Curral

Curral Filme Crítica Pôster

Sinopse: Chico Caixa é um homem humilde e ex-funcionário da distribuidora de água de Gravatá, em Pernambuco, local que sofre com a escassez hídrica. Ele é recrutado por um amigo de infância, o advogado Joel, que precisa conquistar votos de um bairro popular fundamental para conseguir se tornar vereador na cidade. Para se eleger, os dois usam o fornecimento de água como moeda de troca com a população, mas as coisas saem do controle quando Chico se vê confrontado entre suas necessidades financeiras e seus princípios.
Direção: Marcelo Brennand
Título Original: Curral (2020)
Gênero: Drama
Duração: 1h 27min
País: Brasil

Curral Filme Crítica Imagem

Coronelismo Inauditável

O Brasil possui alguns ciclos que se repetem de tal maneira que não é possível creditar apenas às confluências cósmicas alguns acontecimentos. “Curral“, longa-metragem dirigido por Marcelo Brennand, chega para exibição na grande vitrine que é o Festival do Rio em uma janela online bem curta – após sessão única em uma sala de cinema do Estação Botafogo. Esta acontece no dia em que Brasília se movimenta com uma parada militar digna de Monty Pyhton e o fim de um capítulo da vida política que deverá ser estudado com atenção assim que os resultados das urnas em 2022 se tornarem realidade.

O sonho bolsonarista do voto impresso pareceu mais adiado do que enterrado. Com 229 votos de deputados federais a favor da proposta, foi vencedor na quantidade, mas não obteve o quórum qualificado de uma emenda constitucional. Boa parte daqueles alinhados com o poder hoje, são os mesmos de sempre. O filme, então, coloca uma lupa sobre a cidade pernambucana de Gravatá, mais um aparente reduto coronelista. Nela, os discursos que se reproduziram em larga escala pelos mesmos de sempre após cálculo pragmático em uma sociedade pós-golpe antidemocrático de 2016 também estão presente.

Brennard compõe “Curral” pelo manto da antipolítica, do anseio do povo de ser contra “tudo isso que está aí”. Com dois balões de ensaio neoliberais impopulares, de Collor e FHC e uma ditadura de direita que encontra saudosos defensores, mas ainda precisa de mais apoio para se tornar realidade, as engrenagens do poder – incluindo o coronelismo – seguiram o caminho de grudar a pecha de corrupção aos partidos de esquerda e dar uma falsa sensação de subversão à ordem.

Com isso, novos rostos ganharam forma no cenário nacional, da inflamada professora de direita Janaína Paschoal à mistura de bolsonarismo, neoliberalismo e laranjismo de Marcel van Hattem, persona non grata até pelo presidente de seu partido, o Novo de João Amoedo – passando pelo Túlio Gadelha do Mal, o atual Ministro Fábio Faria, que foi de escada de imitações de Sabrina Sato no Pânico a genro poderoso de Silvio Santos.

No filme, o advogado Joel (Rodrigo García) é o escolhido para oxigenar os debates nas eleições em curso. Um candidato a Prefeito disposto a não se alinhar com os sanguessugas do suado dinheiro do povo (que no nível nacional chamamos de Centrão, cantado em verso e prosa pelo General Augusto Heleno). Para isso, ele usará o mesmo expediente que os políticos o fazem ao se apresentar em comunidades que só se tornam visíveis em época de campanha. Ele lança como candidato a vereador Chico Caixa (Thomas Aquino), um homem que traz consigo a credibilidade na luta pela transposição de água para um bairro ironicamente denominado Caixa D’Água.

Quem se envolveu ou ouvir histórias sobre situações parecidas, sabe que “Curral” é uma obra carregada de fidelidade. Além disto, ao seguir uma narrativa tradicional, cronológica, sem espaços para experimentalismos ou críticas atravessadas, Brennard nos dá uma obra potente em seu poder de comunicação. Conta com a performance sempre inspirada de Aquino e com a contribuição do mestre José Dumont, quando ele surge no terço final enquanto atual governante da cidade – mostrando que o coronelismo também prima por um timing político inigualável. Aquele que personifica a instituição que Joel diz que irá romper, mas antes mesmo que o pleito se consolide já costura entre si alianças.

Ao contrário de exemplares que tecem provocações vazias, reducionistas ou generalizantes, o texto aqui não se aproveita da grave crise política enquanto um alvo fácil. Há complexidades bem trabalhadas, uma delas envolvendo a possibilidade dos representantes daquela comunidade se auto organizarem, um tipo de cena que o Cinema Brasileiro cada vez busca mais, desde veteranos como Cláudio Assis em “Piedade” (2020) até a nova geração representada por Kalyne Almeida no bonito “Aponta pra Fé ou Todas as Músicas da Minha Vida” (2020).

Vivemos em um sistema político feito de cima para baixo, em que ascensões populares são esporádicas e representativas. Por isso, a mensagem que “Curral” nos deixa, de que vivemos constantes processos sucessórios – mais do que rompimentos – não tem o propósito de nos desolar. Sem sensacionalismo, o longa-metragem gera reflexão. Quando bate, vai firme. “O que ele tem?“; “Descaso” – talvez seja um dos diálogos mais curtos e potentes do audiovisual brasileiro nos últimos tempos sem soar alegórico. Menos como um circo e mais como um curral, uma ótica importante para debatermos o lamaçal em que a política brasileira está atolado.

Veja o Trailer:

Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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