Cadê Edson?

Cadê Edson?

Sinopse: “Cadê Edson?” é um filme sobre movimentos populares em defesa da moradia. Apresentando: o Estado contra os Sem Teto, na capital do Brasil.
Direção: Dácia Ibiapina
Título Original: Cadê Edson? (2020)
Gênero: Documentário
Duração: 1h 12min
País: Brasil

Cadê Edson Imagem

No Fim, Tudo é (Ainda) Mais Complexo do que se Imagina

Exibido no Cine-Tenda da Mostra de Tiradentes 2020, “Cadê Edson?” encerrou, em janela de transmissão de dois dias, a Mostra Lona 2020: Atravessamentos. Um festival organizado pelo MLB (Movimento de Luta nos Bairros, Vilas e Favelas) em parceria com a Embaúba Filmes. Das nove sessões disponibilizadas, a Apostila de Cinema registrou texto de oito – a exceção foi “Chão” (2019), também de curta janela. Porém, assim que a obra de Camila Freitas pudem encontrar algum de nós, tenham certeza que fará parte de uma de nossas apostilas. Sendo assim, a Apostila Mostra Lona 2020 também será atualizada e finalizada.

Uma cobertura virtual de uma seleção de vinte e duas obras audiovisuais brasileiras, do final da década de 1970 até 2019, que – em conjunto com diversos debates entre os realizadores – provocou, no terceiro mês de um suposto isolamento social no país causado pela pandemia de Covid-19, debates sobre território e habitação. Dentro de nossas casas, pudemos receber um arcabouço impressionante de histórias, sob as mais diversas linguagens e narrativas, acerca de alguns dos mais básicos direitos os quais grande parcela da população do país não consegue exercer. Aliás, a mera busca, a simples luta, por esses direitos colocam outros fundamentais sob risco: principalmente a vida.

Filmes que nos fizeram pensar muito, vê-los e revê-los, onde a produção textual se deu, propositalmente, com o passar dos dias – ao longo do primeiro mês da nossa plataforma. Guardamos para o final a análise da obra de encerramento, muito bem recebida em terras mineiras em janeiro de 2020 – um ano que parece nunca ter fim, apesar de ainda estar na metade.

Cadê Edson?” é dirigido por Dácia Ibiapina – além de cineasta, ela foi Professora e pesquisadora da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília entre 1993 e 2018. Um filme que tem início qualificando Edson Francisco da Silva, paulista convidado para liderar a Ocupação Novo Pinheirinho em Ceilândia, em abril de 2012. Dois elementos chamam a atenção nos primeiros minutos do documentário. O primeiro é o choque tecnológico dos policiais militares filmando sua operação com câmeras digitais, artefato já em desuso. As formas de produção de imagens e conteúdo se alteraram em menos de uma década a ponto de, o que para Ibiapina era um profundo mergulho na rotina de uma ocupação no início dos anos 10, ser hoje transmitido ao vivo pela mídia alternativa via redes sociais.

O segundo é que a diretora nos prova que não há necessidade de tecer um compilado gigante de depoimentos e registros para contar uma história e suas complexidades. Os documentados são muito assertivos e incisivos ao contarem sobre as ameaças de morte sofridas, facilitando uma montagem que consegue – com pouco mais de sessenta minutos – atravessar um período importante de transformação do país e da luta pela habitação digna.

A sinceridade de Edson em afirmar que o excesso de politização gerou cansaço e a consequente desmobilização da luta é um dos momentos mais perturbadores de toda a Mostra Lona. Nos agita porque, em exercício de regressão, “Cadê Edson?” nos mostra que o golpe de 2016 foi um processo com a participação dos agentes mais antagônicos. A polarização pela qual o Brasil se embrenhou com as Jornadas de Junho de 2013 (parênteses para pôr em dúvida essa afirmação, já que – na prática – a polarização sempre existiu) não veio somente do levante conservador neofascista. Veio de uma falta de entendimento de quem comandava a nação para provisionar o que as lideranças sociais que sempre lhe apoiaram entendiam que era necessário.

O documentário funciona, de certa maneira, como três atos. Após as imagens de 2012 e a repercussão da Ocupação Novo Pinheirinho, há uma manifestação resultante do rompimento de alguns setores da sociedade civil com o governo em 2016 – um governo fadado ao fracasso desde 2014, quando os derrotados nas eleições se negaram a aceitar o resultado. Dácia Ibiapina pinça um momento fundamental para o espiral distópico da nossa nação, trazendo protestos quando da passagem da Tocha Olímpica em 2016 (coloco em iniciais maiúsculas porque ela sempre foi tratada como uma entidade sobrenatural por aqui).

A terceira parada é em 2018, quando o Movimento Vem Pra Rua virou um exército de cidadãos semi-lobotomizados, gritando palavras de ordem que pediam fim das minorias e morte da democracia (ou o contrário). Camisetas amarelas pedindo intervenção militar que, institucionalmente, já conseguiu. Na data em que esse texto é publicado, o Ministério da Educação é mais uma pasta que passa a ser comandada por um membro das Forças Armadas, por exemplo. A palavra cidadãos não foi usada sem propósito, porque cidadão é quem vota. Os semi-lobotomizados votaram naquele ano cargos federais e estaduais e deu no que deu.

A Mostra Lona 2020: Atravessamentos se encerra nos lembrando do risco da iminente criminalização dos movimentos sociais. Os discursos e testemunhos mais recentes de “Cadê Edson?” são reflexos dessa mudança. De outras também, como o forte anseio de condenar a meritocracia e o entendimento de que a Polícia (do jeito que é, militarizada) só existe para atrapalhar o povo preto e aumentar o contingente de vítimas – como bem lembrou um ativista, que ficou cego após uma abordagem policial violenta.

Deixa o recado de que todas as lutas abordadas no festival são lutas que, independente de quem estivesse no Poder, sempre existiram. O governo atual só mudou o falso messias, porque milagre só o povo é quem faz.

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema associado à Abraccine e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *