Sinopse: Como um coreano-americano criado na baía da Louisiana trabalha arduamente para fazer uma vida para sua família, ele deve enfrentar fantasmas de seu passado enquanto descobre que pode ser deportado do único país que ele já chamou de lar.
Direção: Justin Chon
Título Original: Blue Bayou (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 57min
País: EUA | Canadá
Eterno Forasteiro
Exibido por 24 horas na programação do Festival do Rio dentro do serviço de streaming do Telecine, o drama norte-americano “Blue Bayou” coloca luz sobre uma das medidas mais xenofóbicas da Era Trump nos Estados Unidos. Na obra, escrita, dirigida e estrelada por Justin Chon, acompanhamos a história de um homem em risco de ser deportado para a Coréia. O problema é que ele, assim como milhares de outros cidadãos adotados ainda crianças por famílias do país, vive há décadas sob o sol da “terra dos livres e casa dos corajosos”.
Exibido no recorte Um Certo Olhar do Festival de Cannes de 2021, o filme foca no objetivo do governo republicano, que quase gerou o primeiro golpe de Estado da América, em 6 de janeiro de 2021. O Agente Laranja sempre teve como plataforma de governo a limpeza étnica do seu país. Fazer a nação grande de novo, eles diziam. Aliados da forma como Israel define suas fronteiras e decide sobre as diferentes liberdades de seus habitantes (algo que falamos quando escrevemos sobre a obra exibida na véspera na programação do Festival do Rio, “O Salão de Huda“), Trump tentou até o final colocar em prática a ideia de um muro separando o México, por exemplo.
Em relação aos imigrantes ilegais identificados na alfândega, a ordem era separar adultos de crianças. Uma maneira cruel e tortuosa de convencer as pessoas “a voltar para sua terra”. Em “Blue Bayou“, Chon traz uma outra vertente desta política de Estado, ao revelar a perseguição de pessoas totalmente identificadas com os Estados Unidos. Na história, Antonio LeBlanc foi adotado com três anos de idade. Sua ascendência oriental não consegue ser omitida, seu rosto carrega os traços de onde ele veio. Por isso, mesmo se entendendo norte-americano, falando o inglês como um nativo, não consegue vagas de emprego que permitam estabilidade.
Ele está casado com Kathy (Alicia Vikander) e esperam um filho. A moça também é mãe de Jessie (Sydney Kowalske), uma menina do casamento anterior, trazendo o agente da lei para o centro da narrativa – repetindo expediente de “Ida Red – O Preço da Liberdade” (2021), estreia principal do mesmo Telecine esta semana. A garota responde à ausência do pai se afastando dele por completo. Na mente e no coração dela, Antonio é aquele a quem ela deve carinho e respeito. Porém, com um passado marcado pelo roubo de motos e trabalhando atualmente como tatuador, estereótipos e leituras discriminatórias se empilham e transformam o protagonista uma presa fácil.
O ataque xenofóbico surge do parceiro policial de Ace (Mark O’Brien), ex-marido de Kathy. LeBlanc está consumido pela pressão por não sair de um emprego precarizado, as responsabilidades da chegada de um filho e uma lei que permite a deportação desses “filhos imigrantes” que passaram a ser entendidos como cidadãos nunca regularizados. Não importa se vivem na América desde os anos 1980, como era o caso do protagonista. Chon adiciona ainda outro elemento dramático à narrativa quando cruza a história deste homem com a de Parker (Linh-Dan Pham). Ela é filha de vietnamitas que descobre um câncer em estágio terminal. Quer usar os momentos derradeiros de sua vida para construir laços de amizade e sente em Antonio o peso de alguém que parece não ter em quem confiar.
“Blue Bayou” é mais uma obra contemporânea que opta pela melancolia ao invés do melodrama – mesmo carregado de ferramentas para seguir o segundo caminho. Nunca parece que estaremos envolto em alguma reviravolta, já que o personagem está sempre à beira de uma tragédia do destino, percepção coerente com uma sociedade cada vez mais cruel e sem perspectiva. Quando a nova amiga dele entra em cena, parece trazer o alívio de quem procura algum traço de humanidade em tempos tão difíceis.
Até mesmo a chance de se manter no país é vista como remota. Para isso, Antonio deverá engolir seu orgulho e procurar a mãe adotiva, que o abandonou em algum momento. Não há muita clareza na trama, que evita remexer no passado do protagonista. Cada nova informação que chega ao espectador, uma certeza maior de que aquele homem passou por inúmeros processos de renegação. Desde a primeira infância e a tentativa de assassinato da progenitora até a resposta de um Estado que se vende como democrático e cheio de oportunidades, mas que persegue quem se coloca, mesmo que involuntariamente, no caminho dos “seus'”.
Aqui voltamos à construção do pensamento xenofóbico de Trump. Consequência de uma crise provocado pela desindustrialização de um país que aceitou o jogo capitalista de importar cada vez mais de polos de produção precarizados. O resultado é uma massa de trabalhadores que associaram o último governo democrata com a própria derrocada. Ao ponto de existir fake news que diziam não ser Barack Obama um estadunidense nato. No filme, é muito representativa a imagem do advogado especializado em casos de deportação ser um homem negro. A ponto do próprio Antonio querer trazer, como argumento de defesa, a sua branquitude. Mais de trinta anos na América e ele não entendeu o olhar do real homem branco “americano”.
A parte final de “Blue Bayou” é carregada de consciência sobre o verniz de realidade que quer aplicar. Além de não flertar com o melodrama, foge de qualquer histrionismo ou da sugestão de que há final feliz em um território incapaz de reconhecer os valores de seu próprio povo. Não há sequer uma sugestão do que é povo que não passa pelas amarras racistas e xenofóbicas que nunca foram exclusividade da Era Trump. E nunca serão, já que o Agente Laranja foi apenas o exemplar mais bem acabado que a Intolerância foi capaz de produzir. Pelo menos ao norte deste continente.
Veja o Trailer: