Helen

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“Helen” é a estreia da semana. Assista entrevista exclusiva com André Meirelles Collazzo e Luiza Braga.

Assista à entrevista:

Se preferir, ouça a versão em podcast:


Sinopse: Helen é uma menina de 9 anos moradora de um cortiço no centro de São Paulo. Ela vive com a avó, Dona Maria, que trabalha fazendo faxina e, principalmente, vendendo churrasquinho – um trabalho não regularizado e que exige atenção constante para evitar apreensão quando há fiscalização. Entre uma brincadeira de rua, as aulas na escola e as tarefas para ajudar a avó no trabalho, Helen vive intensamente o cotidiano do bairro. Ainda muito ingênua, ela passa os dias alheia à dureza de sua realidade e sua principal preocupação no momento é juntar dinheiro para comprar um presente de aniversário para a avó: um kit de maquiagem.
Direção: André Meirelles Collazzo
Título Original: Helen (2019)
Gênero: Drama
Duração: 1h 38min
País: Brasil

Helen

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Helen“, apresentado dentro da Mostra Contemporânea da CineOP, é daquelas histórias que seguem sendo contadas com muito merecimento porque condensam boa parte dos elementos e características da realidade na qual se insere. O lindo drama de André Meirelles Collazzo traz mais um grande trabalho de atuação de Marcélia Cartaxo. Ela é Dona Graça, uma senhora que cuida da neta e de quase toda a comunidade em que vive na periferia de São Paulo. Vendedora de churrasquinho, ela sente o peso da crise econômica que assola o país há alguns anos. Seu filho é um pai ausente, uma vez que trabalha de caminhoneiro – e em um ritmo cada vez mais intenso. Já a mãe da protagonista, trabalha em um salão e possui uma relação quase informal com a filha. Deixa quase toda a educação a cargo da avó.

A atriz Thalita Machado, que interpreta a menina de dez anos que transita por aqueles espaços tentando chegar a uma conclusão própria diante das interações, também entrega uma excelente atuação. Sintonizada no tom naturalista de Cartaxo, encontramos em sua Helen o peso das experiências na medida em que Collazzo, como um maestro, vai adicionando em sua lirismo urbano, de carcaça dura. Com isso, o longa-metragem, inspirado na vida de Dona Maria, vendedora em uma barraca de churrasquinho no Bexiga muito frequentado pelo cineasta, vai fomentando no espectador a mistura de desilusão precoce e apego na esperança de Helen, em poder dar à avó de presente de aniversário um kit completo de maquiagem.

A cena inicial de “Helen” já mostra que o trabalho de direção de André não tem objetivos acidentais. Ele pensa o filme na tática do espelhamento e, na primeira sequência, apresenta a menina justamente transitando pelo lugar onde mora, a casa de Graça e suas proximidades. A sequência final, noturna, resgata esse prólogo em uma conclusão excepcional, que sintetiza as lições supostamente aprendidas pela menina. O diretor tira pela primeira vez nosso foco da atriz mirim para trazer – em cada ponta do quadro – dois veteranos astros brasileiros: a própria Cartaxo e Tony Tornado. A partir daí, o cineasta se valerá de um expediente muito utilizado na filmografia brasileira dos últimos anos. Deixa de lado um pouco essa câmera participante e traz a observação pura. São poucas movimentações e enquadramentos à distância. Um afastamento que vai sendo quebrado conforme as experiências vividas pela personagem vão se tornando mais duras. A confirmação de que a forma como Thalita Machado foi bem orientada é que sentimos na sua atuação a proporção entre os fatos se desdobrando e uma consequente naturalização de condutas.

Helen nunca causa conflitos, mas sempre parece estar no meio deles. Uma jovem que testemunha casos de violência doméstica, esculacho policial e brigas entre parentes. Uma menina ainda em busca de suas próprias referências – e essa jornada aqui é explorada na obra de forma a atrair um público mais abrangente. Lembra um pouco as intenções universalistas de “Pacarrete“. Tivesse o audiovisual brasileiro o espaço que sua vasta e qualificada produção merece, “Helen” seria outra produção que arrastaria multidões. Uma drama familiar com um ritmo ideal para trazer questões. Ou seja, usa a magia que ficcionalidade e seu poder de esfregar temas complexos com a naturalidade do fazer artístico. Um deles é a consequência das especulação imobiliária nas grandes cidades, assunto que didaticamente o comentário “Push: Ordem de Despejo” (2019), assistido na Mostra Ecofalante, tratou. Aqui ele chega em dois ou três momentos, com a carga de potência necessária para a narrativa.

Outro exemplo é a condução da histórica de forma a afastar totalmente a possibilidade de romantização do trabalho infantil. As informalidades que a protagonista se presta são gestadas sobre um binômio necessidade e insatisfação. Nessa busca por referências, ela quer projetar a vaidade feminina, admira na mãe, em sua avó, o grande pilar de criação. Com algumas bonitas composições cênicas que também faz lembrar o filme dirigido por Allan Deberton, é uma obra que não busca em nenhum momento a contemplação, mas faz um jogo. Usa nos minutos iniciais os momentos já citados de observação da rotina – fazendo a verbalização chegar com grande força. Destaque para a primeira vez em que a calçada onde Dona Graça vende seu churrasco, em que todos os elementos estão do lado direito, onde o portão da loja é azul, deixando o amarelo em destaque, sem obstáculos, do lado esquerdo. Como se estivéssemos ambientados em um mundo de frieza, em uma sociedade que busca a atenção do que está do outro lado – tanto uma relação territorial quanto de classe.

Pontos como este, entretanto, são apenas cerejas do bolo do conjunto que forma “Helen“. Mais uma menina que se vê diante das dificuldades de um mundo controlado por adultos. Ela, que sonha com um ritual de compras de maquiagem para avó com a participação da Carreta Furacão e ouve Marília Mendonça como se pudesse projetar suas vivências – mesmo com dez anos. Uma criança que, como todas são, insiste em não esmorecer, nem em perder a queda de braço para a realidade. O filme, que passou ano passado pelo Festival de Toulouse e que estrearia em abril se não fosse o fechamento dos cinemas, merece uma longa vida no circuito brasileiro. Mais uma estreia em longa-metragem de ficção de um diretor que já vemos que sabe muito bem por quais caminhos ele quer nos levar com sua arte.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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