Carro Rei

Carro Rei Filme Crítica Pôster

49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: Uno se comunica com carros desde criança. Quando uma lei coloca a empresa da família pai em perigo, Uno busca o seu melhor amigo de infância: um carro. Junto com o seu tio, transforma-o no Carro Rei – um carro que pode falar, ouvir e até se apaixonar. Um carro que tem planos para todos.
Direção: Renata Pinheiro
Título Original: Carro Rei (2021)
Gênero: Comédia | Ficção
Duração: 1h 39min
País: Brasil

Carro Rei Filme Crítica Imagem

Salada no Caldeirão

Carro Rei” foi apresentado na penúltima noite de exibições competitivas do 49º Festival de Cinema de Gramado cercado de expectativas. Afinal de contas, o longa-metragem anterior de Renata Pinheiro, “Açúcar” foi um dos poucos (e dos melhores) filmes brasileiros que assisti em 2020. Usando cinema de gênero, criação de expectativa e boas reviravoltas para falar de ancestralidade e reparação histórica, uma performance incrível de Maeve Jinkings que passou pelo circuito de festivais em 2017 e chegou comercialmente às salas de cinema três anos depois.

Contando com Matheus Nachtergaele no elenco, esta nova produção traz novamente bonitas composições de imagens, de uma cineasta que vem da direção de arte de jovens clássicos do Cinema Nacional como “Amarelo Manga” (2002), “Árido Movie” (2005) e “Tatuagem” (2012). Todavia, o roteiro, escrito ao lado de Sergio Oliveira e Leo Pyrata tenta abarcar uma multiplicidade de questões que não encontram amparo na narrativa. Antecipo que, no dia seguinte, “Jesus Kid” (2021) de Aly Muritiba passaria por algo parecido.

Começamos com um exercício de realismo fantástico pela trajetória do protagonista Uno. A partir de um trauma de infância, em que esteve a ponto de ser atropelado, ele se comunica – ou acredita que consegue se comunicar – com carros, tal qual um Doutor Dolittle. Em paralelo ao seu talento, ele alimenta o sonho de trabalhar com agronomia gerando impacto direto na vida das pessoas. Isso o faz contrariar seu pai, que o “recomenda” a se graduar em Administração. Ao comunicar que não seguiu seu conselho, chega a ser convidado a se retirar de casa.

Já do lado de fora, a cidade em que “Carro Rei” se passa vive um duro processo de gentrificação. Uma lei entra em vigor e proíbe a circulação de veículos com mais de quinze anos de fabricação, o que impacta a frota da população mais pobre. Para ter uma ideia, as inúmeras Kombis que você ainda vê passando na sua rua com comerciantes de todo tipo foram descontinuadas há quase dez. Já na ponta saudosista, desde 2019 nenhum Fusca novo nasce ao redor do globo. Falando nele, o carro que ganhará o título de realeza como entrega o nome do filme, terá seus momentos de Herbie depois de sua tunada.

Para salvar um bem que, além da utilidade, tem valor sentimental, Uno e seu tio recauchutam o possante, sem precisar ser humilhado pelo Luciano Huck. Seguindo uma lógica de estranhamento bem diferente de “Açúcar”, Pinheiro se vale do tom caricatural que Nachtergaele imprime ao seu personagem. Isso porque há uma questão envolvendo a unidade da obra que parece mal resolvida. Ela transita entre o satírico e o dramático, nos levando da primeira vez do novo Rei ao enfrentamento a uma norma segregadora.

Pode até suscitar reflexão acerca do embate entre o consumismo desenfreado e a autonomia fundamental para a autodeterminação do indivíduo. Como disse um senhor barbudo uma vez (duas, esperamos que diga a terceira em breve): é preciso colocar o pobre no orçamento. Até que a abordagem inicial envolvendo a elitização de uma atividade permitia uma obra interessante, curiosa, instigante. Mesmo que os exageros representativos e o certo histrionismo soasse deslocado, “Carro Rei” parecia ter controle sobre seus objetivos.

Todavia, isso se perde de vez quando uma nova camada alegórica se apresenta. A partir do uso do hino nacional e da transformação dos humanos em seres com movimentos mecanizados, como se cada um cumprisse a função de uma ferramenta, o longa-metragem quer criar outra temática dentro de um grupo já complexo e pelo qual não conseguia equilibrar com destreza. Vai se tornando uma salada de referências, um ciranda de fustigações que não atinge o espectador descompromissado e parece pouco inspirada ou inovadora para os convertidos.

Ainda há espaço para o que seria um Revolta das Máquinas. Ou seja, uma comédia que faz pensar em Doutor Dolittle, o Fusca Herbie, Luciano Huck e o Exterminador do Futuro. Se assumisse a alegoria e partisse para o desbunde, a esculhambação tão bem delineada pelo seu ator mais experiente, seria uma aventura exagerada e divertida. Em muitos momentos, “Carro Rei” é isso mesmo – mas acaba tropeçando por achar que precisava ser mais.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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