, reflete sobre a migração de outros povos e a dificuldade dos filhos, como a menina turca, de adicionar o alemão como nova disciplina – um prejuízo difícil de ser tirado. Parte da metodologia do mestre parece datada, com a utilização de vídeos e slides que ousam transportar os jovens para um museu. Sua presença funciona mais quando ele transforma suas interações sociais em um processo de integração, até mesmo de ruptura hierárquica.

Por isso que, aos poucos, a montagem da própria diretora vai dando a sensação de uma trucagem. Ao não segmentar e criar pequenas unidades dentro do filme, ela quer induzir uma cronologia que merece ser questionada. Porém, para aqueles que se prendem a inícios, meios e fins, esse adensamento das trocas entre professor e alunos, propondo uma ideia de cumplicidade e confidência, funciona bem. Perto do fim “ano” (ou apenas do longa-metragem), questões de gênero e sexualidade também ganham espaço, como se fosse mais um estágio a ser alcançado em uma didática sistemática.

Terminamos “Sr. Bachmann e Seus Alunos” com uma bonita confraternização, depois que o protocolo de dar as notas das avaliações liberta a simpática figura do professor da imagem de autoridade. É apenas o início de um vínculo que o tornará um grande amigo de parte daqueles futuros adultos.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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