Sinopse: Ele foi o primeiro a cantar os Orixás e a introduzir o Tempo do Candomblé na música popular brasileira. Desafiou a própria morte ao se entregar nos braços de Iemanjá. Dorival Caymmi não morreu. Virou mar. Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar, reúne depoimentos, lembranças e reflexões de artistas como Gilberto Gil, Tom Zé, Jussara Silveira, Tiganá Santana, Arlete Soares, Adriana Calcanhotto, entre outros que desfrutaram do privilégio de terem convivido com ele, ou que regravaram sua obra. O filme aborda conceitos presentes na vida e obra de Caymmi, recriados em poéticas praieiras concebidas a partir dos seus trabalhos de pintura e composição, e apresenta falas reveladoras do compositor.
Direção: Henrique Dantas
Título Original: Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar (2019)
Gênero: Experimental
Duração: 1h 26min
País: Brasil
Fim e Recomeço – O Mar de Caymmi
É impossível falar de Dorival Caymmi sem falar dos orixás e da Bahia. Em outras palavras, é impossível falar de Caymmi sem falar da negritude brasileira. Essa entendida não como uma unidade, mas como pluralidades. Tal qual Caymmi e o mar, que foi tão cantado por ele, o negro brasileiro tem caras, ritmos e cores muitas.
“Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar“, de Henrique Dantas é uma homenagem às muitas facetas de um dos nossos maiores compositores e também um de nossos maiores leitores culturais. Caymmi recheia suas canções de brasilidade. Filho de Xangô e Yemanjá e Obá de Xangô iniciado por Mãe Menininha e feito por Mãezinha Pimental, todas as forças da natureza são incorporadas por Dorival, mas o mar tem um papel central em suas músicas e ritmos, por isso o filme também o traz como um espelho do ritmo da própria vida do artista com sobreposições imagéticas desse mar. Mar que leva e traz em um movimento infinito. Mar que produz desenhos nas areias – ao mesmo tempo instantâneos e infinitos. Caymmi é assim definido pelo compositor e cantor contemporâneo Tiganá Santana, como um mediador entre os dois lados possíveis, entre a vida e a morte. Entendidas como um continuum , podemos compreender melhor o que quer dizer Tiganá com essa comparação.
As músicas de Caymmi trazem também todos os ritmos brasileiros de uma maneira bem particular e com mudanças tonais só imaginadas por ele. Ao passear pelas vibrações da vida, o compositor parece também alcançar essa maleabilidade em suas composições. É difícil antever o que virá na próxima nota, assim como é difícil antever qual desenho fará o mar. Como muito bem observado e explorado pelo documentário, o famoso cantor também era pintor. Suas músicas trazem um pouco dessas experiências pictóricas, dos “15 Azuis” que comenta em uma carta para o amigo Jorge Amado. Entre os azuis e os verdes do mar, Caymmi caminhou pela vida como um eterno encantado pelos pequenos e grandes movimentos. Pelas ondas.
Mas, como o pesquisador Marielson Silveira pontua, é um mar negro que vemos em suas músicas. O resgate de Caymmi como um músico negro também é um dos pontos que devemos destacar no filme.
A montagem de Henrique Dantas e Luciana Queiroz, além de utilizar a imagem do mar como uma espécie de projetor constante no qual as imagens aparecem, também tem um ritmo próprio. Talvez conectado ao tempo do “nada” ao qual Caymmi reivindica. Sair do tempo da rua e entrar em um “outro tempo”, o tempo do candomblé – tempo que o capitalismo não comporta, diz outro entrevistado.
O tempo de “fazer nada” não é o do ócio criativo que pode ser remetido ao aristocrata europeu. Nesse sentido, o tempo da rua, do bar, dos terreiros, do não cronológico é o possível para Caymmi. Não é o tempo do flauner de Baudelaire, mas da preguiça. Ao analisarmos a origem da palavra preguiça podemos perceber que esta já tinha uma conotação negativa. Preguiça significa pesado, lento, vagaroso. Já o ócio vem da ideia do prazer, do bem-estar.
Ao entendermos a preguiça como uma esfera negativa de nossas vidas, naturalmente, a rejeitamos. No entanto, caso pensemos a preguiça como um ato mais potente que o ócio guardando em si uma afetividade latente, podemos adentrar a temporalidade de Caymmi. A preguiça à qual Caymmi reivindica na continuação de sua carta para Jorge Amado não é pesada, é de um tempo outros, somente possível no vento, nos raios, na chuva e no mar. O tempo da vida e da morte. Do intermediário não como meio , mas como transmutação.
São muitos os entrevistados em “Dorivando Saravá, o Preto que Virou Mar“. Amigos pessoais, artistas que conviveram com Caymmi e admiradores- – Tom Zé, Gilberto Gil, Tiganá Santana, Mãe Oyá Tundê, Moraes Moreira, dentre outros.Todos concordam com uma coisa: a música de Dorival Caymmi influenciou e ainda influencia grande parte dos músicos brasileiros e traz nela um caráter inovador que, talvez, já estivesse pairando por essas terras, mas que só o médium Caymmi foi capaz de decodificar.
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