(Mais uma) Cinderela chega no Amazon Prime Video. Leia a crítica.
Sinopse: Cinderela, uma jovem que sonha em sair da casa de sua madrasta e abrir sua própria loja de vestidos, e nessa busca por sua independência ela vai encontrar também o amor.
Direção: Kay Cannon
Título Original: Cinderella (2021)
Gênero: Musical | Comédia | Fantasia
Duração: 1h 53min
País: Reino Unido | EUA
Bate e Volta
Mais uma versão da “Cinderela” chegou nas praças. Depois de uma adaptação de 2015 pela Disney nas mãos de Kenneth Branagh e estrelada por Lily James (e uma mais alternativa liderada por Anne Hathaway em 2004 com o título em português “Uma Garota Encantada“), o Amazon Prime Video distribui internacionalmente a produção da Sony Pictures que traz Camila Cabello (que, tolinha, disse ser a primeira Cinderela latina ignorando a versão baiana imortalizada por Carla Perez em 1998) como a desconstruída princesa. Uma obra que mexe não apenas com uma, mas com várias paixões do público – seja ele saudosista ou imediatista.
A primeira é a que mais gosto e que me veio a mente assim que a cantora pop ganha a tela nos primeiros minutos do filme dirigido por Kay Cannon. Versões extraoficiais dão conta de que Cabello foi quase expulsa do Fifth Harmony em 2016, uma mistura de problemas de relacionamento e recalque das intrigantes com o destaque da carismática artista. Se a carreira solo, que começou bem e explodiu com “Havana” não foi o suficiente para algumas delas se afogar no veneno, o sucesso do longa-metragem talvez sepulte a ideia de que ela não sobreviveria a girl band com louvor. Por si só, essa leitura extra filme já torna algumas das emoções contaminadas.
E temos outras. Nem entraremos no fato de que “Cinderela” traz consigo uma memória apegada de narrativa clássica, pela animação da Disney de 1950 ou produtos correlatos. Um aspecto de saudade que carrega consiga a reprodução atravessada e misógina dos contos-de-fadas – e que as criações contemporâneas tentam subverter de alguma maneira. Isso porque há um núcleo de pessoas que, assim como as integrantes do Fifth Harmony são trabalhadas no ódio. Só que ao inglês James Corden, produtor do filme e parte do elenco de outros musicais, como “A Festa de Formatura” (2020) e “Caminhos da Floresta” (2014) – com mais Cinderela no meio. Há quem diga que ele conseguiu piorar (ainda mais) “Cats” (2019).
Assista o clipe de “Dream Girl”, interpretado por Idina Menzel:
Portanto, não há como chegar ao fim da sessão de “Cinderela” sem posições extremas sobre o musical liderado por Cabello. As chances de despontar quem veio aqui encontrar guarida para sua frustração é grande, porque Camila e equipe me encontraram em um bom momento. Há problemas graves enquanto linguagem audiovisual, principalmente na sequência na qual a protagonista conhece o Príncipe Robert (Nicholas Galitzine). Montagens atabalhoadas escancaram erros de continuidade ali – além da estética “Bohemian Rhapsody” (ganhador do Oscar na categoria de edição, acredito, que apenas o Michael Bay enviou seu voto na Academia). Parece que a divisão de núcleos de produção se deram com base nas cenas musicais – ou não.
Quando elas surgem, vão muito bem. Com todo o capricho de bonitos cenários e o figurino que remonta ao período em que a Realeza era sedutora, porém, usando canções populares (de Madonna a White Stripes). Ótimas releituras de “Am I Wrong?“, o mash up de “What a Man” e “Seven Nation Army” e, principalmente do novo clássico romântico, “Perfect“, de Ed Sheeran. Apesar de aproveitar pouco o talento de Idina Menzel (a mulher que fez a expressão let it go para outro patamar).
Possibilidades consolidadas com a bem-sucedida representação de Baz Luhrman em “Moulin Rouge: Amor em Vermelho” (2001), com o verniz adolescente de um tipo de abordagem que começa com “High School Musical” (2006) e parece longe de se desgastar. Kay Cannon, também roteirista aqui, foi a responsável na função pela franquia “A Escolha Perfeita” (2012), outra que carrega consigo uma legião de fãs. Não compromete no seu segundo longa-metragem como diretora, apesar da montagem de Stacey Schroeder (que parece ter incorporado o Wiseau depois de seu trabalho em “Artista do Desastre” de 2017) quase colocar tudo a perder.
Quanto à subversão, “Cinderela” fica no caminho da “sociologia de algoritmo“. Preso nas convenções de uma fantasia sobre uma moça e seu Príncipe Encantando, faz da realeza o reflexo do privilégio branco (com as participações de Minnie Driver e o arroz-de-festa Pierce Brosnan), enquanto plurariza rostos e vozes em seus súditos. No meio da plebe, uma moça de ascendência latina que, presa no porão de sua madrasta – representante decadente da branquitude ao lado das filhas – alimenta desde cedo o sonho de vender os belos vestidos que costura (ou idealiza quando não possui recursos suficientes para comprar os tecidos). Quem lhe socorre é uma Fada não binária, a primeira depois de décadas de Cinderelas chegando aos cinemas.
Querendo empreender, a princesa moderna exigirá do pretendente apaixonado capacidade de adaptação. Talvez as propostas de “Cinderela” não sejam o suficiente para torná-lo mais do que uma diversão passageira, com música e dança. Para quem não é dado a este tipo de narrativa, deve beirar o insuportável. Assim como para as viúvas do Fifth Harden e os detratores de James Corden. Os próximos dias e a repercussão do filme, em uma semana na qual parece concentrar parte das energias do público das plataformas de streaming nos provará se Camila Cabello é mesmo à prova de recalque.
Veja o Trailer: