Sinopse: Em um futuro distante, planetas são comandados por casas nobres que fazem parte de um império feudal intergaláctico. Paul Atreides é um jovem cuja família toma o controle do planeta deserto Arrakis, também conhecido como Duna. A única fonte da especiaria Melange, a substância mais importante do cosmos, Arrakis se mostra ser um planeta nem um pouco fácil de governar.
Direção: Denis Villeneuve
Título Original: Dune (2021)
Gênero: Fantasia | Ficção Científica | Ação | Aventura | Drama
Duração: 2h 35min
País: EUA | Canadá
A Técnica como Especiaria
Falando com sinceridade, já que estamos iniciando 2025, confesso que minhas escolhas sobre “o primeiro filme” e “o último filme” que assistirei em cada ano nunca foram nada especiais. Por exemplo, a ideia de maratonar (a palavra é cabível, já que foram quase seis horas de sofá) as duas primeiras partes de “Duna” de Denis Villeneuve se baseiam mais no fato de estar em dia com os possíveis indicados ao Oscar desse temporada de premiações. Disponível na Max, a Parte Um também me levou a outra reflexão que exige que eu fale ao leitor, mais uma vez, com sinceridade.
Baseado na subjetividade inerente ao julgamento crítico, o gap geracional talvez torne cinzenta a análise acerca de obras e fantasia como esta. Ao custo de 165 milhões de dólares, “Duna” arrecadou mais de 400 em pleno período pandêmico – e mesmo com a Warner insistindo em lançar ao mesmo tempo em streaming. Por sinal, isso fez com que Villeneuve, estreando na cadeira de produtor, criticasse severamente a decisão mercadológica, uma vez que a autorização para a produção da continuação dependeria da performance nas bilheterias.
No Oscar de 2022, foi indicado a dez estatuetas e ganhou seis (edição, fotografia, som, efeitos visuais, design de produção e trilha sonora). Agradou parte do público, sobretudo a parcela dos cinéfilos que possuem predileção aos trabalhos de Villeneuve e de Christopher Nolan – e sobre o segundo, lembro que citei a autoconsciência como uma qualidade de “Tenet“ (2021) na crítica da época. Como destacarei nos parágrafos abaixo, a qualidade técnica do longa-metragem é inquestionável. De fato, o que foi pensado pelo realizador e empenhado pela Warner para o lançamento, parece atingir o objetivo.
Entretanto, a mim parece que falta alma em “Duna“. Ou, se não isso, uma conexão para além da viagem imersiva baseada no realismo daquelas imagens.
Baseado no livro de Frank Herbert, publicado em 1965 (já adaptado pelo traumatizado David Lynch em 1984 e eterno projeto de Alejandro Jodorowsky), “Duna” conta a história de Paul Atreides (Timothée Chalamet), que se vê em uma trama política que o leva ao planeta Arrakis na figura de um messias. No filme de Villeneuve, a responsável por um breve prólogo é Chani (Zendaya). Representante do povo fremen, ela ao mesmo tempo nutrirá paixão por Paul e desenvolverá ceticismo acerca da figura salvadora daquele homem. As intenções da personagem são esclarecidas logo na primeira cena: para ela seu povo sempre o oprimido.
A construção de sociedade pensada por Herbert e refletida no longa-metragem é brilhante. Os fremen se tornam um grupo explorado em virtude de dois grandes motivos. O primeiro foi a capacidade de se adaptar às mudanças climáticas de Arrakis. Diante do calor extremo, com temperaturas que chegam aos 60 graus, algum componente genético permitiu que eles continuassem transitando pelo deserto infinito que se tornou seu planeta (poderiam se chamar “cariocas”, inclusive). O segundo é, por conta dessa condição física, a possibilidade deles colherem uma importante e valorizada especiaria (melange) na realidade interplanetária ambientada no século CII pelo calendário universal (o que seria por volta do ano 23.000 na Terra). No mais, eles coabitam o deserto com imensos monstros conhecidos como vermes de areia, a grande alegoria estética do mundo criado por Herbert.
Na parte um, o Duque Leto Atreides (Oscar Isaac), pai de Paul, recebe do Imperador a missão de substituir os harkonnens no governo de Arrakis. Por consequência, sua família passará a explorar o povo fremen. Já Jessica Atreides (Rebecca Ferguson), mãe do protagonista, é uma Reverenda Madre. Com isso, Paul goza de duplo privilégio. Enquanto filho de um nobre, herdará grandes poderes. Enquanto filho de uma sensitiva, desenvolve sonhos premonitórios. Ao contrário da clássica narrativa cristã – por sinal muito bem adaptado ao que se avizinha o mundo mais de vinte mil anos depois de Jesus, a predestinação aparece de um representante da elite e não do povo sofrido. Por isso, Chani encontrará adeptos em seu ceticismo. Na obra original, o principal texto religioso do Império tem base na fusão entre as doutrinas cristã e islâmicas.
A trama política é pouco explorada em “Duna”. Leto parece antever as importantes implicações de aceitar partir de Caladan para substituir os harkonnens na exploração de melange. Mais adiante, saberemos que o Imperador articulou esse movimento para tirar um forte candidato a sucessor fora de sua linhagem do caminho. Todavia, o personagem de Isaacs encara aquilo como um chamado. Seu filho Paul, no anseio de juventude e começando a se envolver na narrativa da predestinação, também deseja ir à ação. Com isso, eles partem rumo a Arrakis.
Digo que esse envolvimento político é pouco representado porque há elementos que são apenas citados na obra – e que possuem um interessante potencial. Um deles é a forma como os fremens são levados enquanto massa de manobra para que se crie o sentimento de que o futuro Duque é o salvador daquele povo. Essa vertente narrativa é importante para que, diante da ordem de genocídio que põe fim à primeira parte da trilogia, muitos se apeguem à liderança da Paul a partir dos “sinais” e à ideia de “morre o homem, nasce a lenda” no duelo final.
Por sinal, a forma como Villeneuve não alinha a técnica com o sentimento é o grande entrave da produção, carregada de virtuosismo, mas impactante “apenas” por isso. Ele considera “Duna” uma evolução a partir das experiências de “A Chegada” (2016) e “Blade Runner 2049” (2017). E, de fato, é – sendo todos filmes espetaculares na acepção da palavra e com as mesmas características em relação à forma de imersão. Tanto que, mesmo em substituição a Roger Deakins, o diretor Greig Fraser também saiu oscarizado de uma realização do diretor.
No que diz respeito à técnica, as notas de produção apresentam uma forma diferente de exploração dos chroma keys habituais, os de fundo verde. Com placas marrons e azuis, em tonalidades parecidas com as projeções do deserto de Arrakis, a sensação de realidade é ainda maior, o que faz com que a obra fique marcada na histórica do Cinema. Para quem se interessar mais, há um texto (clicando aqui) e um vídeo (clicando aqui) que traz mais informações sobre isso.
É nesse ponto que um longo parênteses precisa ser aberto. “Duna”, na verdade, é um grande representante dos filmes de fantasia contemporâneos, com seus ônus e bônus. Um produto que é resultado da evolução tecnológica e complexificação narrativa do audiovisual estadunidense há 25 anos. A formação de plateia que passa a buscar a zona de conforto das sagas, continuações infinitas e readaptações de obras; em conjunto com os efeitos modernos que tornam tudo digital e, ao mesmo tempo, carregado de realismo. Villeneuve é celebrado por uma indústria que não prioriza o envolvimento do público e sim a constante criação de expectativa do que está por vir.
A longa sequência do primeiro ataque do verme de areia é um exemplo. É inegável que saímos há quarenta anos de um Cinema que usava a artificialidade como parte das representações e chegamos ao auge da construção de um mundo alternativo perfeitamente tangível na tela escura. Por outro lado, a escolha de imagens – mesmo com a excelente montagem de Joe Walker, em longa parceria com Villeneuve – soa mais como uma reconstituição de evento do que uma obra de arte na qual uma história está sendo contada. O mesmo podemos dizer da trilha sonora de Hans Zimmer, um talento que venceu apenas seu segundo Oscar (o primeiro foi em 1995 por “O Rei Leão” com outras dez indicações) – e que se adaptou muito bem aos novos tempo de Hollywood. Seu trabalho nunca é um contraponto e sim um complemento aos exercício técnicos da equipe e som. Inclusive, ele rejeitou o convite de Nolan para compor justamente para o já citado “Tenet” por conta da produção de “Duna”.
Há sequências em que o filtro da perfeição encontra o sentimento. Nas cenas de luta lideradas por Duncan Idaho (Jason Momoa), por exemplo – algo que o cinema comercial tem, de fato, conseguido realizar muito bem. A representação do “exército de um homem só”, a escolha e planos, a montagem mais rápida e até a trilha um pouco fora do realismo são fundamentais para uma construção de tensão muito mais apreciativas. Talvez sejam os momentos mais inspirados da obra.
Com isso, “Duna” tem uma característica que muitos verão como qualidade e outros como defeito. É uma obra menos manipulativa. Por consequência, menos emocionante e, por que não dizer?, marcante. Na subjetividade, admirei muito e senti pouco. Volto à abertura do texto e confesso que a gênese dessa opinião pode ser o recorte geracional, sabendo que me jogo a leões bem menos fofinhos do que aqueles que deram o primeiro Oscar a Hans Zimmer na figura da fan base de Denis Villeneuve.
Veja o trailer: