A Festa de Formatura

A Festa de Formatura Crítica Filme Netflix Pôster

Sinopse: Em “A Festa de Formatura”, um grupo de atores veteranos da Broadway vão sem aviso a uma festa de final de ano de uma escola que não permitiu que uma de suas alunas fosse ao baile acompanhada de sua namorada.
Direção: Ryan Murphy
Título Original: The Prom (2020)
Gênero: Musical
Duração: 2h 10min
País: EUA

A Festa de Formatura Crítica Filme Netflix Imagem

Autorizado a Amar

A Festa de Formatura” não causou o barulho que a Netflix imaginava quando de sua chegada à plataforma em dezembro do ano passado. Produzir e distribuir um musical é sempre difícil, você já espera uma recepção polarizante – e quase sempre tendendo à negativa. Deu a lógica, ainda mais que muita gente torce o nariz para os recentes trabalhos de Ryan Murphy. Criador de “Nip/Tuck” (2003-2010) e “Glee” (2009-2015), ele atingiu o auge de popularidade com as antologias de “American Horror Story” (2011-). Há quem diga que, após seis Emmys conquistados, o realizador perdeu a mão. Todavia, ele encontrou uma linguagem e aplica ela a todo o tipo de produto que deseja levar adiante, seja em “Pose” (2018-2019) ou na produção executiva de “American Crime Story” (2016-). Aqui, não foi diferente.

Porém, como identificar esse estilo de Murphy enquanto cineasta? No longa-metragem estrelado por jovens talentos como Jo Ellen Pellman e nomes de peso na indústria como Meryl Streep e Nicole Kidman, ele está em uma zona de conforto. Sai do tradicionalismo de “Comer, Rezar e Amar” (2010) – tentativa anterior de migrar para narrativas não-seriais. Aplica o dinamismo de movimentação de câmera e de montagem que se encaixam perfeitamente no gênero. O diretor busca um equilíbrio a partir da metade da projeção, equaciona melhor esses giros em profusão em prol de uma cadência – percebe-se ali a concessão de alguém que não quer errar, ou ser lido como errado. Talvez inspirado no trabalho da verdadeira Dede Allen (nome da personagem de Streep), montadora da obra-prima “Reds” (1981) e de clássicos da Nova Hollywood (ou embriões do movimento) como “Bonnie e Clyde: Uma Rajada de Balas” (1967) e “Um Dia de Cão” (1975)

O longa-metragem é um espetáculo de cores e dança, bem mais calcado no talento de seu elenco do que na inserção de efeitos digitais ou de maquiagem – é um musical mais cru, apesar do exagero pulsante e no embate adolescentes na escola x adultos no ritmo da música pop que nos remete a “Glee”, de certa forma. Um glam, mesmo que mais comedido em comparação a outras produções – e, talvez por isso, menos over.

Falta na longa fila de detratores de “A Festa de Formatura” algumas exceções que comprem o barulho de Ryan Murphy. Talvez aqueles que tenham adotado M. Night Shyamalan ou Michael Bay em defesas que soam subversivas, mas são interessantes registros de adequações de linguagem, descubram genialidades perdidas onde muitos enxergam puro suco enfadonho. Não será a Apostila de Cinema a fazer isso, porque quem nos acompanha sabe que o juízo valorativo é uma base de argumentação que, apesar de não abdicarmos, nunca é nosso foco. Dessa vez nos permitiremos dizer que o filme nos envolveu bem mais do que a média identificada entre os colegas – mesmo que alguns problemas apontados por alguns mereçam ser destacados.

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A Festa de Formatura” traz um grupo de estrelas decadentes da Broadway que, assim como Ryan Murphy, desejam aumentar sua popularidade após alguns trabalhos lidos como fracasso. Totalmente alinhados com as relações humanas atuais, eles viajam para uma cidade no interior de Indiana, no conservador centro-oeste dos EUA, onde acreditam ajudar a jovem Emma (Jo Ellen Pellman), envolvida em uma “polêmica” (a.k.a. homofobia da sociedade): a festa de formatura de sua escola seria cancelada por ela ser lésbica e os pais não serem “obrigados” a lidar com isso. No fundo, as intenções dos quatro atores é criar um engajamento para eles mesmos, serem vistos como desconstruídos portadores de uma mensagem, na espetacularizante vitória da “tolerância”.

Há catorze anos o cineasta Adam Shankman faria um trabalho parecido em “Hairspray – Em Busca da Fama” (2007). Usando uma trama histórica, trazia para o centro do debate a segregação racial do início da década de 1960, de forte impacto cultural. Ali ele tinha que administrar jovens promessas (algumas deram certo, como Zac Efron, outras torcemos para que retomem suas carreiras, como Amanda Bynes) com estrelas consolidadas. Porém, os momentos isolados de destaque de Michelle Pfeiffer, Queen Latifah e Christopher Walken já seriam naturalmente eclipsado pela presença de John Travolta no papel de Edna Tunrblad, mãe da protagonista Tracy (Nikki Blonsky, que também merecia mais oportunidades). Tanto Bynes quanto Efron não eram totais conhecidos: o segundo colhia os frutos do fenômenos “High School Musical“, lançado no ano anterior e a primeira carregava boas bilheterias em seus projetos.

Aqui a administração das estrelas é menos eficiente. Streep ganha força nas sequências iniciais, domina as atenções – mas sua passagem de cetro para a Emma de Jo Ellen Pellman é bem menos natural. Há pouca interação. Já Nicole Kidman é um acessório, à exceção da canção que dá um rápido protagonismo à sua personagem. Essa desconexão na narrativa é comum aos musicais, ainda mais os contemporâneos, pensados com uma migração mais fiel da Broadway. Assim como “Hairspray” foi atacado por saudosos fãs na época, o mesmo acontece aqui. Não há nada de esquecível nas músicas, inclusive aquela que destacamos abaixo é primorosa no deboche à dogmática e à culpa cristã, ganhando uma dimensão ainda mais épica ao ser performada por Andrew Rannelles e parte do elenco jovem em um shopping, o templo do capital.

Assista à performance de “Love Thy Neighbor”, de Andrew Rannelles:

O texto de “A Festa de Formatura” se pauta em referências canônicas para ampliar a experiência, um artifício também comum a gêneros que precisam se reinventar. Outras peças da Broadaway, a menção a Bob Fosse, vários elementos inseridos como um quebra-cabeça – de “Chicago” a “All That Jazz“, ferramenta de nove em cada dez filmes comerciais de Hollywood. Brinca com outras, como o fato de Kidman ter recusado na vida real o papel de Roxie no filme de Rob Marshall e Streep ter perdido o papel de Eva Perón em “Evita” (1996) para Madonna. Como qualquer trama de múltiplos personagens, alguns arcos funcionam melhor. O da Angie Dickinson de Kidman, já mencionamos, é sem brilho. Já o de Barry (James Corden, indicado ao Globo de Ouro de melhor ator de comédia ou musical) é excelente, em pouco tempo de tela sua redenção é formatada com eficiência. Todavia, seu trabalho gerou polemica. Ele, heterossexual, tem sido criticado pela forma estereotipada da sua atuação nos Estados Unidos.

O filme se propõe a falar de preconceito e acolhimento e do uso das artes como plataforma de empoderamento. Não é uma premissa simples – e a necessidade da história avançar por meio da música torna ainda mais difícil a lapidação do tema. Porém, Murphy consegue trazer pluralidade. Da cena inicial, que questiona os críticos e suas adjetivações que soam, por vezes, como rancorosas ofensas – ao respeito conquistado por pessoas LGBT em casa, pela família. O elenco jovem pode não ter o carisma dos outros musicais mencionados, mas talento não falta.  As músicas de David Klotz e Matthew Sklar extraem a doçura adolescente, tornando essa ala da obra um compilado de canções que lembram as produções em animação da Disney dos anos 1990.

Não há tempo, entretanto, para desconstruir. Os estereótipos da heteronormatividade branca norte-americana são reforçados, na ausência de espaço para subvertê-lo. Muitos questionam o uso da palavra “gay” para todos que se referem a Emma, uma forma generalista e pouco acolhedora do trato com a protagonista. Uma anacronismo perdoável se pensar que não faria sentido aquela sociedade conservadora – exposta como um antagonismo curiosamente pouco personalizado – usar vocábulos politicamente corretos. Talvez “A Festa da Formatura” peque ao ser menos esclarecedora ou propositiva. É capaz de mitigar a busca principal da obra: ser objeto de desenlace de preconceitos. Mas, entender toda a construção narrativa como um retumbante fracasso tem um tom exagerado de grupos que vociferam uma militância forçada quando queremos apenas respeito. Se vale para o nosso reality-show favorito, então vale também para o cinema.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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