Cavalo de Santo

Cavalo de Santo Documentário Crítica Filme Pôster

49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: O documentário longa-metragem “Cavalo de Santo”, baseado no livro homônimo da fotógrafa Mirian Fichtner, é fruto de dez anos de pesquisas, entre os terreiros gaúchos e retrata o universo religioso afro-brasileiro no Rio Grande do Sul.
Direção: Mirian Fichtner e Carlos Caramez
Título Original: Cavalo de Santo (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 11min
País: Brasil

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Culto à Tolerância

Abrindo a competição de longas-metragens gaúchos do 49º Festival de Cinema de Gramado – desta vez com apenas três filmes, talvez para ser incluída nas noites de exibição do Canal Brasil, o documentário “Cavalo de Santo” refaz os passos da fotógrafa Mirian Fichtner, que pesquisa há anos o universo religioso afro-brasileiro em território gaúcho. Ela divide a direção da obra com Carlos Caramez. Vale lembrar que, em 2020, uma produção com a mesma linguagem venceu o prêmio (“Potuñol“).

Ao contrário dos outros dois concorrentes, que possuem a experiência da Lança Filmes na distribuição, a forma como o filme cresceu nos últimos meses foi de forma mais espontânea. Exibido na segunda quinzena de abril em pré-estreia virtual, atingiu – segundo o site oficial – mais de 400 mil acessos, o que comprova a carência de narrativas sobre manifestações religiosas populares e de forte carga ancestral no país.

Sua projeção em um festival tradicional coloca luz sobre uma sociedade que se estereotipou pela força da branquitude. A obra que seria apresentada no dia seguinte, “A Colmeia“, nos levaria a um período de política higienista no Sul do país, a partir do incentivo à criação de colônias de imigrantes europeus. A resistência do povo negro naquele território fez com que o Rio Grande do Sul fosse, até hoje, o Estado com o maior número de terreiros.

Uma nação que não deveria ser palco de disseminação de ódio a religiões como as promovidas atualmente. Um povo que se construiu a partir do sincretismo religioso e que tem na região de “Cavalo de Santo” como exemplo na cultura popular a história do Negrinho do Pastoreiro, que une o Cristianismo da proteção de Nossa Senhora ao menino que não foi batizado ao seu culto enquanto trabalho de limpeza e encaminhamento espiritual na Linha das Almas da Umbanda.

A trajetória de um povo que precisou alimentar essa cultura da fuga por sobrevivência e que até hoje não se sente livre para professar sua fé. Mirian Fichtner encontra a contribuição de Zulu Araújo, ex-Presidente da Fundação Cultural Palmares – quando esta agia com bom senso – para trazer uma primeira metade de documentário mais informativa e contextualizante. Mesmo assim, os cineastas não abrem mão de complementar parte das imagens e representações com títulos e textos explicativos, bem parecido com uma composição de fotografias em produções de arte desta linguagem.

Com isso, a narrativa não deixa carente os que pouco conhecem dos assuntos ali tratados. Isso torna mais eficiente as vezes em que usa questões atuais da sociedade gaúcha como pano de fundo. Uma delas, que se tornou polêmica por mera ignorância da opinião pública, se deu em 2018, quando o STF analisou a legalidade de uma lei que proibia o sacrifício de animais, entendo que a liberdade de culto era um bem jurídico maior a ser preservado nesta ponderação de interesses. Um debate atravessado e que disseminou mais ódio e preconceito, tanto contra aqueles que tinham seu direito de manifestação religiosa limitado quanto aos bem aventurados dos discursos de proteção aos animais.

Já o racismo escancarado do assassinato de João Alberto no estacionamento do Carrefour – que apenas esta semana, passados nove meses, foi alvo de reconstituição dentro do processo, é tratado de forma mais direta. O que poderia ser a ponta final da história criada pelo filme se transforma no meio. Criadas as bases gerando embasamento sobre a cultura afro-brasileira no Rio Grande do Sul e apresentado o batuque enquanto espaço de acolhimento, os reflexos contemporâneos se tornam não a conclusão e sim parte do desenvolvimento.

Sendo assim, “Cavalo de Santo” chega a uma segunda metade mais contemplativa, em que a pluralidade de manifestações ganha forma – sempre com as legendas para melhor entendimento dos leigos. Um material representativo para quem precisa transformar a visibilidade em mola propulsora de tolerância e precioso para quem precisa transformar informação em combate aos seus preconceitos.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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