Cabras da Peste

Cabras da Peste Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Na trama, Bruceuilis (Edmilson Filho) é um policial do interior do Ceará que, para resgatar Celestina, uma cabra considerada patrimônio da cidade, viaja até São Paulo. Lá encontra Trindade (Matheus Nachtergaele), um escrivão da polícia que resolve se aventurar em campo, mesmo não sendo sua especialidade. O longa-metragem tem o estilo conhecido como buddy cop, mas com um toque à brasileira.
Direção: Vitor Brandt
Título Original: Cabras da Peste (2021)
Gênero: Comédia | Ação | Crime
Duração: 1h 37min
País: Brasil

Cabras da Peste Crítica Filme Netflix Imagem

Autoridade Fuleira

A Netflix lançou hoje a produção brasileira “Cabras da Peste“, que reúne dois grandes nomes do cinema brasileiro, Matheus Nachtergaele (de extenso currículo) e Edmilson Filho, que já marcou seu nome na história com o sucesso de “Cine Holliúdy” (2012) – pela direção de Vitor Brandt. Há uma tentativa de trazer parte desse sucesso de público regional, nos mesmos moldes que a Rede Globo fez ao transformar o longa-metragem em um seriado. Só que desta vez criando uma trama do zero, com o aditivo de alguns elementos que fogem um pouco da dinâmica que fez da obra dirigida por Halder Gomes uma diversão inesquecível.

O filme conta a história de Bruceuillis (Edmilson Filho), que é rebaixado de posto de grande policial de sua cidade no interior do Ceará para escoltar uma cabra – sem saber a importância que ela tem. Sua vida se cruzará com a de Trindade (Matheus Nachtergaele), um policial roda-presa de São Paulo, quando o animal é sequestrado por Raul (Leandro Ramos) e transfere a narrativa para o grande centro do Sudeste. Este é o primeiro ponto de divergência. Ao contrário de uma premissa que nos transporta para um território, a obra desloca seu protagonista, se aproximando de um outro tipo de cultura popular, mais perto das comédias rasgadas que parecem ter na população do sul do país o público-alvo.

Ao contrário de muitas produções que exageram na reprodução de estereótipos, “Cabras da Peste” transita muito bem pelos diversos tipos de humor. À exceção de uma descambada para a escatologia e duas supostas piadas no estilo “orgulho hetero”, o talento de Matheus e Edmilson se complementam e a química entre os dois funciona. O que diverte mais são os minutos iniciais, que parecia nos envolver em uma cidade conhecida pelo festival da rapadura, onde se desenha uma trama política na figura do deputado Zeca Brito (o sempre engraçado cantor Falcão) .

A ponte universalista é feita sob medida para agradar o público de todo o país e para vislumbrar um sucesso na exportação dentro da plataforma de streaming. Os lançamentos globalizados na Netflix parece que finalmente abrirão a mente do espectador-médio para longas-metragens de fora do eixo. O retorno aqui na Apostila de Cinema de críticas como o do turco “Filhos de Istambul” (2021) e o espanhol “Silenciadas” (2020) vai nesse encontro. Nada mais justo do que adicionar o próprio cinema nacional no catálogo (apesar da ausência de regulamentação do serviço, que poderia fomentar ainda mais a produção).

Alguns desafios também são superados rapidamente. A versão tecnobrega de Gaby Amarantos para “The Heat is On”, clássica música da trilogia (por enquanto) de “Um Tira da Pesada” (1984) já nos faz ganhar simpatia pelo filme de imediato. Outros elementos referenciais estão presentes o suficiente para uma gag funcionar. Um exemplo é a participação especial, logo no início, de Juliano Cazarré, que aparece como um clássico action hero do cinema de ação dos anos 1980 e 1990 da forma mais debochada possível. Por sinal, o impacto cultural desse filão hollywoodiano em um Brasil que não saia da frente da TV naquele período é real e o texto de Denis Nielsen (que fez parte da equipe de roteiristas de outro sucesso do serviço, a série “3%“) faz muito bem essa utilização.

Há quem olhe de lado para a adição mainstream nas participações. Parte do elenco (atual e antigo) do grupo Porta dos Fundos e o já citado representante da TV Quase (do fenômeno Choque de Cultura) são alguns deles. Quando Leandro Ramos ganha tempo de tela a história ganha força, por sinal. Ao colocar seu bloco em uma rua tão movimentada quanto à Netflix, faz parte do processo de construção provocar identificações. Nem sempre elas se vinculam à narrativa de forma tão perfeita quanto o encaixe da canção de Gaby, que nos envolve no início, para a trilha de Gustavo Garbtato funcionar no mesmo ritmo pelo qual Vitor Brandt quer dar ao filme.

Cabras da Peste” é um filme de intercâmbios. Poucas dinâmicas soam forçadas, algumas um pouco bobas, mas a grande parte diverte, por mais que nos deixe um pouco carente da abordagem de migrantes, como a ótima cena em que – ao chegar em restaurante japonês – Bruceuilis e Trindade descobrem que todos os funcionários são cearenses. Já o coronelismo, até pelo risco da reprodução de uma visão atravessada, é um acessório da narrativa usado – acertadamente – com economia. O medo de encontrarmos um regionalismo pasteurizado não se confirmou e o riso foi garantido no difícil trabalho de mediação de linguagens que essa produção acabou atraindo para si.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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