BAC Nord: Sob Pressão

BAC Nord: Sob Pressão Filme Netflix Crítica Poster

Sinopse: Em “BAC Nord: Sob Pressão”, cansados dos casos pequenos, três policiais têm a chance de desmantelar uma rede de tráfico de drogas em Marselha. Mas as coisas se complicam depois que uma informante pede um favor.
Direção: Cédric Jimenez
Título Original: BAC Nord (2021)
Gênero: Crime | Thriller | Drama
Duração: 1h 45min
País: França

BAC Nord: Sob Pressão Filme Netflix Crítica Imagem

Inteligência Rara

Colocaram alguma coisa boa na água programador da Netflix esta semana. O francês “BAC Nord: Sob Pressão“, escrito e dirigido por Cédric Jimenez, nos surpreendeu positivamente – assim como “O Pai que Move Montanhas“. Após ser apresentado no Festival de Cannes de 2021, o longa-metragem chega a todas as partes do globo a partir da distribuição internacional da plataforma de streaming. Uma obra policial que nos leva à política fracassada da guerra ao narcotráfico e como seu ideal punitivista só tende a levar a grandes prejuízos, em todas as sociedades onde este é o caminho seguido.

Por sinal, uma narrativa posta à mesa em mostras de cinema internacional com a vitória de “Tropa de Elite” (2007) no Festival de Berlim. A filmografia do argentino de Pablo Trapero e outras representações se inspiraram nesse mote. Com o avanço dos debates sobre a eficácia deste “remédio” policial e a globalização que pulverizou as redes internacionais em nichos do comércio alternativo de alta demanda (envolvendo drogas ilícitas e as lícitas em falsificações e desvios). Um expediente que ocupa quase todos os centros urbanos relevantes do planeta. Na cidade portuária de Marselha, somos apresentados a três agentes da lei que trabalham infiltrados – em um histórica baseada em fatos.

O trabalho deles é, de maneira flagrante, a tática de “enxugar gelo” que a PM do Rio de Janeiro – mostrada no topo de sua organização com heroísmo por José Padilha – promove há algumas décadas. O prólogo nos traz a situação que reencontramos no terço final. Nela, Gregory Cerva (Gilles Lellouche) está sendo cadastrado no sistema penitenciário de seu país. Corta para oito meses antes e ele está em uma dessas pequenas operações. Aqui no país eles costumam gerar fotos, de certa forma, constrangedoras de operações de algumas gramas de maconha, armas brancas e – para a alegria da corporação – um ou outro fuzil. Um tipo de “inteligência” que não faz qualquer sentido, já que sobrecarrega o Estado com um orçamento inflado para a segurança pública em um guerra perdida.

Afinal, se a exigência de fechamento de estabelecimentos e a determinação de todas as autoridades de saúde da Terra não impediu os mais animados de seguir festejando e promovendo aglomerações, não será pequenos desfalques na oferta de entorpecentes que nos tornará uma sociedade “livre das drogas”. Em certo momento do filme, o trio de protagonistas vive essa crise existencial no cumprimento de suas funções. Um deles alega estar cansado de realizar um serviço que não traz nenhum benefício a uma comunidade que, carente de oportunidades, não espera mais nada da polícia.

Banner Leia Também Netflix

É fácil associar esse discurso que alavanca a narrativa de “BAC Nord: Sob Pressão” à maquiagem que foi o sistema de UPPs que o Rio de Janeiro promoveu. Uma promessa de levar contrapartidas cidadãs àqueles territórios ocupados pelo tráfico que se mostrou ainda mais falho na prática. Os personagens aqui começam a perceber consequências parecidas quando um racha entre traficantes e o que parece ser uma milícia ganha forma. Como já fui chamado de “salamandra comunista” em um comentário muito perspicaz na minha crítica a “Zona de Confronto” (2020), thriller policial dinamarquês, vou corrigir o termo para dizer que criei um paralelo com nossa realidade (que coisa, não?): chamarei de grupo paraestatal punitivista e militarizado.

Pois bem, diante desse cenário, Greg, Antoine (François Civil) e Yass (Karim Leklou) decidem fazer algo mais. Não é apenas no risco de ser cancelado pelo excesso de problematização no filminho de sábado à noite que o longa-metragem francês se parece com o da Dinamarca. Na grande sequência de ação e tensão que Jimenez promove, encontramos as forças de segurança encurraladas pela população daquela localidade. Aqui de forma bem próxima do tráfico e da milícia, a partir de barricadas que os impedem de sair. Porém, o cineasta promove, sempre que possível, um olhar observador que registra a indiferença da população em geral ao enxugamento de gelo dos tiras.

O grande ponto aqui é que qualquer movimento de atuação com inteligência coloca os protagonistas no limite da ética. Para desbaratar a rede de tráfico, eles precisam fazer parte delas, deixando de contar apenas com informantes. Se colocando de forma mais ativa e tornando nebulosas suas práticas. Contra eles há o risco de morte iminente, potencializado quando Yass – o que parece ser mais corajoso – se torna pai. A baixa remuneração de oficiais de baixa patente acaba se tornando uma motivação intrínseca para que, aos olhos de seus colegas, eles se vendam às tentações do lucro fácil.

Ainda temos o terço final, que volta ao que falamos em nosso texto sobre o tão celebrado “Kate” (2021). A de que, na conclusão, aqueles que são colocados como representantes do Estado são apenas ferramentas de opressão – e qualificados pela descartabilidade. “BAC Nord: Sob Pressão” também soa bem mais dramático do que a média, o que deve (que bom_ frustras quem deseja um entretenimento raso. Mostra como a ideia de se infiltrar naqueles que estão à margem da lei cria um embate ético ainda mais dolorido na equipe. Chegamos ao final com a certeza ainda maior de que todos os métodos ali aplicados estão errados na origem. Mas, parecemos bem distantes de convencer uma parcela significativa da sociedade.

Veja o Trailer:

Clique aqui e leia críticas de outros filmes da Netflix.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *