Paul Singer, uma Utopia Militante

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Sinopse: O professor Singer pode ser classificado como um iluminista: foi também um educador, mesmo (ou sobretudo) quando fazia política. Personagem maior da vida intelectual paulista dos últimos setenta anos, ele narra sua trajetória, da chegada ao Brasil, em 1940, escapando da Segunda Guerra Mundial, a 2016, na liderança de movimentos de economia solidária. O filme tenta mostrar a beleza de um homem pensando.
Direção: Ugo Giorgetti
Título Original: Paul Singer, Uma Utopia Militante (2021)
Gênero: Documentário
Duração: 57min
País: Brasil

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Um Proletário Insistente

Mais do que estamos fazendo agora, “Paul Singer, Uma Utopia Militante” é um documentário que nos faz pensar o que faremos mais a frente. O experiente diretor Ugo Giorgetti, que aplica um olhar documental até mesmo em clássicos ficcionais de sua carreira como “Boleiros” (1998), apresenta no Festival É Tudo Verdade 2021 uma obra que resgata um dos grandes nomes da Economia brasileira no século XX para mostrar que, além de boas ideias, a força que impulsiona mudanças reais na sociedade dependem de articulação. Extrapola essa representação dentro do próprio filme e serve de exemplo também em sua produção.

Chama a atenção a opção de Giorgetti e do montador Marc de Rossi pela linearidade. Tirando obstáculos de leituras e interpretações, aqui a linguagem tradicional de uma obra documental é usada para demonstrar a força do indivíduo que se oferece para uma comunidade. Singer, falecido em 2018, narra sua própria história – que se alia às palavras de quem se relacionou com ele ao longo de toda sua trajetória. Em pouco menos de uma hora ficamos sabendo da infância marcada pela falta de um referencial masculino (criado por mãe, avó e tia) até sua chegada ao Brasil fugindo da perseguição nazista aos judeus. Por sinal, uma releitura do passado como tentativa de não repeti-lo que desenvolvemos em outro texto nesta semana, sobre o curta-metragem “Colette“.

Na América Latina (a mesma de Miguel Littín, que também é objeto de análise da Apostila de Cinema por esses dias), Singer se filia à Juventude Sionista e faz o longo caminho de um imigrante que vai do chão de fábrica às mais nobres cadeiras acadêmicas. Da repressão ao movimento grevista da classe operária à burguesia da USP, trajetória por ele definida. A ideologia socialista, cristã e que prima pela democracia, fez do biografado uma pessoa com trânsito por vários espaços. Oportunidade que não seria aproveitada se seu republicanismo não permitisse diálogo constante.

Nessa linearidade da obra, a ponta final o mostrará aplicando o conceito de Economia Solidária durante a Era Lula, mas ele faz questão de registrar que os avanços nesse sentido são frutos do mesmo republicanismo dos governos do PT e também do seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso. Por sinal, os escritos de Singer que inspiram o título do documentário, “Uma Utopia Militante” foram lançados originalmente em 1998.

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Antes de falar sobre os reflexos de uma produção comunitária em “Paul Singer, Uma Utopia Militante“, vale o registro da atemporalidade de sua leitura. No É Tudo Verdade do ano passado, por exemplo, o espectador foi apresentado ao jornalista Jayme Martins, em “A Ponte de Bambu“, de Marcelo Machado. O protagonista do filme de Giorgetti, entretanto, dialoga mais com José Aparecido de Oliveira, pelo qual falamos em “José Aparecido de Oliveira, o Maior Mineiro do Mundo” (2019). Indivíduos de confluências, de encontros. Capazes de reunir os cacos de uma sociedade estilhaçada por governos autoritários e/ou opressores. Por isso, ao iniciar nossa crítica, questionamos se hoje estamos preparando para ouvir pessoas com o perfil de Singer. A tal frente ampla pela democracia, que começa a circular pelas entranhas do sistema político, não é novidade no Brasil e dependia diretamente de mediações que ultrapassavam os círculos de poder.

Paul Singer esteve na mesa com Delfim Netto e Luiza Erundina. Desta, fundadora do PT que veio da Assistência Social, foi Secretário de Planejamento quando a política foi Prefeita de São Paulo. Junto à ala progressista da Igreja Católica, sempre foi lido como um grande aliado. Para os pequenos produtores e empreendedores brasileiros, foi revolucionário. Há quem veja uma aura romântica sobre as ideias do economista, principalmente sobre a aplicabilidade de “O Capital” sob o viés de igualdade absoluta. Reflexos de uma nação que assistiu seu momento mais progressista a partir do reforço dos ideais capitalistas – como diz Lula, “colocar o pobre no orçamento“. Singer é daqueles (e ele verbaliza isso) que vê incompatibilidade entre capitalismo e democracia.

A grande diferença é que o envolvimento com o biografado, a maneira como ele nos conduz, se baseia no diálogo – que se transforma em ação. Em um mundo que segue à procura de quem discursa, daqueles que vendem lideranças e soluções bem mais utópicas que a base de pensamento de Singer, um homem como ele acaba sendo lido como uma ferramenta da sociedade. Poucos enxergam a importância da articulação da sociedade civil – e cada vez as mudanças por diálogos e articulações se tornam mais difíceis.

Ugo Giorgetti, entretanto, faz de “Paul Singer, Uma Utopia Militante” um exemplo de Economia Solidária. Levado ao projeto já formatado por Fernando Kleiman, Marcos Barreto e Raissa Albuquerque – pela primeira vez na carreira o fez desta forma – transforma o filme em um produto realizado por quem acredita, desenvolvido graças a um financiamento coletivo. A história de um Iluminista que nunca terá suas ideias apagadas porque confrontar sua lógica de diálogo democrático é se envolver em uma luta perdida – mesmo que o outro lado ainda demore um tempo para sucumbir.

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Jorge Cruz Jr. é crítico de cinema e editor-chefe da plataforma Apostila de Cinema.

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