Sinopse: Em uma São Paulo de inovações imobiliárias, Miguel Antunes Ramos acompanha a atuação de grandes construtoras e seus corretores.
Direção: Miguel Antunes Ramos
Título Original: Banco Imobiliário (2016)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 01min
País: Brasil
Que Rolem os Dados
Em sua iniciativa de deixar com que alguns filmes de seu acervo permaneçam online de graça, a Embaúba Filmes agora disponibiliza “Banco Imobilíário“, que permanecerá durante duas semanas entre as opções gratuitas do site( entre 4 de agosto até 18 de agosto). O filme, de Miguel Antunes Ramos, no recente passado de 2016, aborda os crescentes investimentos imobiliários em áreas ainda não ocupadas de São Paulo. Pensando que, na ocasião, a enxurrada de empreendimentos por conta dos megaeventos desterravam o país, “Banco Imobiliário” torna-se bom reflexo de época. Não tão longínqua.
Recordo-me que, ao começar a estudar as transformações urbanísticas do Rio de Janeiro, em 2014, um livro que trazia uma série de cidades que haviam passado por grandes transformações recentes em seus territórios me chamou a atenção. O Rio de Janeiro apresentado (e, evidentemente, estamos falando de um livro financiado por agentes que tinham interesse no crescimento de determinadas regiões) falava em “vazios urbanos”. Categoria conhecida por arquitetos, geógrafos e antropólogos urbanos, os vazios são exatamente o que o nome sugere. No entanto, ao pensar nas áreas definidas pelos livros, não conseguia identificar esses vazios. Pensava em casas, vilas, botecos, pequenos comércios. Vazios urbanos. Aí, comecei a ter uma visão menos ingênua em relação a alguns discursos de melhoria da e para cidade. Não que eu fosse completamente crédula, mas ao olhar para as ações com uma lupa, alguns movimentos aparecem com mais transparência.
Talvez uma das curiosidades, antes de entrar efetivamente em uma análise do filme, é que agora vivemos outro aquecimento no setor por conta da Covid-19. Pode parecer contraditório em um primeiro momento, mas ao pensar que a maioria das pessoas vêm passando mais tempo em casa, esses imóveis foram valorizados. O mesmo não aconteceu com os imóveis comerciais. Mas tenho certeza de que o setor já sabe disso e está jogando com as regras que o mercado apresenta.
O que Miguel Antunes Ramos faz em “Banco Imobiliário” é, justamente olhar o crescimento da Zona Leste e do ABC Paulista com uma lupa. Ao se aproximar através dos agentes diretos dessa mudança, os corretores, o diretor consegue nos mostrar uma divisão bem clara de discursos entre quem vende e quem compra.
De um lado podemos montar o glossário do bom funcionário que conta com as palavras: marketing, compra/venda, inovação, empreendimento, novo/velho, ganha/perde, terreno, convencimento, construção, sonho, simulação e até nome de guerra.
Não diria que é um jogo fácil. Aliás, ele pode ser bastante complexo dependendo dos atores envolvidos. Tanto as grandes construtoras quanto os corretores sabem disso. Por isso, usam estratégias de convencimento distintas para cada tipo de imóvel. Como um dos corretores denuncia , trabalham com “experiências sensoriais” fabricadas. É possível que esse seja o ponto central e nerval do crescimento imobiliário. As experiências são fabricadas e não advindas de uma memória.
Pois, podemos organizar um glossário distinto ao dos corretores. Pensamos no glossário dos vendedores. Certamente, nele entraria já de cara a palavra memória. Família, afeto, recordações, infância, trajetória, crescimento. Bem diferente do vazio urbano que alguns empreendimentos parecem querer nos fazer acreditar que existem em determinadas áreas. Não advogo contra o crescimento da cidade. Entendo que esse é necessário. A minha análise, no entanto, parece ser parecida com o que Ramos sugere em algumas passagens de “Banco Imobiliário” e que o cartaz original do filme exemplifica muito bem. Mas, e quanto o que havia anteriormente nesses locais?
Esse corpo cravado de prédios, quase mutilado e sem expressão não é somente o corpo da cidade, mas os corpos dos próprios moradores quase( quando não o efetivamente o são) expulsos pelo crescimento que nunca é o bastante.
São Paulo é uma daquelas megalópoles que parecem não ter mais espaço para o crescimento verticalizado, mas sempre há uma vila, um conjunto de casas, um conjunto de famílias…Em São Mateus, Taquera, São Bernardo, espaços antes industriais, mas nos quais moravam, sim, uma população que vem sendo expulsa aos poucos. Algumas vezes felizes com a venda, outras não. Mas a ideia final é que ,ainda que seja como simulacro, todos fiquem alegres, pois como diz um corretor: “A gente tem que obrigar a pessoa a ficar feliz“.
Primeiro longa de Miguel Antunes Ramos, antes premiado pelos curtas “E” (2014), “A Era de Ouro” (2014) e “O Castelo” (2015), “Banco Imobiliário” denuncia apenas no acompanhar (o diretor não ironiza, nem provoca situações o que faz com que o filme cresça por si só) uma situação de extrema desigualdade. Afinal, quem precisa vender e quem pode comprar?