Homem Onça

Homem Onça Filme Crítica Pôster

49º Festival de Gramado | ApostilaSinopse: Era das privatizações. Pedro trabalha na Gás do Brasil que passa por uma reestruturação. Ele é obrigado a demitir sua equipe e antecipar a aposentadoria. Aposentado, Pedro vai morar na sua pequena cidade natal. Lá, ele descobre que a fera que habitava as matas, durante sua infância, continua viva.
Direção: Vinícius Reis
Título Original: Homem Onça (2021)
Gênero: Drama
Duração: 1h 33min
País: Brasil

Homem Onça Filme Crítica Imagem

Como Um Qualquer

Apresentado no segundo dia de exibições do 49º Festival de Cinema de Gramado, “Homem Onça” nos leva de volta ao auge do período de privatizações do governo FHC. Simbolizado pela venda da Vale do Rio Doce, a onda neoliberal sempre marcada pelo entreguismo atingiu um corpo técnico competente e trabalhadores que precisaram se adaptar a um país que entendia que suas pesquisas e conhecimentos não valiam a pena enquanto política estatal.

No meio desta situação está Pedro (Chico Diaz), um desses profissionais de classe média alta que imaginavam que atingiriam a estabilidade em uma empresa como aquela. Há poucos anos da aposentadoria, ele assiste o desmonte, com um fluxo contínuo de demissões de colegas, sob o qual ele não tinha como controlar. O diretor Vinícius Reis traz esse contexto histórico logo na montagem inicial. Usando fotografias da época, aquelas imagens remontam à constante necessidade de lutas e protestos da classe trabalhadora. No Rio de Janeiro, simbolizado por atos em frente a ALERJ, a Assembleia Legislativa do Estado.

Uma realidade que retorna agora, com o processo de privatização dos Correios – e quem acompanha as decisões empresariais do Banco do Brasil ou se mostra uma pessoa observadora quando frequenta uma agência sabe que ele vai para o mesmo caminho. Quando os funcionários tentam reverter o processo, é tarde demais. Em “Homem Onça” o protagonista nos é revelado em duas linhas temporais: os meses que antecederam a demissão em 1997 e alguns anos a frente de seu tempo. Diaz, como já havia feito em “O Ano da Morte de Ricardo Reis” (2020) domina a cena, apesar de contar com um elenco de apoio inspirado.

Pedro vai se revelando aos poucos em suas complexidades, nas lutas internas e no desenvolvimento de seu talento. Uma época em que a sustentabilidade entrava em pauta e o Brasil – mesmo com poucos recursos e incentivos – sempre esteve na linha de frente do pioneirismo científico e acadêmico. O protagonista do longa-metragem é o símbolo de uma geração que se decepcionou com a promessa de tempos mais competitivos a partir de medidas que uniam austeridade fiscal e abertura econômica para o capital estrangeiro. A mesma receita que a classe média aceitou nos últimos cinco anos, ouvindo empresários e banqueiros.

Se há uma diferença em relação ao final dos anos 1990 é que, desta vez, o tempero do ódio e do preconceito está mais carregado. Um dos incentivos para o atual desmonte estrutural brasileiro foi a ascensão dos mais pobres, a ocupação dos espaços por agentes invisibilizados. Contudo, o cineasta aqui deixa pouco espaço para essas leituras – conta uma história de forma direta, na intenção de torná-la mais uma das possíveis ferramentas de reflexão. Essa decisão, além de tornar o filme mais envolvente, é capaz de atingir dois tipos de público fundamentais para o debate. O primeiro são os mais jovens, que não vivenciaram a chamada Era FHC. O segundo são os esquecidos, que depositam seus votos sem pesar as consequências.

Aliás, há outro destaque muito interessante em “Homem Onça”. A narrativa proposta por Reis, em um paralelismo em duas fases da trajetória de Pedro, não nos provê todas as informações. Na primeira, ele está casado com Sonia (Silvia Buarque) e na outra vivendo, assim como a parceira Lola (Bianca Byington) um segundo relacionamento. Parte das lacunas envolvendo a vida pessoal e profissional do personagem, o espectador conseguirá suprir com suas próprias vivências ou lembranças de quem passou (ou passa) por situações como as representadas na trama.

Menos preocupado com a busca por motivações e fatos geradores, o filme segue essa perspectiva panorâmica, como se olhássemos duas fotografias de anos diferentes e tentássemos entender, com os meios que temos, o que mudou com aquelas pessoas daquelas imagens. Ao mesmo tempo que, nas subtramas, há uma carga de narrativa histórica bem delineada, com aquele grupo de pessoas que precisam se reencontrar no mercado de trabalho enquanto lutam contra um fim inevitável, como se fossem números que, paciência, seriam descontinuados por força das circunstâncias.

Pedro vai assistindo os corredores e salas de escritórios que definiam os rumos do país se esvaziando, ao mesmo tempo em que sente a dor dos colegas, como se ele tivesse os abandonado. O Rio de Janeiro que começa a se expandir para as áreas para além da Barra da Tijuca, o advento da internet e outros temas circundam a história – mas o público cada vez mais se sente instigando a descobrir o que mais deu errado na busca do protagonista por um recomeço.

Naquelas simbioses entre vida e arte, Chico Diaz parece ter absorvido a forma como “Molambo“, música com versões espetaculares, de Nelson Gonçalves a Maysa, toca fundo em seu personagem. Com essas e outras características, “Homem Onça” alia contexto histórico, olhar crítico sobre os desmandos políticos da nação e ótimas performances para surgir como o grande a ser batido na segunda noite do Festival de Gramado.

Veja o Trailer:

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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