Sinopse: Em “Canola”, doze anos após terem se perdido uma da outra em um mercado, avó e neta se reencontram. Mas as coisas não são mais tão boas e perfeitas, como eram antes da traumática separação.
Direção: Yoon Hong-Seung
Título Original: 계춘할망 (2016)
Gênero: Drama
Duração: 1h 57min
País: Coréia do Sul
Reinventando Memórias
É possível que, dentre os sete filmes que participam do Festival de Cinema Coreano do Petra Belas Artes à La Carte, boa parte dos espectadores optem por começar seu mergulho pela produção audiovisual do país com “Canola“. Afinal, o filme é estrelado por Yuh-Jung Youn, atual detentora do Oscar de melhor atriz coadjuvante por “Minari: Em Busca da Felicidade” (2020). Quem espera um drama carregado de emoção e outra grande performance da veterana não se decepcionará. Ao contrário do clássico “Bala Sem Rumo” (1961), que mencionamos que o exagero nas representações soa anacrônico nos dias de hoje, aqui a entrega das dores e frustrações da vovó Yeo-jeong Yoon é de tocar – e, para muitos, de partir – o coração.
Ela é uma senhora que passa o inverno da vida em um bonito vilarejo no interior e mantém sob seus cuidados a neta. O cineasta Hong-Seung Yoon explora, por um bom tempo, a forte conexão na relação entre as duas. Pautada pela cumplicidade, de uma menina que perdeu o pai e não tem notícias da mãe. Porém, um dia e um descuido nos cuidados envolvendo a garota, faz com que ela suma no meio das barracas do comércio de rua. Sua avó não terá notícias dela por doze anos.
Toda a leveza dessa construção inicial de um relacionamento de forte laço de afeto contrasta com a sequência seguinte. Nela uma adolescente nos mostra toda a inocência perdida ao organizar com os seus irmãos um golpe, no qual simula ser uma prostituta. A ideia é flagrar o homem e extorqui-lo sob a ameaça de expor que ele foi para um quarto de hotel com uma menor de idade. As coisas saem do controle e ela precisará se esconder das autoridades. Ao beber uma caixa de leite com fotos de crianças desaparecidas, ela reconhecerá a neta de Yoon e buscará a avó para repor a verdade. “Canola” nos leva pelos caminhos de um bom drama no qual somos instigados a refletir sobre as motivações da protagonista.
Afinal de contas, há um interesse da moça por sair de Seul até que o caso de violência seja esquecido. Informações dão conta de que ela não foi sequestrada por qualquer pessoa e sim pela mãe, que quis reaver de maneira forçada sua guarda, já em outro casamento. Daqui em diante não falaremos mais para não atrapalhar a experiência, porém é impressionante como a narrativa se reinventa, a ponto de dar a impressão de que se esgota para criar outras maneiras de explorar o drama. É folhetinesco, mas não parece que seja de forma pejorativa aqui (funciona melhor do que algumas hipérboles de “Mães de Verdade“, obra mais recente de Naomi Kawase, por exemplo). Muito de sua pegada melodramática eficiente deve ser creditada a Youn, que explora bem as fases que a avó passará com o retorno da neta.
Isso porque “Canola” toca direto na dupla leitura sob um evento traumático. Para uma menina que passou a primeira infância com a avó, as lembranças parecem distantes, quase apagadas. Enquanto que Yoon parou no tempo, retroalimenta aquela saudade, não se desvincula da imagem da menina e dos espaços que ela ocupava. Quando há esse reencontro, as percepções e consequências sobre ele serão diferentes. E o filme parece equilibrar bem esses dois caminhos (que se transforma em três na virada de roteiro que encerra o segundo terço da história). A vovó cogita que a ausência de sintonia seja fruto de um processo de adaptação, mas há algo além disso. Não há apenas o resgate de memórias e sim a cooptação, em um jogo social truncado e surpreendente.
Por mais que se opere enquanto uma fuga, há espaço para que aquela jovem amadureça, inclusive com o despertar de paixões. Já sua avó parece ter depositado as últimas cotas de energia vital para tornar a grande tragédia de doze anos atrás um pouco menor. O longa-metragem traça seu caminho derradeiro na intenção de tirar lágrimas do espectador. Yuh-Jung Youn surge como uma força, capaz de se transformar em corpo e alma na tela em questão de minutos.
Enquanto linguagem, “Canola” é um bom exemplar do cinema coreano atual, que aplica nas histórias familiares os conceitos de culpa e responsabilidade de forma mais dramática, até sensacionalista se comparada com outras escolas. Para quem se apaixonar ao final da sessão, a boa notícia é que há uma infinidade de títulos parecidos para explorar.
Veja o Trailer:
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