Borat: Fita de Cinema Seguinte

Borat: Fita de Cinema Seguinte Filme Crítica Pôster

Sinopse: Em “Borat: Fita de Cinema Seguinte”, o jornalista retorna aos Estados Unidos e dessa vez procura oferecer a sua filha em casamento para o vice-presidente, Mike Pence.
Direção: Jason Woliner
Título Original: Borat Subsequent Moviefilm (2020)
Gênero: Comédia
Duração: 1h 35min
País: EUA | Reino Unido

Borat: Fita de Cinema Seguinte Filme Crítica Imagem

A Piada Seguinte

A distribuição dos filmes por serviços de streaming fez com que eu me adaptasse a uma forma de escolha que sempre gostei de aplicar: evitar a ânsia de assistir obras que me cercam de expectativas de imediato. “Borat: Fita de Cinema Seguinte” foi anunciado pela Amazon Prime Video como grande lançamento de 2020 – catorze anos depois que “Borat” (2006) se tornou um fenômeno nos cinemas. Poucas vezes eu ri tanto em uma sala de cinema quanto naquele dia – muito pela experiência coletiva de ver aquele mockumentary carregado de uma tosquidão típica da época, uma subversão sobre um pensamento minimamente razoável – que se ampliou quando Trey Parker tomou a frente de uma leitura crítica dos EUA traumatizado pela Guerra ao Terror nos episódios da série de animação “South Park” (1997-) e depois em “Team America: Detonando o Mundo” (2004).

Quando o filme que nos revelou Sacha Baron Cohen aportou por aqui, indicado ao Oscar de melhor roteiro, o que havia da minha adolescência já tinha se esgotado – e mesmo assim parecia que nunca teria maturidade para julgar um filme como aquele. Quando a nova produção chega, muitos foram tomados pelo medo do reencontro com Borat. Justificável, visto que a onda conservadora com toques de delírios anticientíficos a qual vivemos hoje, nasce no ambiente de liberdade com o qual Parker e Cohen desenvolveram suas carreiras. No Brasil passaríamos por isso alguns anos depois. Com o sucesso da série “Jackass” (que virou uma série de filmes iniciada em 2002), um certo programa de rádio trouxe para a nossa TV a ideia da trolagem. Comediantes engravatados, vestidos tal qual repórteres de editoria política, terminaram o estrago. O debate sobre a influência desse palco para lunáticos permanece na sociedade.

Confesso que o distanciamento, mesmo que de poucos meses, do lançamento para a sessão de “Borat: Fita de Cinema Seguinte” foi positiva. Em um contexto de comparação com outras produções postulantes aos troféus da temporada (são três categorias no Globo de Ouro e uma no SAG Awards), aproveito um momento diferente do qual vivia no final de 2020, em meio a vários festivais com produções nacionais e internacionais que levam algumas representações para outro caminho. A genialidade de Sacha Baron Cohen segue quase inatacável, seu personagem envelheceu bem. Com um grupo de quase uma dezena de roteiristas, no estilo de colaboração de um episódio de série, há espaço para grandes acertos e alguns erros. Se pensarmos na premissa que baseia o foco da piada a quem está sendo atacado, é difícil não defender que cena na sinagoga passou do ponto. A família de Judith Dim Evans, entrevistada acreditando se tratar sobre um documentário revisitando a memória do Holocausto, está processando a equipe do filme.

O mais louvável da obra é que ela não se prende aos elementos que tornaram o longa-metragem original um sucesso. Borat entrou rapidamente no imaginário popular por sua roupa, bordões e sotaque. A revisitação, entretanto, reserva uma passagem inicial para reforçá-las, mas traz uma narrativa que é produto de uma outra época. Confirmando a consciência que seus realizadores têm sobre responsabilidades das mudanças de rumo da sociedade, o protagonista surge totalmente alinhado com Donald Trump e parceiros ideológicos como Jair Bolsonaro, citado – claro – como parte da piada que o mundo se transformou. É como a comédia de absurdos precisasse rejuvenescer, ou até mesmo ressuscitar de outra forma, porque a capacidade interpretativa da comunidade se perdeu.

Talvez por isso haja necessidade de Borat se colocar enquanto personagem. O argumento que ele usa é válido: devido ao seu sucesso, seria impossível ele se infiltrar anonimamente. Só que percebe-se o receio de usar seu humor como ferramenta discriminatória, segregacionista, racista, homofóbica e xenofóbica. Discursos que pareciam absurdos e foram naturalizados e algumas das linguagens do audiovisual possibilitaram esse desenvolvimento. Se Pamela Anderson era o foco do protagonista em 2006, em 2020 ele mira no vice-presidente Mike Pence. Ao invadir e causar confusão em uma convenção do Partido Republicado, fica a impressão de que o filme queimaria a largada – não tinha como Cohen superar aquela sequência.

Então, surge uma das grandes revelações do ano, a atriz Maria Bakalova, no papel da filha de Borat, Tutar. Com vaga quase garantida entre as indicadas de melhor atriz coadjuvante, a jovem búlgara toma o protagonismo, sendo ela o elemento-surpresa dos encontros que materializa a hipocrisia dos entrevistados. A forma como ela transmite o “medo” de ter direitos enquanto mulher e como ela sustenta a personagem em momentos difíceis é surpreendente. Incluindo a chocante cena com Rudy Giuliani, famoso por ter administrado Nova Iorque do período da política de tolerância zero aos atentados ao World Trade Center e que coordenou a mal sucedida campanha de reeleição de Trump. Sua aparição escorrendo tintura do cabelo talvez tenha sido uma tentativa de ficar marcando por uma vergonha menos constrangedora do que sua participação.

Aliás, se há algo que Borat e Tutar nos prova é que é muito fácil agradar a ala republicana de extrema direita, daquelas que lutam contra os fatos. É quase um exercício de convencê-los a participar de um momento totalmente desprovido de noção de maneira espontânea. Um delírio, de fato. Por fim, o filme ainda abarca as mudanças provocadas pelo novo coronavírus – adiciona dentro da narrativa de modo a confirmar que eles estavam, novamente, produzindo uma obra aberta. Com isso, a conclusão do longa-metragem é simplesmente genial.

Assim como o documentário “Sementes: Mulheres Pretas no Poder” (confirmado em entrevista da codiretora Júlia Mariano à Apostila de Cinema), o objetivo aqui era influenciar o voto dos Estados Unidos. Talvez atualizaremos alguns debates sobre “função” e “limites” do humor – porque o fato é que o candidato republicano saiu derrotado – e é inegável que “Borat: Fita de Cinema Seguinte“, além do chamamento ao compromisso com a cidadania nos créditos, ficará marcado por expor de forma pesada o que os Estados Unidos se transformou nos últimos tempos.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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