Atravessa a Vida

Atravessa a Vida

Sinopse: Ao acompanhar alunos do 3º ano do ensino médio de escolas públicas no interior de Sergipe que se preparam para a prova que pode determinar o resto de suas vidas, o documentário retrata as angústias e os prazeres da adolescência por meio de seus gestos, inquietações e conquistas.
Direção: João Jardim
Título Original: Atravessa a Vida (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 22min
País: Brasil

Atravessa a Vida

Atravessamentos e Interrupções

O segundo longa-metragem nacional da mostra competitiva do 25ª Festival É Tudo Verdade, “Atravessa a Vida“, retorna ao duro ano de 2018, em que uma eleição presidencial consolidou a mudança de rumos do Brasil. João Jardim, diretor de dois importantes documentários brasileiros do século XXI, “Janela da Alma” (2001) e “Lixo Extraordinário” (2010) nos leva ao terceiro ano do ensino médio do Colégio Estadual Milton Dortas na cidade de Simão Dias, Sergipe, centro de referência na região. Ali, aqueles que já se esqueceram o que é viver um ano de vestibular, observarão por quase noventa minutos o que é ser um professor ou um adolescente em período tão crítico da nossa sociedade.

Mesmo sem protagonismos (há um grande leque de alunos entrevistados e sequências de aulas com os mais diversos professores), é tocante como a diretora da escola tem o poder de representar toda uma classe. Dividida entre coordenação da instituição de ensino, fiscalização das obras que acontecem no meio do ano letivo e supervisão do trabalho do corpo docente, sobra pouco tempo para que ela externe sua preocupação com os alunos. Mais do que escolher licenciaturas ou pedagogia como carreira, o que dificulta ainda mais é a maneira plural como um profissional de ensino é desvalorizado nesse país. Talvez a carga imposta aos adolescentes, naturalmente interessados em outras questões por conta da idade, maquiem os verdadeiros vilões daqueles que – imbuídos em uma missão – sofrem com baixos salários, má condições de trabalho, monitoramento ideológico de governos metidos a galudos e questionamentos dos pais.

Jardim monta “Atravessa a Vida” de modo a tornar o espectador mais um participante daquele sistema. Somente depois, quase na segunda metade, ele expande seus horizontes para as questões externas. Retrata toda a ansiedade, a pressão e a cobrança de quem é doutrinado a ter, no ENEM, o Dia D de toda a sua existência. Adolescentes que precisam projetar um futuro hipotético, dependente de uma nota. As dificuldades de concentração são quase unânimes e o fator idade, já mencionado, é apenas um deles. É como se tudo parecesse mais interessante na vida do que sentar naquela carteira do colégio. Até porque, mal vivemos até então.

O documentário, então, vai se abrindo para apontar como a vida escolar é mais do que a busca por uma carreira escolhida como se fosse um modelo de geladeira. Com a diferença de que nessa escolha você armazena seu futuro. Professores tentam despertar o pensamento crítico, em debates sobre pena de morte e aborto, muitas vezes em vão. O diretor insere então depoimentos de carga emotiva para demonstrar as particularidades de cada jovem daquele microcosmo. Problemas em casa, como violência, crises financeiras e pais separados. Conhecemos os roteiros, mas cada novo depoimento é uma vida. Quando se amplia para falar do suicídio entre adolescentes, João Jardim não poupa o espectador da densidade visual.

Em “Espero tua (re)volta” (2019) pudemos conhecer formas de se lutar por aquele espaço. Para muitos, a escola é a esperança, mesmo que isso não esteja vinculado ao tal vestibular. Não à toa, muitos de nós apontamos esses locais quando cumprimos nosso dever civil (obrigatório) de expedir o título de eleitor. Se passando em 2018, era fundmental que o diretor reservasse um espaço para o exercício da democracia por aqueles adolescentes em uma eleição que, esperamos, foi atípica. Muitos votavam pela primeira vez e é interessante como há ali um receio de não ser um ato que perdure.

Atravessa a Vida” é sobre alunos e também sobre professores. Como eles precisam se adaptar às modernidades e mudanças de sua comunidade sem que estejam disponíveis ferramentas para a produção do básico. É se valer de paralelos bíblicos em referência ao crescimentos da população evangélica para ensinar História. É seguir ensinando Matemática, mesmo que esteja nos olhos da sua plateia que pouco se entendeu. Por trás daquele vídeo de um adolescente desesperado barrado na porta do ENEM, aquele que você acha graça em um domingo à tarde, há uma vida como aquelas mostradas no documentário.

A experiência vai consolidando na nossa mente a ideia de que não há no vestibular fracassos ou vitórias, apenas formas da vida seguir seu rumo em uma das mais variadas formas. Mesmo assim, replicamos essa cultura que abala psicologicamente os jovens todos os anos. Os créditos de “Atravessa a Vida” demonstram que o final feliz é um conceito aberto, porque nunca sabemos quando chegamos ao fim. Não é naquela prova. Nem naquela eleição.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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