Taguatinga 2020 | Sessão 05 da Mostra Competitiva

Sessão 05 da Mostra Competitiva

Taguatinga 2020 | Sessão 05 da Mostra Competitiva

Das Partes que nos Faltam ao Amor

Será possível amarmos somente uma parte de alguém? Para além das múltiplas fazes do amor, contempla ela uma seleção prévia? Há como fragmentar as qualidades (ou o que entendemos como tal) e os defeitos( na verdade, aquilo que nos parece muito difícil de enfrentar no ser amado). Não pediria o amor uma entrega integral?A tolerância palavra de ordem nos últimos anos, nasce de um amor, ou de uma abertura para o amor. Ela, no entanto, é diferente da submissão. Na Sessão 05 da Mostra Competitiva do Festival Taguatinga de Cinema o que percebemos de diversas formas possíveis é a tentativa de separar o que se considera valioso. E,  de esconder ou ignorar o que não nos serve no outro.

Os três filmes caminham por esses limites difíceis da aceitação e do amor trazendo temas que oram volta o olhar para o passado  ora permitem uma imaginação de como seria um futuro menos rígido e seco.

O amor pede fluidez , abundância e uma correnteza contínua, porém leve, pela qual todos podemos passar.


Na Inteireza Imperfeita do Amor

À Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente

O primeiro filme do Sessão 05 da Mostra Competitiva, “À Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente nos traz duas jovens lésbicas que vivem o dilema de contar para as mães o relacionamento que construiriam. Bruna Barros e Bruna Castro sofrem porque sabem que são profundamente amadas pelas mães, mas esse amor esbarra em suas orientações sexuais.

Ao separar as características das quais sabe que a mãe tem orgulho, Bruna Barros, cria um poema sensível sobre a não aceitação e as limitações que não deveriam existir no amor.  As “palavras que beiram a coragem” são a sua própria aceitação de um romance que nada fere ou impacta a vida dos demais.

Um alívio de ser ser quem se é (ainda que sejamos muitos). É humano que não consideremos todas as características de nossos amores como qualidades, mas não deveria ser rejeitar traços da personalidade que em nada nos ferem.

O curta-metragem nos faz rememorar “Sair do Armário“, de Marina Pontes ainda que este último seja mais árido. A mãe de Bruna não parece aceitar muito bem sua orientação sexual, mas consegue conviver com ela e a namorada. Talvez, no futuro , essa senha entenda o que os olhos de sua filha a pedem.

Há ainda destaque para uma situação cada vez mais recorrente que é o diálogo entre pais e filhos não somente sobre a orientação sexual ,mas sobre questões de sexualidade como um todo. Diálogos impensáveis há algumas décadas agora ocorrem graças a essas pequenas/grandes mudanças que pessoas como Bruna se permitem fazer.


Portal para Reconciliar o Passado

Rio das Almas e Negras Memórias

O filme “Rio das Almas e Negras Memórias“, de Taize Inácia e Thaynara Rezende, surge como uma grande performance que mostra o sofrimento dos corpos e desgastados pela busca do outro no período colonial. Um passado ainda não reconciliado com o que foi e que por ser nosso futuro no país.

Tiago Sant`Ana, em minha opinião um dos nossos mais importantes artistas plásticos contemporâneos, faz esse resgate partindo do ciclo do açúcar, outro que vigorou por décadas no país às custas de muito sofrimento. Outras das riquezas que apresentava a Casa Grande.

Em uma espécie de dança que resgata os movimentos e cantigas ancestrais, caminhamos junto aos caçadores de pepitas e lavadeiras sabendo que seu fim será trágico.

Assim, o rio e a lama aparecem como um portal para reconciliar o passado, com o qual há ainda tanto para aprender. Tradicionalmente fomos ensinados a escolher entanto sociedade o que exaltar da cultura negra e o que esquecer e negar.  Como se esta fosse colocada em um vitral de museus de ao admirá-la sem olhar atentamente para todas suas nuances esse resgate simbólico e cultural só pudesse ser feito a partir do estilhaçamento desse vitral. O resgate que vem sendo intensificado nos último anos não é uma tentativa de nos estereotipar, mas de conhecer nossos antepassados para que consigamos seguir sem olhos vendados e sem amarras.

É tempo de rememoração e renovação. Talvez isso incomode a alguns. Mas não nos importamos.


Vestir Preto o Dia Inteiro

Perifericu

O sonho faz parte da vida. Ao menos, deveria fazer. Parar de sonhar é o mesmo que aceitar um eterno continuum, negar nossas transformações e possibilidades de acesso ao que desejamos. O desejo, como sabemos, durante muito tempo foi visto como supérfluo ou pecaminoso, mas é ele que nos faz ter forças para continuar em um mundo devastado pela mesmice e pela repetição automática.

Assim, “Perifericu” apresenta travestis e gays que se permitem sonhar, ainda que por instantes, ainda que esse sonho apareça um tanto nebuloso, mais como dúvida que como certeza. Sim, “sonhar é a certeza de que se está viva“.

Observar o cotidiano dessas pessoas em bailes, trens e trabalhos informais nos faz prestar mais atenção aos nossos próprios desejos. Porque a vida por si só não basta. Assim, corpos negros que afirmam a sua negritude e sabem quais deslocamentos se tornam possíveis a partir daí, tendem a se aceitar melhor. Vejam, não digo aceitar o que o sistema nos impõe ,mas aceitar o nosso ser e ,a partir daí ,repensar nossas estratégias para atingir objetivos.

Ninguém é apenas uma coisa , claro, assim as pessoas que vemos são atravessadas por diversos questionamentos e embates que talvez demorem a processar.

Mas ao não negarem sua condição periférica (que pode ser entendida em muitos sentidos) , muitos passos já foram dados para que um dia os desejos se tornem realidades ou, ao menos, os façam descobrir novas formas e novas maneiras de desejar e de ser, pois a única certeza que temos é de que estamos em movimento (até mesmo na estagnação, que em meu entendimento é deixar que o mundo gire por nós) e de que um dia iremos morrer. Que façamos isso, então, em transmutação.


Ficha Técnica da Sessão 05 da Mostra Competitiva

À Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente (Bruna Barros e Bruna Castro, 13″ – 2020, Bahia)
Sinopse: Através de imagens de arquivo pessoal e reflexões sobre as ambivalências que às vezes se imprimem em relações cheias de amor, “À Beira do Planeta Mainha Soprou a Gente” apresenta recortes de afeto entre duas sapatonas e suas mães.
Rio das Almas e Negras Memórias (Taize Inácia e Thaynara Rezende, 20″ – 2019, Goiás)
Sinopse: Baseado em fatos reais, o filme revela  memórias veladas de sofrimento dos negros escravizados às margens do rio das almas em Pirenópolis-GO. Com a exploração do garimpo de ouro, a família frota enriquece às custas de sonegação de impostos e sacrifícios humanos.
Perifericu (Nay Mendl, Rosa Caldeira, Stheffany Fernanda e Vita Pereira, 20″ – 2019, São Paulo)
Sinopse: Luz e Denise cresceram em meio às adversidades de ser LGBT no extremo sul da cidade de São Paulo. Entre o vogue e as poesias, do louvor ao acesso a cidade. os sonhos e incertezas da juventude inundam suas existências.

Taguatinga 2020 – Sessão 05 da Mostra Competitiva

Em constante construção e desconstrução Antropóloga, Fotógrafa e Mestre em Filosofia - Estética/Cinema. Doutoranda no Departamento de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) com coorientação pela Universidad Nacional de San Martin(Buenos Aires). Doutoranda em Cinema pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Além disso, é Pesquisadora de Cinema e Artes latino-americanas.

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