Sinopse: Em 2165, o sequestro de Michele coloca a cidade-estado Porto 01, o último reduto da civilização humana, em estado de guerra. O problema é que para salvar a Porto 01 será preciso contar com a ajuda de Jefferson, um estudante do ensino médio que vive em 1999.
Direção: Pedro de Lima Marques
Título Original: Contos do Amanhã (2020)
Gênero: Ficção
Duração: 1h 25min
País: Brasil
Flertando com o Futuro
Apesar de exibido dentro da mostra de longas gaúchos da 48ª edição do Festival de Gramado, “Contos do Amanhã” apresenta um trabalho bem mais inspirado e criativo do que boa parte da safra da competitiva nacional e internacional. Convergindo referência de filmes de fantasia e ficção científica das últimas décadas, o filme dirigido por Pedro de Lima Marques é universalista dos pés à raiz. Uma ficção científica que traz, na prólogo, os desdobramentos de uma crise no planeta que nos deixou, já em meados do século XXI, com apenas 20% da população de antes. A data-chave, porém, é 6 de junho de 2165, onde os fatos paralelos à vida de Jefferson ocorrerão. O diretor, com alguns curtas-metragens no currículo, também é responsável pelo roteiro, montagem e efeitos visuais do filme. Aliás, este ponto é crucial para a sua qualidade e Marques sabe usar bem sua experiência (ele também é o supervisor deste setor no excepcional curta “Fragmentos da Vida 1945“, igualmente apresentado em Gramado neste ano).
O longa-metragem, então, se ambienta no ano de 1999, às vésperas do bug do milênio, a princípio, resolvido antes que a Terra parasse. O protagonista é um adolescente que, apesar das boas notas, vive atrasado e é cobrado pelos professores para ser menos relapso. Os saudosistas identificarão o Sin City e o ICQ no computador e se lembrarão da bronca da mãe por terem se conectado na internet discada durante o dia. Essa condução de narrativa é similar aos exemplares do gênero realizados nos anos 1980 e o cineasta se vale dessa trama adolescente para apresentar um filme muito inventivo, sem ser confuso. Criando um paralelo com a realidade de Jefferson, que aprende sobre anarquismo e quer seguir o caminho da participação política se filiando ao grêmio de sua escola, Marques altera a condução da histórica para se aproximar de uma distopia mais condizente com o cinema de entretenimento dos últimos anos.
Corria-se o risco, ainda, do resultado final ser um amontoado de sequências fantasiosas sem uma narrativa bem cimentada. Afinal, estamos falando de um jovem realizador, que precisa obrigatoriamente enquadrar sua imaginação a um projeto. E “Contos do Amanhã” consegue isso de forma louvável, capaz de angariar um espectador menos afeito a mostras de cinema. É provável que, no meio de um conjunto de longas-metragens de fortes temáticas, linguagens e estéticas mais próximas do público de um festival, o filme de Pedro seja taxado de escapista ou um entretenimento que não carrega consigo a pertinência para ali estar. Apostamos justamente no contrário, de que a presença do longa-metragem no recorte regional de Gramado, enriquece a visão panorâmica sobre a produção local.
Nos faz pensar se realmente não bugamos como sociedade naquela virada de milênio. As dúvidas trazidas sobre a constituição espaço-temporal de “Contos do Amanhã” também é aplicável a nós. Uma mistura de pesadelo, com estado de coma e inescapável realidade. Uma produção que demanda muitos efeitos inseridos após as filmagens e que, mesmo sem grandes sinais de ter um orçamento robusto, é convincente em sua proposta e com uma ótima edição. O viés político da narrativa e a necessidade de contextualizações sobre um futuro imaginado demanda um momento, no meio da projeção, de explicações mais diretas. Mesmo assim, a obra não exagera nesse recurso e segue com louvor a cartilha de uma boa aventura do gênero, com a jornada rumo à redenção (de Jefferson, não o parque) onde, passados duzentos anos, ele finalmente consegue enxergar o que sua cabeça indecisa de adolescente não lhe permitia – mesmo diante de seu nariz.
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