Dois Estranhos

Dois Estranhos Two Distant Strangers Crítica Curta Netflix Oscar 2021 Pôster

Sinopse: Em “Dois Estranhos”, as repetidas tentativas do cartunista Carter James de voltar para casa e encontrar seu cachorro são frustradas por um encontro mortal recorrente que o força a reviver o mesmo dia terrível uma e outra vez.
Direção: Travon Free e Martin Desmond Roe
Título Original: Two Distant Strangers (2020)
Gênero: Drama | Fantasia
Duração: 32min
País: EUA

Dois Estranhos Two Distant Strangers Crítica Curta Netflix Oscar 2021 Imagem

Uma Matrix que te dá Parabéns

Um grande mar de opiniões se abriu entre aqueles que, aproveitando a chegada de “Dois Estranhos” no catálogo da Netflix, seguiram o seu caminho na maratona de indicados ao Oscar de 2021. Ao contrário do que geralmente ocorre, pouca circulação por festivais e outras premiações antecederam a nomeação de Travon Free e Martin Desmond Roe. O interesse habitual fez com que a plataforma de streaming adquirisse os direitos de distribuição no hype do evento e o colocasse à disposição de seus assinantes. Mas: por que tantas opiniões antagônicas sobre o curta-metragem?

A abordagem da questão do racismo estrutural é direta e se vale de ferramentas narrativas bem comuns em produções norte-americanas. Carter (o ator e rapper popular Joey Bada$$ – com seus dois milhões de seguidores no Instagram) é um jovem cartunista que, após uma noite de romance casual com Perri (Zaria Simone) vive o seu Dia da Marmota. Uma estrutura de dia que se repete, porém se aproxima mais da versão de “A Morte te Dá Parabéns” (2017), fenômeno de bilheteria da Blumhouse. Só que a morte do protagonista será sempre pelas mãos do policial Merk (Andrew Howard, figurinha fácil nesse papel em diversos filmes e séries dos EUA). Ela ocorre tendo como única motivação o racismo.

A primeira morte de Carter é a mais angustiante. Repetindo a frase de George Floyd (i can’t breathe), a abordagem violenta, baseado no fenótipo do jovem não precisa de mais explicações. No restante da meia-hora na qual a história é contada, assistimos o personagem tentar de todas as formas não morrer. São as mais diversas táticas, que vão do silêncio e respeito absoluto a uma tentativa de amizade e descontração. Nada, porém, quebra a barreira racista criada por Merk e sua reprodução fiel aos preceitos da sociedade na qual está inserida.

Pensando desta forma, você deve se questionar novamente: por que tantas opiniões antagônicas sobre “Dois Estranhos“? Há uma fórmula que incomoda alguns. A principal delas é aplicar a fantasia e, de certa forma, a comédia, como porta de entrada para o debate. Travon Free estreia na direção e assina sozinho o texto após larga experiência como roteirista, incluindo alguns anos na equipe do “The Daily Show“. Sua forma de representação é contemporânea, inserida no contexto e na dinâmica dos grandes centros urbanos. Ao evocar certos exageros, chama a atenção para o problema de maneira a não afastar quem não quer passar tão perto dele. Mesmo assim, o filme consegue escancarar o problema, didatizar onde está o erro na sociedade.

Talvez essa seja uma das reservas de alguns. Com uma conclusão pessimista e didática, boa parte de quem não se diz satisfeito com a produção diz que ela acaba se tornando pouco propositiva, extremamente reprodutora. Se confrontarmos com “White Eye“, outro curta-metragem indicado pela Academia este ano, chegaremos a um antagonismo. Porém, a visão de Free sobre a sua vivência é bem mais genuína e real do que a apresentada pelo israelense Tomer Shushan. A ironia é que a narrativa crua, totalmente realista, não nos entrega um resultado final tão alcançável e visível como a fantasia dos norte-americanos.

Andrew Howard faz de seu Merk uma espécie de Smith, o indestrutível e replicável vilão da trilogia “Matrix“; ou o T-1000 de Robert Patrick em “O Exterminador do Futuro 2” (1991). Já Carter só não quer morrer de novo. Se fosse no Brasil, ele lembraria uma das frases mais fortes que qualquer movimento social e político pode ter: “Parem de nos matar!“. Respeito quem apostou que o realismo fantástico criado por “Dois Estranhos” levasse a um final diferente. Mas, não é assim que a vida funciona. Se você acha que o medo constante de ser morto pelo Estado é um plot exagerado ou “mal desenvolvido”, assista de novo. A Netflix te dá essa chance.

Veja o Trailer:

 

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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