Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio

Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio Documentário Crítica Filme Poster

45ª Mostra SP Logo Sinopse: Em “Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio”, Luz pertence à comunidade indígena embera chami, da Colômbia. Ela deixou seu território de origem há alguns anos, após descobrir ter sido vítima de uma mutilação genital. Apartada de seu mundo, ela tenta preservar as tradições culturais que ainda consegue se lembrar. Claudia, também embera, torna-se a única ligação com seu povo. Motivada pela profunda tristeza da amiga, Claudia parte em viagem rumo ao território indígena para dialogar com outras mulheres da etnia sobre os dilemas que enfrentam.
Direção: Priscilla Padilla
Título Original: Biabu Chupea: Un Grito en el Silencio (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 23min
País: Colômbia | Bolívia

Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio Documentário Crítica Filme Imagem

Silêncio Quebrado

Exibido de forma gratuita na plataforma Sesc Digital durante a 45ª Mostra SP, o documentário “Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio” confronta o espectador com um assunto muito delicado envolvendo representações culturais ancestrais do continente americano. A diretora colombiana Priscila Padilha, experiente documentarista, acompanha os passos de Luz, que saiu de sua comunidade embera chami após descobrir que sofreu, quando criança, mutilação genital.

No processo de autoconhecimento e tentativa de compreensão da povo no qual está inserido, os testemunhos e pesquisas dão conta de que, para eles, o clitóris sempre foi visto como um defeito. Para as representantes femininas do grupo, nunca lhe foi permitido sentir prazer e o crescimento aparente do órgão sexual pelos familiares o levavam a este procedimento cruel.

Ao mesmo tempo em que “Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio” mostra uma protagonista disposta a combater esse aspecto imutável de sua cultura com a informação, ela não renega as raízes embera chami. Essa é uma preocupação da cineasta desde o início, ao apresentar Luz ouvindo o espírito das sementes antes de seu cultivo, mantendo a tradição de forte relação com a terra. O que ela almeja, entretanto, é permitir a conscientização através de uma rede de auxílio – para que a ideia de submissão cultural não seja tomada como regra.

É inegável que o documentário é forte, sob todos os aspectos. A mulher descobriu sua mutilação por estranhar sentir muita dor quando menstruava e o diagnóstico de causa trouxe como sentimento principal a incompreensão. A obra trabalha bem essa necessidade de passividade do público, instigado a conhecer e nunca a julgar. No processo de devolver à comunidade conhecimento, Luz explica a existência e funções do clitóris traçando paralelos com o mesmo cultivo de plantas pelos quais as outras mulheres estão ambientadas. Mesmo com uma tragédia pessoal que torna difícil a resignação, ela acredita ter valor naquele território.

Sem utilizar experimentações que comprometesse o bom entendimento, a montagem de Padilla – em conjunto com Ximena Franco – usa os cantos dos emberas como transições de narrativa. Em um desses portos, ela traz a opinião masculina sobre aqueles fatos de maneira breve. Quando o faz pela ótica das outras mulheres, revela o corpo como um grande tabu daquela sociedade. Além de admitir vergonha sobre eles, quase todas revelam que ninguém as vê nua à exceção delas mesmas. A mutilação genital parece abandonada na contemporaneidade, mas os reflexos de um discurso baseado na culpabilização da mulher permanecerão por um bom tempo.

Tal qual uma desbravadora, a protagonista de “Biabu Chupea: Um Grito no Silêncio” usa a informação como arma. Porém, não dá como concluída sua fala sem pensar sobre as consequências de sua atitude. Sendo bem-sucedida, promoverá para parte daquele grupo uma autonomia nunca antes vista. Algo que pode trazer como contraponto uma desestruturação cultural para os embera chami – com alto risco de ser irreparável. Um debate que merece ter argumentos pesados com a balança mais precisa de humanidade e ética. Mas, mesmo assim, um risco que Luz está disposta a correr porque sente na pele como algumas tradições podem ser cruéis.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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