Entrevista | Ugo Giorgetti

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Vacinado Contra Crises

Em uma longa e agradável conversa por telefone, o diretor Ugo Giorgetti respondeu boa parte das perguntas da Apostila de Cinema contando histórias. De épocas diferentes, mas sempre lembrando de alguma crise pela qual o Brasil estava envolvido. Com a serenidade de quem passou por muitas e seguiu fazendo Cinema no país, o realizador parece imunizado há tempos. Só uma coisa parecia tirar um pouco sua tranquilidade: a ideia de deixar engavetada alguma produção.

Foi isso o que o motivou a finalizar “Paul Singer, Uma Utopia Militante“, que tem estreia mundial no Festival É Tudo Verdade a partir do próximo domingo, dia 11 de abril. O documentário, exibido em apresentação especial e fora de competição, é centrado no economista austríaco de nascimento e que tanto contribuiu para o Brasil, onde chegou aos seis anos fugindo da perseguição nazista aos judeus. Marcados pela ideia de Economia Solidária, os produtores Fernando Kleiman, Marcos Barreto e Raissa Albuquerque procuraram Giorgetti com um material bruto inestimável: uma entrevista com Singer, em que ele se aprofundava em sua biografia.

Deixemos Ugo contar essa história e como as etapas desta produção dizem muito sobre o momento do audiovisual nacional. Como ele mesmo admite, viver do Cinema no Brasil é outra utopia e por isso sua opção pela ramo da publicidade na década de 1960. Mesmo assim, ele começa, na década seguinte, a nos entregar grandes filmes. Vence o Festival de Gramado em 1989 com “Festa“, quando parecíamos viver um fim de festa com a extinção da Embrafilme, em vias de acontecer. Durante a Retomada, faz em “Boleiros” (1998) uma leitura sobre o futebol, grande pilar cultural da nação, nunca superada. Fora da ficção, sempre optou por documentários que tivessem, como ele mesmo diz, um bom assunto.

O cineasta vai além e reflete sobre em que fase da crise estamos e como podemos sair dela. Tanto na sociedade quanto no microcosmo que é o audiovisual. Ou seja, Ugo Giorgetti pode não viver de Cinema – mas o Cinema vive em Ugo Giorgetti. Já antecipamos que há outra obra do diretor aguardando um espaço para ser lançada, talvez a única incerteza que tire um pouco do sono de quem já presenciou um pouco de tudo e, apesar de preocupado, não se surpreenda com quase nada.


Entrevista | Ugo Giorgetti

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Apostila de Cinema: Essa é a sua primeira experiência na qual você entra em um projeto pré-existente. Como o senhor chegou até o projeto? Quanto tempo demorou a produção e a finalização?

Ugo Giorgetti: Na verdade esse filme chegou a mim quando não era filme ainda, ele veio através de três ex-alunos e admiradores do professor, um deles meu amigo. Eles já haviam feita a entrevista com o Paul Singer – que é essa que está no filme. Eles levaram a entrevista à minha produtora e perguntaram se eu não queria fazer. Eu nunca fiz, dentre meus 21 filmes – ficção e documentários – um em que a ideia não partisse de mim. Achei estranho, mas quando olhei a entrevista, me encantei.

Eu conheci o Paul Singer, figura mais ligada ao PT, a USP, entre várias coisas de São Paulo. Sabia quem ele era, mas o conhecia superficialmente, já que nunca fui filiado a partido ou do meio acadêmico. A entrevista, entretanto, mostrava quem ele era de uma forma muito mais profunda – e aí, sim, me chamou a atenção. Pensei “esse cara é realmente uma figura singular, não há muita gente igual”.

No início da produção recorremos a vários editais aqui de São Paulo e um também do Fundo Setorial e nenhum foi aprovado Eu acho que já tinha mudando um pouco o clima do país, ele também é uma figura muito pouco midiática – não sei atribuir o grande motivo pelo qual não conseguíamos aprovação. Daí alguém teve a ideia de fazer um crowdfunding, meus filmes sempre foram feitos via leis de incentivo e o procedimento tradicional. Fizeram o financiamento e arrecadaram R$ 130 mil, o que para esse modelo é uma quantia expressiva – apesar de não ser para a produção de um documentário. Então, combinamos de filmar até onde desse com aquele dinheiro e, quando terminasse, ver o que iria fazer.

Deu para completar o processo de produção, captar as entrevistas e ele parou. Faltou montagem, sonorização e finalização. Tentamos novamente a captação por editais e não conseguimos nada. Bom, eu não estou acostumado a ser derrotado assim. Na minha carreira não estou acostumado a perder. Não quero acreditar em teorias conspiratórias de que a ausência de financiamento se deu pelo Paul ser uma figura atrelada à esquerda. Acho que foi feito apenas em um momento em que as coisas não deram certo. Então, já durante a pandemia, decidi que ia terminar o filme. Apesar da ideia inicial não ter sido minha, eu criei uma relação, eu gosto do filme e queria finalizá-lo. Nunca na minha carreira um filme meu não foi finalizado e exibido e não seria dessa vez.

Então, quando vi que seria difícil obter por financiamentos, eu entrei em contato com parte de minha equipe de confiança, o Marc de Rossi que montou o filme de Nova Iorque, onde ele mora; a Miriam Biderman montou o som; a DOT, empresa aqui de SP finalizou o filme, fizemos uma cooperativa e terminamos o filme. E acho que o Paul Singer teria gostado de ver o resultado, por conta de suas ideias sobre Economia Solidária.


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Banner Crítica Paul Singer

Apostila de Cinema: Se analisarmos a linguagem do filme, ele é marcado pela linearidade. Em que momento essa decisão de se manter firme em uma cronologia foi tomada? Assim que analisou o material bruto ou foi uma dúvida que chegou na montagem?

Ugo Giorgetti: De fato, eu poderia decidir entre vários caminhos em cima do material bruto que tinha, a entrevista do Paul. Pesou na decisão o fato de, mesmo aqui em São Paulo, o Paul não ser conhecido profundamente. Ele aparecia na imprensa em assuntos pontuais, relacionados à Economia – e era professor, uma fama restrita ao mundo acadêmico. Então parti da ideia de fazer do filme uma apresentação, também vinculado a uma ideia pessoal minha, de concepção de documentário próxima ao Jornalismo. Admito que tem outras formas de fazer documentário, algumas sensacionais, como documentários poéticos e que propõem alterações na linguagem… Mas, no meu caso, eu tenho impressão que elas prejudicam um pouco a clareza daquele assunto. Quando me vejo diante de um bom assunto, procuro ir direto nele – acho que parte da criatividade do documentarista passa por desenvolver um bom assunto. E o Paul Singer também era uma pessoa muito clara, era um professor que expunha suas ideias dessa forma.


Apostila de Cinema: O senhor veio da Publicidade e fez todo o caminho pelo qual passou o Cinema Nacional desde os anos 1980. Refletindo sobre essas várias fases, em que momento você acha que estamos? Caminhando para uma nova crise como as outras ou algo ainda sem precedentes?

Ugo Giorgetti: Eu prefiro responder contando uma pequena história. Há uns três anos, propus ao Sesc fazer uma visão sobre o cinema paulista que eu vi, diferente daquele que os acadêmicos, ensaístas e pesquisadores apresentam – falar de um cinema que eu testemunhei. Então, comecei com a queda da Vera Cruz porque, quando comecei no cinema, estava todo mundo desempregado – por isso acabei migrando para a Publicidade, com a ideia de garantir meu ganha-pão. O que aconteceu com outras pessoas do estúdio também. Mais adiante, na segunda parte, falo da criação da Embrafilme – que depois também acabou, extinta pelo (Fernando) Collor. Quando fiz os documentários, me questionaram sobre o tom pessimista deles, alegando que agora os tempos eram outros. E eu sempre dizia que já tinha passado por crises e que nunca tínhamos certeza de nada sobre o futuro. Passados esses três anos, tenho até vontade de perguntar lá no Sesc se não querem uma terceira parte, sobre o que passamos hoje!

Para mim, a grande diferença é que temos uma crise aliada à pandemia. Você tinha uma grande antipatia e objeção pelo cinema, um desprezo, principalmente na época do Collor, mas todos os governos, em certa medida, tiveram. Falavam que iam fazer muitas coisas e não faziam – só que não tinha uma pandemia. Eu, por exemplo, estou com um filme parado por conta dela. Finalizado no fim de fevereiro de 2020, começamos os procedimentos para exibi-lo, mas que não foi lançado até hoje porque as salas estão fechadas. Sobrou como opção vender o material para a TV, por um valor baixo, a preço vil. Algo que não quero fazer.

Ou seja, nunca vi uma crise como essa porque se aliou a um governo que é o pior em relação a nós. Só que ele é pior porque trabalha numa chave que nunca tinha visto. Ele vai te matando ele vai te matando lentamente… Um dia ele fecha a Cinemateca, mas não fecha de todo. Vai dispensando as pessoas aos poucos… Então a imprensa não noticia porque é uma asfixia, uma atuação microscópica, que acaba não sendo mais notícia. Mais um ano desse governo e ficará muito complicado. Aqui em São Paulo, tanto a prefeitura do (Bruno) Covas quanto o governo do (João) Dória também asfixiam a cultura, são práticas parecidas. Várias iniciativas aqui também estão paradas. Eu acho que podemos viver sem o apoio e o incentivo de governos, mas será uma adaptação ao custo de um crise bem grande.


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Paul Singer e Lula

Apostila de Cinema: Isso entra na democratização da produção. Nunca foi tão fácil fazer os filmes, ao mesmo tempo que nunca foi tão difícil obter recursos para eles. O senhor tem esperança nesse cinema de guerrilha ainda?

Ugo Giorgetti: Sem dúvida! Quando comecei o cinema era 35mm, um trabalho muito pesado. Era tudo muito caro, o negativo, o laboratório. Agora temos o digital, que só aderi em 2012, com “Cara ou Coroa”. Antes, só fazia 35mm. Mudei porque a diferença se estreitou, o digital atingiu um bom nível de qualidade. Não é a mesma coisa que o longa-metragem, são diferentes, mas é perfeito. Acabou a ideia que se precisava de milhões para fazer o primeiro curta, hoje uma câmera de boa qualidade custa dois mil dólares, o equipamento de som também barateou. O que eu acho é que, na época do negativo, sabíamos se virar mais, colocar em práticas as ideias sem certas dependências. É isso que precisamos retomar agora.


Apostila de Cinema: Voltando ao Paul Singer e falando um pouco de futuro. O senhor acha que há hoje na sociedade pessoas propostas ao diálogo, a criar laços como ele – já que elas serão fundamentais para superar essas várias crises que estamos vivendo?

Ugo Giorgetti: Eu suponho que sim, não quero acreditar que não haverá nessa nova geração pessoas assim. Tem muita gente boa, quase elegemos um prefeito aqui em São Paulo, o (Guilherme) Boulos, que se propôs a morar na periferia quando foi se tornar candidato. Uma pessoa preparada, capacitada. Então, encontraremos os caminhos. O Brasil vai seguir aos trancos e barrancos. Mas vai. Olha, eu lembro que estava sentado na porta da minha casa, eu tinha 12 anos, passou um amigo meu falando “hoje não vai ter aula! O Getúlio (Vargas) se matou!”.

Ou seja, desde sempre a gente segue testemunhando crises. Acho que é um pouco o reflexo de uma nação que quer e precisa avançar muito em pouco tempo. Como demoramos muito a se impor, o regime de Império foi um processo modorrento, quando finalmente entramos no mundo, acabamos pagando um pouco o preço da velocidade que queremos para as mudanças. Em muitas coisas melhoramos, mas ao preço dessas crises constantes. Mas melhorou, antes do (Jair) Bolsonaro entrar no poder, o país tinha alcançado um prestígio internacional nunca visto. Quanto mais cedo eles saírem, mais rápido isso será retomado. Eu espero estar aqui para ver, não tenho certeza – o que sei é que vai passar, encontraremos o rumo de novo.

Mas, voltando a falar do Cinema, acho que ele precisa descobrir meios para não depender tanto do Estado, não ficar à mercê das mudanças de poder – como aconteceu agora. Não sei se é reflexo de meus anos na Publicidade, que o trabalho é sob demanda, mas sempre fui contra. Agora estamos totalmente parados por conta do governo que está estabelecido.


Apostila de Cinema: Por fim, sua expectativa sobre a apresentação no É Tudo Verdade deste ano.

Ugo Giorgetti: Ah, eu gosto muito do É Tudo Verdade, já fui jurado duas vezes e estou muito satisfeito de poder apresentá-lo. Ele está fora de competição, minha ideia é apresentar o Paul Singer para o maior número de pessoas. Espero que, aqueles que gostarem, divulguem.

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