CineOP | Mostra Contemporânea | Curtas

Mostra Contemporânea

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Como fazemos tradicionalmente na Apostila de Cinema, construímos uma listagem com pequenas análises de todos os curtas-metragens de um mesmo recorte dos festivais. Na CineOP, seguimos nossa cobertura com a Mostra Contemporânea – que, nas palavras oficiais do evento “dialoga com o passado para reconfigurar questões do presente. Seja pelo documento, pela memória, pelo autoquestionamento ou pela reflexão de como materiais afetivos ou concretos ainda nos servem“. Segue o texto curatorial oficial:

Na Mostra Contemporânea de curtas-metragens, com curadoria de Camila Vieira, a seleção de 11 títulos se espalha também pelos recortes do Cine-Praça, Cine-Teatro e Cine Vila Rica e abrange diferentes modos de manifestações de processos histórico-sociais nas imagens cinematográficas e suas relações entre passado e presente. Alguns realizadores fabulam narrativas que podem assimilar ou recusar as contradições do presente, outros buscam resgatar vestígios do passado pela manipulação de imagens de arquivo.

No Cine-Praça, filmes como “As Constituintes de 88”, de Gregory Baltz, ou “A Viagem de Seu Arlindo”, resgatam imagens e imaginários de tempos da história nacional ou da intimidade de personagens retratados para ressignificar seus próprios sentidos. “Dona Cila, Não me Espere para o Jantar”, de Carlos Segundo, foi feito no contexto da pandemia e reflete sobre o isolamento social pela chave da ficção científica. Por sua vez, “Mãtãnãg, a Encantada”, de Shawara Maxakali e Charles Bicalho, retrata rituais Maxakali através da animação.

Na sessão Cine Vila Rica, “Acabaram-se os Otários”, de Rafael de Luna e Reinaldo Cardenuto, e “Extratos”, de Sinai Sganzerla, se utilizam de fotografias e documentos para reconstituírem memórias audiovisuais de filmes e figuras importantes do meio. Questões da negritude e da memória negra aparecem em “E no Rumo do meu Sangue”, de Gabriel Borges, e “A Morte Branca do Feiticeiro Negro”, de Rodrigo Ribeiro.

Por fim, os curtas do Cine-Teatro trabalham a abordagem de comunidades e culturas singulares representadas sobre outras possibilidades de olhar, casos de “A Fome de Lázaro”, de Diego Benevides, sobre as celebrações a São Lázaro, na Paraíba; “Abdução”, de Marcelo Lin, que retrata um morador da comunidade Aglomerado da Serra, na periferia de Belo Horizonte; e “Relatos Tecnopobres”, de João Batista Silva, que segue, como se num documentário, as ações dos guerrilheiros de uma comunidade subterrânea contra forças de repressão cyberburguesa.

Em parceria com a TV UFOP, a 15a Mostra de Cinema de Ouro Preto – CineOP apresenta duas sessões de curtas-metragens brasileiros realizados em universidades, escolas de cinema ou núcleos de formação em audiovisual, que serão apresentados exclusivamente na TV UFOP.


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Índice de Filmes
(clique em seus nomes e seja direcionado ao texto)

À Margem das Torres
A Morte Branca do Feiticeiro Negro
A Viagem do Seu Arlindo
Acabaram-se os otários

As Constituintes de 88
Cidade Submersa
De onde vim
Dona Cila, não me espere para o jantar
Extratos
Mãtãnãg, a Encantada
Os olhos na mata e o gosto na água
Relatos Tecnopobres

Ficha Técnica dos Curtas da Mostra Contemporânea


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À Margem das Torres
(Ton Apolinário, 2019)

CineOP A Margem das Torres

Em “À Margem das Torres“, o diretor Ton Apolínário parte da tese de Doutorado de Raphaella dos Santos Souza, “Espaço e Comunidade em Face de Grandes Projetos Públicos“, para pensar a implementação do Parque Madureira, inicialmente criado no território da comunidade Vila das Torres.

Exaltado como um dos projetos do então prefeito Eduardo Paes para tornar a cidade mais aprazível e fazer jus aos grandes eventos que ocorreram no período de seu mandato, tanto a tese quanto o filme mostram o outro lado da construção do Parque.

A comunidade Vila das Torres (assim conhecida pela proximidade com as Torres da Light, fornecedora de energia elétrica da região), ficava ao lado da comunidade Vila Magno e, entre elas, uma grande plantação de hortaliças, legumes e folhas que eram consumidas pelos moradores e vendidas no Mercadão de Madureira.

Com a remoção da comunidade, foi-se também a plantação e, com elas, grande parte dos moradores da região. Ao trazer o Parque, que pode ser entendido como um espaço de lazer (e efetivamente o é para a população do entorno), a Prefeitura, no entanto, não realocou os antigos moradores pensando em seus trabalhos e necessidades.

É verdade que esse é um processo recorrente no crescimento da cidade do Rio de Janeiro que pode ser pensado desde Pereira Passos, até remoções mais recentes. Assim, o filme se torna um importante registro e conta, a partir do depoimento dos moradores, toda a contradição que a estrutura do Parque carrega consigo.

Ao todo, foram dez mil famílias removidas do local. Todavia, o impacto é ainda maior, uma vez que a venda das ervas não impactava somente a vida dessas pessoas. Com isso, o curta-metragem faz uma reflexão sobre as políticas públicas e o abismo que existe em seus discursos e suas práticas. (Texto original de Roberta Mathias para a cobertura da Mostra Outro Rio. Clique aqui e leia a análise completa da sessão)

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A Morte Branca do Feiticeiro Negro
(Rodrigo Ribeiro, 2020)

A Morte Branca do Feiticeiro Negroo

Clique aqui e leia a crítica completa de Roberta Mathias sobre o filme.

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A Viagem do Seu Arlindo
(Sheila Altoé, 2019)

Cine OP A Viagem do Seu Arlindo Mostra Contemporânea

A oralidade e as histórias das comunidades quilombolas fazem parte do jongo. A partir das rodas de contação, a manutenção de histórias e situações ocorridas possibilitam o conhecimento de antepassados e de suas origens. Por algum tempo abandonada, a tradição vem sendo retomada. É nesse contexto que o filme “A Viagem de Seu Arlindo“, da professora Sheila Marcia Altoé, é desenvolvido.

Contando um caso ocorrido na comunidade quilombola de Pedra Branca, nas serras do Espírito Santo, o curta-metragem traz a importância da oralidade e da música para alimentar a memória dos grupos que ainda resistem e conseguem manter suas tradições.

Com o caxambu (dança de origem afro-brasileira, também conhecida como jongo) como pano de fundo, Altoé desenvolve os conflitos divididos em grupo a partir da prática da contação de histórias. A morte de Seu Arlindo, antigo morador do local, é narrada como uma passagem e com um certo grau de intuição espiritual. Se a história em si guarda o signo da verdade, pouco importa.

O interessante é observar como Seu Arlindo passa a mobilizar essas pessoas como uma espécie de novo mito que mantém acesas as práticas culturais de uma narrativa própria entoada pela rememoração do passado. (Roberta Mathias)

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Acabaram-se os otários
(Rafael de Luna, 2019)

Acabaram-se os Otários Mostra Contemporânea

A preservação do Cinema Brasileiro tem um capítulo especial em “Acabaram-se os Otários“, obra de 1929 e considerado o primeiro filme sonoro da filmografia nacional. Em um ano marcado pela oficialização do desmonte da Cinemateca Brasileira – com sua retirada de São Paulo e transferência para debaixo das asas do governo federal e sua Secretaria de Cultura em Brasília – o curta-metragem Rafael de Luna traz nosso passado, mas se aproxima das implicações que as decisões do presente poderão ter no futuro. Reconstituindo o filme original dirigido por Luiz de Barros, utiliza parte do material que restou da produção – a grande maioria fotografias. Músicas gravadas especialmente para o filme – que assim como “O Cantor de Jazz” (1927) tiveram na montagem sua inserção – foram recuperadas e remasterizadas, facilitando o entendimento dessa interessante história de dois caipiras e seu amigo italiano que migram para São Paulo.

O deslumbramento com a estação da Luz (que permanece um século depois), uma cidade que na mesma década havia recebido a Semana de Arte Moderna Crítica que se coloca como ponto de virada de um país que absorveu rapidamente a cultura urbana. Naquela época, o filme ainda falaria para muitos brasileiros fora dos centros aglomerados, um Brasil ainda rural. Bentinho e Samambaia se aproximam da experiência de um flaneur, mas a trama, baseada em escritos do – ainda jovem – Menotti Del Picchia, trazem um intercâmbio cultural, uma interação de uma nação que, por trás do verniz da ingenuidade, tinha uma pungente cultura – que se manteve.

“Acabaram-se os Otários” ficou seis meses em cartaz em São Paulo e, mesmo assim, é um filme perdido. Em um ano em que reconfiguramos espaços, o festival de cinema foi um dos destaques na área da Cultura. A possibilidade de eventos online acabou democratizando, pelo prisma tecnológico, o acesso a mostrar vinculadas a um território. Por outro lado, perdeu-se, temporariamente, o vínculo com a cidade. A CineOP, com sua proposta de resgate histórico, consegue em obras como este curta-metragem trazer questões que não ficaram no passado. Muitas produções nacionais dos últimos anos correm o risco de serem perdidas. Mesmo com a digitalização, ainda dependemos dos realizadores e seus familiares – além de colecionadores – para manter nossas memórias intactas. Esperamos que a ampliação do alcance do festival tenha o condão de trazer este debate a um grupo maior de admiradores do nosso audiovisual (Jorge Cruz).

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As Constituintes de 88
(Gregory Baltz, 2019)

Curta As Constituintes de 88

Dentro da importante missão de resgate histórico, não apenas vinculado ao patrimônio cultural, “As Constituintes de 88″, realizado por Gregory Baltz, é uma obra que simboliza a gama de objetivos desta edição da CineOP. Além da ótima composição feita totalmente com imagens de arquivos, o curta-metragem apresenta em tom crítico a participação feminina na Constituição Federal de 1988 – que, mesmo combalida, ainda pode ser chamada de “Constituição Cidadã”, além de passar pela forma de comunicação da mídia hegemônica, mesmo que esse não seja o mote do filme.

O foco é o áudio dos discursos das deputadas constituintes, como Rose de Freitas, Abigail Feitosa e Eunice Michiles. Mulheres que seguiram suas convicções de trazerem representatividade à lei máxima do país. Consolidaram entendimentos sobre a incompatibilidade de se manter a desigualdade salarial em uma sociedade onde elas são, na maioria das famílias, as grandes provedoras de renda. Mesmo com temas tão urgentes, ainda perdiam tempo com abordagens midiáticas objetificantes – que nunca deixaram de existir, sempre há a “musa da CPI” ou coisas do tipos por aí.

Por fim, fica aquela sensação perene em todas as abordagens históricas de um Brasil que possui seus eclipses progressistas: o quanto poderíamos ter avançado mais. Baltz traz como exemplo, extensível a outros debates, o aborto. Algo que deveria ser tratado sem amarras ideológicas como questão de saúde pública no país. Não é um opinião, é um fato social: muitas mulheres morrer por procedimentos clandestinos e seus desdobramentos. “A Constituinte de 88” chega para lembrar que andamos para trás neste quesito e estamos às voltas com discussão sobre o endurecimento das normas que trazem exceções ao aborto. Na campanha de Dilma Roussef em 2010, essa simples afirmação de que se tratava de questão saúde pública rendeu muitas críticas a, então, candidata. Em 2020, opiniões como estas parecem mais extremistas do que realmente são. Momento em que devemos buscar em filmes como este curta-metragem as ferramentas argumentativas necessárias para que os ideias de igualdade e respeito não fiquem parados de vez em nossa garagem. (Jorge Cruz)

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Cidade Submersa
(Bárbara Lissa, 2020)

CineOP Cidade Submersa Mostra Contemporânea

Em “Cidade Submersa” a diretora Bárbara Lissa consegue, em cinco minutos, sintetizar um dos grandes problemas das capitais brasileiras, principalmente do Sudeste: a relação com a chuva. Desenvolvidas em zona de mata, a Atlântica, as enchentes causadas por repentinas e completamente previsível cheias de rios que cortam Rio de Janeiro, São Paulo e Belho Horizonte (onde se passa o curta-metragem) é um problema secular – que tende a se agravar cada vez mais pela intensidade dos fenômenos, reflexo do aquecimento global.

A cineasta, então, propõe como foco a zona planejada de BH, mais uma tentativa de administrações passadas de promover soluções mágicas. Obras que já nascem velhas, posto que a ineficiência dos governos faz com que as providências se encerrem e os empreendimentos se concretizem quando as demandas daquele território já se alteraram. Na melhor das hipóteses, esses planejamentos acabam sendo meros paliativos. Em outros casos, como naquele mostrado no filme, conseguem piorar a situação.

Lissa também faz uma proposta de abordar os meios pelos quais nos informamos em tempos atuais, principalmente em eventos que alteram nosso trânsito pelos espaços – e podem nos atingir em qualquer momento da rotina. Seu curta-metragem se notícias de portais de internet e vídeos produzidos por populares em tempo real. No segundo caso, trata-se de uma informalidade que se tornou a regra pela impossibilidade da mídia oficial se deslocar com a mesma rapidez na qual essas informações chegam. Por fim, faz a curiosa abordagem de trazer a voz de um agente público culpando a população pelas enchentes, geralmente responsabilizando o descarte de lixo (quando muitas vezes a ineficiência da coleta é o que potencializa os problemas). Uma desculpa cada vez mais usada em tempos onde a negação da imagem é cada vez mais difícil. (Jorge Cruz)

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De onde vim
(Sérgio Azevedo, 2019)

Curta De Onde Vim Mostra Contemporânea

De Onde Vim“, de Sérgio Azevedo, conta a história de Hendy, imigrante haitiano residente no município de Brusque. O curta-metragem acompanha a rotina do rapaz, seu contato à distância com a família, seu esforço para aprender a língua portuguesa e a legislação brasileira, bem como o exercício de sua fé. Na sala de aula, o verbo que ele aprende a conjugar é trabalhar. Na crítica de “Por Trás da Pele“, que conta a história de um haitiano que vai a São Paulo em busca do irmão (de forma mais ficcional) falamos o quanto os corpos dos novos imigrantes negros são vistos como potenciais trabalhadores de baixo custo – sem qualquer distribuição de empatia pela sociedade civil, reflexo de uma política pública inexistente que não facilita em nada a adaptação dos imigrantes e sua inserção nas comunidades espalhadas pelo Brasil. Se “Por Trás da Pele” consegue um alcance maior por fazer parte da seleção para a Mostra Paralela, “De Onde Vim” tem o peso de um depoimento em primeira pessoa com a adição da apresentação de alternativas paliativas de auxílio via assistência social – com os verdadeiros heróis nacionais, sempre na linha de frente das batalhas que realmente importam no Brasil. (Texto original de Jorge Cruz para a cobertura do Festival Taguatinga de Cinema. Clique aqui e leia a análise completa da sessão)

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Dona Cila, não me espere para o jantar
(Carlos Segundo, 2020)

CineOP Dona Cila Mostra Contemporânea

Em meio à rotina provocada pelo isolamento social, um homem tenta manter a sanidade fazendo exercícios, pegando sol, recorrendo à ioga e mantendo-se informado sobre a situação de sua avó.

Algumas situações, agora recorrentes em nossas rotinas, como a corrida no jardim da casa, o almoço silencioso e o vazio causado pelo embate com o que há de mais íntimo em nós, transparecem também no ar cansado de nossa personagem central, único corpo frente às câmeras. Assim, ainda que essas atividades apareçam apenas uma vez durante o curta-metragem, temos a sensação de sua repetição diária.

Com um cotidiano “ocupado” pela repetição dessas atividades, vemos que sua mente também cansa. Como um pouco de todos nós temos nos sentido durante esse período, a solidão se impõe como o deserto. Dona Cila, a avô, aparece como única voz presente além da dele. E, é com ela que conversa antes de acontecer um evento extraordinário. Talvez, uma fantasiosa forma de liberdade possível frente aos vazios que nos assolaram (e ainda nos assolam) diante da pandemia. (Roberta Mathias)

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Extratos
(Sinai Sganzerla, 2019)

CineOP Extratos

“Extratos” de Sinai Sganzerla é o álbum de família mais famoso do Cinema Brasileiro. Uma forma de ressignifcação de imagens de arquivo que nos brinda com um reencontro com Helena Ignez e Rogério Sganzerla. Muito já foi dito sobre esses grandes representantes do audiovisual nacional e tentar condensar opiniões em nossa limitada abordagem que contempla todos os curtas-metragens da Mostra Contemporânea da CineOP seria injusto. Todavia, é impossível que esses agentes deixem de retornar à Apostila de Cinema (Helena já passou por aqui quando lançou pelo IMS Convida “Fogo Alto, Baixo Astral).

O que mais chama a atenção, porém, é essa inquietude de Ignez e Sganzerla. Exilados, limitados em suas ações, eles sentiam falta de produzir – e, como vemos na obra de Sinai, produziam. Uma lembrança de tempos que não nos faz falta e não queremos que volte. Uma época em que a Cultura sofre – muito. Infelizmente, hoje entendemos um pouco mais a dor daquelas pessoas, que mesmo na efervescência da arte londrina na década de 1970 queria discutir o Brasil. Assim eles decidem, se movimentam, vão ao Marrocos e depois rompe com o exílio no exterior em Salvador.

Só que mais do que um registro “Extratos” é uma conexão. Sinai se reúne com os seus, promove uma quebra na barreira do espaço-tempo em seu portal que dura menos de dez minutos. Uma ligação supra temporal com a emoção que só a realidade provocada e proporcionada pelo arquivo e o audiovisual que dele nasce. (Jorge Cruz)

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Mãtãnãg, a Encantada
(Shawara Maxakali e Charles Bicalho, 2019)

FestCurtas Fundaj 2020

Mãtãnãg, A Encantada” é uma das poucas animações do Festival (que conta somente com mais duas) e direção dividida entre Shawara Maxakali e Charles Bicalho a história da índia que decide seguir o marido morto até o outro plano é contada a partir dos relatos do Pajé Maxakali.

Em Mãtãnãg fica evidente a relação distinta que estabelecemos com a morte. Na animação ( assim como nas lendas contadas pelo Pajé) , a morte é apenas outro plano no qual as coisas se dão de maneira distinta deste, mas ainda assim podemos notar semelhanças, quase uma “Caverna de Platão”.

Essa comunicação possível com a “aldeia dos espíritos” é completamente distinta da maneira como nós, ocidentais da pós-modernidade, compreendemos o corpo e a seu cessar de vida. Trabalhando com o som, que dita o ritmo da animação, imagens desenhadas em uma folha e papel e , posteriormente animadas, Mãtãnãg traz uma das questões centrais para humanidade, como diria Jean Pierre Vernant, a possibilidade de ser lembrado mesmo após a morte.

A possibilidade de encontrar um mundo pós mortem semelhante aos signos e símbolos que elaboramos durante nossa vida nos assombra e conforta. A visão exata da da morte ou, do fim da vida, é a grande questão que jamais poderemos responder até que essa se torne concreta em nossos corpos. Assim, o desenho funciona também como um encantamento tal qual o realizado pela índia para acessar a “aldeia dos espíritos”. Em sua forma, Mãtãnãg nos remete aos primeiros desenhos possíveis ao utilizar-se de suporte fixo(as folhas de caderno,mas poderíamos pensar em paredes de grutas ou o chão de terra) para contar uma lenda que é repassada pela oralidade.

O interdito, no entanto, tem seus limites que podem ser vivenciados, mas não repassados. A índia comete um erro irreversível ao retornar ao mundo dos vivos. Conta tudo o que viu no espelhamento. Assim, Mãtãnãg também é uma história sobre os limites impostos ao sujeito para que esse seja considerado parte integrante de uma comunidade. (Texto original de Roberta Mathias para a cobertura do FestCurtas Fundaj, realizado pela Cinemateca Pernambucana. Clique aqui e leia a análise completa da sessão)

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Os olhos na mata e o gosto na água
(Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, 2020)

CineOP Os Olhos na Mata Mostra Contemporânea

Os Olhos na Mata e o Gosto na Água” traz a premissa do livro de colorir para nos transportar ao interior do Sul do Brasil, onde uma cidade se ergue a partir dos colonos alemães. Luciana Mazeto e Vinícius Lopes criam uma abordagem onde as cores não necessariamente refletem a realidade. Essa metáfora possível dos livros de colorir nos despertavam interesse desde que – motivados por um repentino modismo há alguns anos, em que muitos diziam que essa atividade era uma boa forma de controlar a ansiedade – identificou-se um aumento de vendas dessas publicações. Inclusive, era comum as pessoas colorirem seus livros nas salas de espera e corredores de prédios públicos.

Com isso, o filão acabou aproximando manifestações artísticas clássicas ou obras histórias para esses ambientes. Cada um poderia recriar uma obra de Picasso (ou Romero Britto) com as cores que achassem pertinente – mais ou menos. O curta-metragem traz de novo esse conceito, de memórias expressadas a partir de um entendimento próprio sobre os fatos. Um território ocupado por imigrantes europeus que chegam ao Brasil a partir da política expansionista de Napoleão Bonaparte na França de meados do século XIX. Usando seus novos conceitos de cidade e o ideais de Revolução Industrial, pensam sua interação com o novo país onde pudessem aplicar as modernidades da sociedade da qual saíram, com uma proteção às tradições de seus povoados.

A narração em alemão se preocupa em trazer o tom crítico do desrespeito tanto ao território quanto às tradições dos povos originários. Uma mea culpa que já se esvaiu na região. Curioso ser essa a segunda produção que traz uma narração nesse idioma, se valendo de uma personagem com verniz histórico. O outro foi “Escola sem Sentido” (2019), visto no Festival Taguatinga. Ali há uma tentativa de não se repetir a história de perseguição aos educadores, vindo de uma viajante do tempo que viveu o nazismo. Aqui há uma ponte, em que os cineastas constroem com a força imagética dos arquivos a tripla personalidade de um povo: alemão, brasileiro e gaúcho. (Jorge Cruz)

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Relatos Tecnopobres
(João Batista Silva, 2019)

CineOP Relatos Tecnopobres Mostra Contemporânea

Com um enredo que lembra Adirley Queirós ou a série brasileira da Netflix 3%, “Relatos Tecnopobres“, do diretor João Batista Silva, traz uma ficção-científica bem parecida com a realidade que encontramos no país e no mundo.

Com intuito de exterminar as populações tradicionais e periféricas em 2019 há o Golpe Digital. Quando inicia o filme, no entanto, já estamos em 2035 e acompanhamos a luta de algumas pessoas pertencentes aos grupos exterminados tentando manter a vida.

A imaginação de que o que o futuro nos reserva não é exatamente a paz e a igualdade vem, em grande parte por um reflexo do passado. Afinal, o que vivemos repetidamente senão um extermínio dos que estão às margens?

Ao trabalhar com imagens jornalísticas de revoltas recentes, há um diálogo direto com a imaginação do futuro catastrófico. Os tecnopobres se desenvolvem a partir da diferença entre os que possuem acesso à tecnologia de ponta (a cyberburguesia, que já não vive mais na Terra) e os que vivem graças às gambiarras fabricadas por conta própria e continuam a viver no planeta-mãe. Nessas pessoas, encontramos a possibilidade da revolução construída com o que sobrou de fragmentos do passado. (Roberta Mathias)

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Ficha Técnica dos Curtas da Mostra Contemporânea

À Margem das Torres (Ton Apolinário, 25min – 2019)
Sinopse: Vila das Torres foi uma comunidade auto construída à partir de uma das maiores hortas urbanas do Rio de Janeiro, abaixo das torres de energia da companhia Light e ao lado das linhas do trem. A horta supria o mercado local de ervas desde os anos 60. Em 2010, a comunidade foi completamente removida para a construção do Parque Madureira. Oito anos depois vemos o contraste de suas memórias com a violência da remoção, com as imagens antigas da comunidade e com o parque atualmente, expondo as complexidades da relação com a cidade, e o dito “progresso”, que desemboca em desemprego, desapropriação e apagamento da luta de centenas de famílias.
A Morte Branca do Feiticeiro Negro (Rodrigo Ribeiro, 10min – 2020)
Sinopse: Memórias do passado escravagista brasileiro transbordam em paisagens etéreas e ruídos angustiantes. Através de um ensaio poético visual, uma reflexão sobre silenciamento e invisibilização do povo preto em diáspora, numa jornada íntima e sensorial.
A Viagem do Seu Arlindo (Sheila Altoé, 16min – 2019)
Sinopse: Na Comunidade Quilombola de Pedra Branca, nas montanhas capixabas, os mais velhos preservam a tradição de contar histórias para os mais jovens como a do dia em que o Seu Arlindo decide fazer uma misteriosa viagem, deixando intrigados os moradores da comunidade.
Acabaram-se os otários (Rafael de Luna e Reinaldo Cardenuto, 19min – 2019)
Sinopse: Comédia musical de Luiz de Barros, Acabaram-se os otários (1929) é um filme perdido. Tido como o primeiro longa-metragem sonoro brasileiro, dele sobreviveram duas imagens em movimento, registros sonoros e fotos de cena e de promoção. A partir de uma pesquisa em arquivos, que resultou na descoberta desse material, foi realizada uma reconstituição que apresenta um vislumbre daquilo que o longa-metragem foi. Os vestígios de Acabaram-se os otários, a maioria inéditos, recontam a história de caipiras que vivem desventuras na cidade de São Paulo. Cumprindo um papel político, a UFF apresenta um trabalho que alia criação artística, pesquisa histórica e preservação da memória do cinema brasileiro.
As Constituintes de 88 (Gregory Baltz, 15min – 2019)
Sinopse: A constituição de 1988 garantiu diversos direitos sociais e políticos. Em meio a uma Assembleia composta majoritariamente por homens, as 26 mulheres constituintes fizeram suas vozes serem ouvidas e conseguiram aprovar emendas importantes para a luta de igualdade de gênero no Brasil.
Cidade Submersa (Bárbara Lissa, 5 min – 2020)
Sinopse: Videoarte que trata das chuvas anuais em Belo Horizonte e suas consequências para a cidade, devido à política pública de canalizações e a destruição ambiental em nome do progresso.
De onde vim (Sérgio Azevedo, 21min – 2019)
Sinopse: O documentário “De onde vim” acompanha o cotidiano de Hendy, um imigrante haitiano que vive em Brusque, trabalha, estuda e frequenta a igreja. Hendy aprendeu português nas aulas de Anelede, uma professora aposentada que se dedica a ensinar imigrantes. Hendy já está integrado à sociedade, diferentemente de imigrantes venezuelanos e cubanos que moram na cidade. O documentário aborda as conquistas, medos e sonhos de quem vem de outro país morar numa cidade “europeia” do sul do Brasil.
Dona Cila, não me espere para o jantar (Carlos Segundo, 19min – 2020)
Sinopse: Estar em casa, na nossa casa física e psicológica, pode sim ter seus riscos.
E no rumo do meu sangue (Gabriel Borges, 4min – 2019)
Sinopse: “Aos negros brasileiros, regressar à África espiritualmente”. Uma apropriação de imagens e sons de um cinema novo para a construção de um novo imaginário.
Extratos (Sinai Sganzerla, 8min – 2019)
Sinopse: Extratos é um curta-metragem com imagens entre o período de 1970 até 1972 nas cidades do Rio de Janeiro, Salvador, Londres, Marrakech, Rabat e a região do deserto do Saara. As imagens foram filmadas por Helena Ignez e Rogério Sganzerla no exílio, nos anos de chumbo. O filme é também sobre a esperança. Algo afável é possível mesmo quando há indicações do contrário.
Mãtãnãg, a Encantada (Shawara Maxakali e Charles Bicalho, 14min – 2019)
Sinopse: A índia Mãtãnãg segue o espírito de seu marido, morto picado por uma cobra, até a aldeia dos mortos. Juntos eles superam os obstáculos que separam o mundo terreno do mundo espiritual. Uma vez na terra dos espíritos, as coisas são diferentes: outros modos regem o sobrenatural. Mas Mãtãnãg não está morta e sua alma deve retornar ao convívio dos vivos. De volta à sua aldeia, reunida a seus parentes, novas vicissitudes durante um ritual proporcionarão a oportunidade para que mais uma vez vivos e mortos se reencontrem. Falado em língua Maxakali e legendado, Mãtãnãg se baseia em uma história tradicional do povo Maxakali.
Os olhos na mata e o gosto na água (Luciana Mazeto e Vinícius Lopes, 36min – 2020)
Sinopse: Em uma pequena comunidade no sul do Brasil, histórias de um passado distante chegam até nós através de um livro de colorir.
Relatos Tecnopobres (João Batista Silva, 13min – 2019)
Sinopse: Após a tomada do poder pelas grandes corporações aliadas aos militares e a apoiadas pela classe média em 2019, uma série de violações aos direitos humanos foram cometidas contra as populações tradicionais e periféricas visando a sua extinção. Em 2035, os sobreviventes lutam pelo direito de viver e articulam uma revolução.

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A Apostila de Cinema é uma iniciativa de promover o debate sobre o cinema e questões pertinentes ao mesmo levantando análises culturais, sociais e estéticas que consideramos centrais para o pensamento crítico da Sétima Arte Contemporânea.

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